A madrugada sucumbia ao nascer do sol e Ellis continuava sentada na porta de casa esperando por um milagre. Um milagre que seria seu irmão virar a esquina e vir caminhando bem devagar em sua direção já com os ombros encolhidos por saber que o sermão de Ellis Barker viria sobre responsabilidade e horário. Ellis deixava as lágrimas nos cantos dos olhos escorrerem enquanto sua mente mostrava aquela cena rotineira dos irmãos.
Então a jovem de cabelos castanhos limpou o rosto e se levantou. Ficar ali era torturante demais e ela precisava fazer alguma coisa, qualquer coisa.
Ela entrou em casa e decidiu faxinar todos os cômodos, enquanto esperava... Esperava pela patrulha do Oficial Smith, ou pelo chefe de Ezio que sem dúvida enviaria uma resposta que com certeza não era a que Ellis ansiava.
A casa ficou completamente limpa perto do meio-dia e nada do Oficial Smith e muito menos do Chefe de Ezio, deixando Ellis preocupada. Ela ligou a televisão para tentar se distrair, mas não esperava pela notícia que veio a seguir:
— Foi um encontrado partes de um corpo preso em um dos pilares da Brooklyn Bridge. A polícia está no local tentando identificar a quem pertencia os restos mortais. – Informava a repórter n***a bem no início da ponte, enquanto ao fundo a polícia fechava o acesso ao local. — Conectando a região à ilha de Manhattan, a ponte é um dos principais cartões postais da cidade...
Ellis desligou a televisão em choque. Provavelmente Ezio já teria espalhado os restos mortais de seu irmão pelo bairro. A expressão de preocupação se dissipou do rosto dela e deu lugar apenas ao ódio. Se Ezio antecipou o que faria, agora só restava a ela levá-lo para o inferno. Ele e a todos que se meteram em seu caminho.
***
A delegacia estava um verdadeiro caos quando Ellis chegou. Os policiais estavam se movimentando em completamente desespero. Também não era para menos. Há anos um corpo não aparecia na Brooklyn Bridge e com certeza o prefeito faria um verdadeiro caça às bruxas ali atrás de justiça pela falta de patrulhamento no local. Porém, para Ellis nada daquilo importava, ela só buscava vingança pelo irmão e só quem poderia ajudá-la era Smith que estava sentado em sua mesa fazendo incontáveis ligações desde o aparecimento do corpo. Ele está no meio de uma quando parou ao ver Ellis Barker se aproximar com o olhar de quem virou a noite acordada, mas ao mesmo tempo com determinação.
— Senhorita Barker, o que faz aqui? – Perguntou Smith antes de colocar o telefone na base. — Onde está Jason?
— Oficial Smith, estou aqui porque preciso falar a respeito do Jason. – Começou Ellis bem devagar ainda de pé. Ela controlava o choro preso em sua garganta enquanto tentava falar sobre a noite passada. — Jason...
—Smith, venha! – Chamou o Comissário que saiu de sua sala e gesticulou para o policial.
—Sim, senhor. – Concordou Smith se levantando. Ele encarou Ellis que parecia pedir ajuda e então disse enquanto colocava a parte de cima de seu uniforme. — Fique aqui que eu já lhe atenderei, Senhorita Barker.
Ellis apenas acenou com a cabeça e ficou observando Smith ir em direção ao comissário que segurou em suas costas e conduziu o oficial para dentro de sua sala.
—Sabe, aqui é um péssimo lugar para você falar sobre seu irmão.
A voz masculina fez com que Ellis se virasse rapidamente, assustada. O lugar do Smith foi tomado por um homem de cabelos pretos curtos, olhos castanhos bem dramáticos e barba bem-feita. Ele chegava a lembrar um pouco alguém que Ellis já conhecia, mas ela não conseguia se lembrar.
— Como sabe sobre meu irmão? – Questionou Ellis erguendo o tronco em direção ao homem. — O que sabe sobre ele? Diga, ou eu chamarei o Smith...
—O que eu sei é que seu irmão está vivo. – Revelou o homem recebendo um olhar aliviado de Ellis. Ele acendeu um cigarro e continuou: — E para ele continuar assim, você deve sair da delegacia agora e entrar no carro preto que está estacionado do outro lado da rua.
— O quê? – Questionou Ellis sem entender.
—Vá agora, senhorita Barker. – Ordenou o homem se levantando da mesa.
Ele passou pela Ellis, lhe deu um sorriso e então continuou andando em direção a Smith que já saía da sala do Comissário. A jovem observava os dois conversando e então quando notou que Smith a olhava, ela começou a caminhar em direção a porta da delegacia.
