CAPÍTULO DOIS
Ceres olhou lá debaixo da arena, para o anel de feiticeiros meio mortos que a cercavam, e ela tentou esconder seu medo. Ela conseguiu invocar o desafio ao observar que eles se juntavam, agarrando os punhos de suas espadas gémeas, esperando por eles. Ela não deixaria que eles a vissem com medo lá em baixo.
“Tu nos poderias ter libertado”, disse o líder deles com uma voz como se fosse papel antigo.
“Vos ter libertado para que destruíssem coisas”, ripostou Ceres. “Nunca.”
“Então vamos levar teu sangue, e ser o que fomos durante um tempo pelo menos.”
Ceres ficou ali, à espera deles. Qual deles atacaria primeiro? Limitar-se-iam eles a disparar lá para baixo para a arena sua magia para a destruírem? Não, eles não conseguiam, ou conseguiam? Não quando eles precisavam de seu sangue. Naquele momento surgiu-lhe uma ideia. Uma forma de ela conseguir eventualmente sair daquela arena. Mas seria perigoso. Muito perigoso.
“Acham que estou com medo de vocês?”, exigiu Ceres saber. “Eu já lutei em arenas antes. Vamos lá, todos vocês.”
Isso não funcionaria a menos que todos se atirassem a ela. Mesmo assim, foi aterrorizante quando eles caíram num silêncio, aterrando na pedra dura da arena, aproximando-se dela apressadamente para a atacar.
Ceres golpeava e movia-se. Havia tão pouco espaço na arena para lutar que o perigo era que ela fosse cercada. Ela cortou uma mão que a agarrou, baixou-se sob o golpe das garras apontadas à sua garganta. Ela sentiu de lado o raspão de uma mão e pontapeou, derrubando um dos feiticeiros.
Não eram tão fortes quanto tinham sido. Ceres supunha que eles haviam usado mais poder do que eles queriam, ao lançarem magia atrás de si. Ela continuava a golpear, continuava a esquivar-se na arena enquanto esperava pelo momento em que alguns deles se alinhariam da maneira que ela queria.
Ceres viu-o e não hesitou. Ela podia não ter a força e a velocidade superiores que vinham de seu sangue, mas ainda era rápida e forte o suficiente para isso. Ela golpeou um que caiu de joelhos à sua frente, atirou as espadas para fora da arena e depois usou as costas do feiticeiro como um trampolim quando ainda se estava a recuperar. Saltou para cima dos ombros do inimigo seguinte e depois saltou com toda sua garra para o rebordo da arena. Se ela falhasse, teria acabado de deitar fora as únicas armas que tinha para se proteger.
Ela bateu contra a rocha da parede da arena. Suas mãos agarraram o rebordo enquanto lutava para se içar. Ceres sentiu algo a agarrar sua perna, e pontapeou por instinto, sentindo o ranger de ossos ao se conectar com o crânio