— Senhorita Barker! – Chamou Smith caminhando em direção a jovem que começou a acelerar o passo. — Senhorita Barker!
Ele continuou andando em direção a saída passando por entre as mesas até chegar a porta que abriu com toda força e tudo o que viu foi Ellis atravessando a rua com pressa. O policial já abria seus lábios para chamá-la novamente, quando a viu entrar no carro preto que saiu a toda velocidade.
***
O vidro preto impedia Ellis identificar quem era o condutor do veículo que seguia na direção oeste pela Avenida Blake em direção a Manhattan. Foram os trinta minutos mais angustiantes para Ellis até ali e estava completamente arrependida por ter concordado em entrar naquele carro.
Até que ela observa pela janela do carro que estacionaram em frente ao Carbone, um restaurante sofisticado, em Greenwich Village. O lugar era tão exclusivo que para reservar uma mesa , o cliente precisava fazê-lo 30 dias antes. E ela sabia disso justamente por conta de um péssimo primeiro encontro que teve naquele lugar com um i****a que fez questão de jogar isso na cara dela quando exigiu que fossem para um lugar mais íntimo após a refeição.
— Babaca. – Sussurrou Ellis observando a porta do carro abrir. Sua expressão é tomada pela surpresa da figura masculina que surgiu: — Você?
— Bem-vinda, Senhorita Barker. – Disse Rocco ao abrir a porta para ela.
***
Rocco conduziu Ellis pela sala de jantar principal com azulejos que lembram os vários restaurantes retratados em filmes de máfia, em direção à melhor mesa do lugar, onde estão dois homens de smoking conversando, o que estava sentado, a jovem se recordava muito bem.
— Grazie mille per averci dato questo tavolo dell'ultimo minuto, Mario. So che il tuo ristorante è affollato. In ogni caso, ho avuto bisogno di pranzare con la mia fidanzata. – Disse Vittorio para o homem de pé.
—Sempre gli ordini, Don Vittorio. – Respondeu Mario apertando a mão de Amorielle antes de caminhar em direção a outras mesas e cumprimentar seus clientes.
Vittorio encarava Ellis que permanecia em pé olhando para o homem que provavelmente era o culpado por tudo aquilo.
— Sente-se, senhorita Barker. – Pediu Vittorio estendendo sua mão em direção a cadeira que tinha o encosto em formato de coração a sua frente.
Sem esperar resposta de Ellis, Rocco puxou a cadeira e empurrou a jovem pelos ombros a forçando sentar-se sem qualquer cuidado.
— Ei! – Protestou Ellis ao se empurrada com cadeira e tudo em direção a mesa.
— De nada. – Disse Rocco que logo em seguida se afastou da mesa deles.
— Belo jeito de tratar uma convidada. – Soltou Ellis, irritada para Vittorio.
— Desculpe-me, mas foi você quem pediu essa reunião... – Argumentou Vittorio enquanto apreciava os antepastos colocados na mesa: salame; pão; giardiniera de couve-flor oleosa e salpicada de pimenta; e pedaços do tamanho de um punho de parmesão.
— Cadê o meu irmão? – Questionou, Ellis irada com vontade de lançar tudo o que tinha na mesa no rosto de Vittorio. — O que fez com ele?
— Senhorita Barker, na minha família, a gente não fala de negócios durante a refeição. Não é apropriado. – Explicou Vittorio limpando o canto da boca com seu guardanapo. — Vamos, sirva-se.
— Eu não estou com fome. – Rebateu Ellis enquanto recusava a comida. — Cadê o meu irmão?
— Não minta para mim. Eu sei que deve estar faminta... Quando foi a última vez em que comeu? – Perguntou Vittorio, pensativo. Ellis percebeu que não foi bem uma pergunta direcionada a ela, com o que veio em seguida: — Ah sim, café da manhã de ontem, antes de ir ao banco...
— Onde está o meu irmão?
— Eu fico me perguntando como ainda está de pé, senhorita Barker... – Disse Vittorio antes de morder um pedaço de pão com salame em cima.
—Por favor, me diga onde está o Jason? – Pediu Ellis, séria.
—Um ser humano comum precisa fazer pelo menos três refeições diárias... – Continuou explicando Vittorio sem se importar com as palavras de Ellis.
— Cadê o meu irmão, p***a! – Esbravejou Ellis batendo na mesa.
Todos os que estavam no restaurante voltaram sua atenção para a mesa de Vittorio que parou de preparar mais um pedaço de pão com couve-flor salpicada de pimenta e ficou encarando Ellis, bem sério.
A vontade da jovem era de se encolher e pedir desculpas diante do olhar intimidador de seu acompanhante. Ela sabia que havia extrapolado e que aquilo acarretaria algo contra seu irmão. Controle-se, Ellis, pediu para si em pensamento.
O homem voltou a preparar o pedaço de pão com tudo o que tinha na mesa, enquanto disse calmamente:
— Essa raiva acumulada sem dúvida é fome. – Ele estendeu o pão em direção a ela e ordenou: — Coma... Senão por você, o faça pelo seu irmão.
Ellis segurou o pão entre os dedos e em um único gesto o enfiou em sua boca. Mastigava o pão calmamente sendo observada com satisfação por Vittorio. Por algum motivo, a forma como ela mastigava a comida exalava uma estranha sensualidade para o mafioso. Talvez fosse o fato das covinhas na bochecha que apareciam discretamente conforme Ellis jogava o alimento de um lado para o outro, ou então pelo falso sorriso que surgia com os movimentos... De qualquer forma era algo que encantou Vittorio do começo ao fim e ele ansiava que ela continuasse. Assim que ela terminou, ele sorriu e disse:
—Muito bem, senhorita Barker.
— Por favor, agora me diga: cadê o meu irmão? – perguntou Ellis quase chorando.
— César... – Chamou Vittorio erguendo seu braço em direção a um dos comensais. — Traga o restante, por favor.
—Sim, senhor. – Respondeu o homem se afastando.
De lá vem o César servindo na mesa, uma travessa do tamanho de um pneu de carro com carpaccio de carne extra rico salpicado com cebolinha do tamanho de formigas. Logo em seguida, a vodca rigatoni apimentada e o nhoque fora do cardápio coberto com manteiga fresca. Também foram servidas a lagosta fra diavolo e a famosa vitela Parm, cortada à mesa.
Vittorio saboreou cada prato com vontade enquanto Ellis apenas comia um pouco de cada um apenas para agradar o homem a sua frente que insistia em sorrir para ela e apontar cada prato que ela devia comer.
Quando finalmente serviram os cafés, Ellis decidiu estabelecer novamente um diálogo com Vittorio, torcendo para que fosse o momento certo:
— Diga-me, onde está o meu irmão?
— Sabe o motivo pelo qual eu gosto de vir aqui? – Perguntou Vittorio ignorando Ellis mais uma vez.
— Não, eu não sei e não estou interessada em saber. – Rebateu Ellis colocando sua xícara na mesa com vontade de jogar o pouco de café que restou no rosto de Vittorio que parecia zombar dela.
— O ambiente desse lugar, a culinária italiana caseira daqui me faz sentir em casa. – Confessou Vittorio ignorando a má criação de Ellis. Ele apoiou seus cotovelos sobre a mesa, juntou suas mãos e apoiou seu queixo em seus polegares enquanto dizia: — Assim como muitos, eu sou ítalo-americano, meu pai foi criado em uma área residencial do Queens, onde os meus bisnonni, bisavós, que vieram da Itália quando adultos fixaram residência.
Alero Amorielle, meu bisnonno, mexia com os negócios da família, minha bisavó, Francesca, acordava, se vestia e, para se vestir, colocava um avental. Ela começava o dia com aquele avental, cozinhando, mas não fazia apenas isso. Ela lavava, passava, arrumava a casa e até assistia televisão com seu avental de cozinheira. Meu pai disse que uma vez questionou o fato dela sempre estar usando seu avental e ela se virou e disse: “Una volta capo, per sempre capo.”
— O que isso quer dizer? – Perguntou Ellis sem se importar.
—Uma vez chefe, sempre chefe. – Respondeu Vittorio. —Minha bisavó foi chefe de cozinha em um restaurante ao norte da Itália. Meu bisavô adaptou o lema de sua esposa dentro de seus negócios e ficou assim: Un débito non pagato sarà per sempre un debito... Uma dívida não paga, sempre será uma dívida. E alguém da família sempre terá de cobrá-la.
— Então, depois de dois anos, você decidiu cobrar a dívida do meu irmão, ou do contrário matá-lo, é isso? – Questionou Ellis, irritada.
— Um momento, senhorita Barker. – Pediu Vittorio que bateu acenou para César levemente com a cabeça.
Rapidamente todos, clientes, funcionários e até mesmo os seguranças de Vittorio saíram do recinto. Ellis observava a movimentação, assustada, nunca em todos aqueles anos foi capaz de presenciar o que um simples aceno de cabeça conseguia fazer, ainda mais quando se tratava de alguém tão poderoso. E aquele homem a sua frente que finalizava seu gole de café, ele era um homem poderoso. Vittorio sorriu para Ellis e então continuou:
— Agora sim, senhorita Barker, falaremos de negócios.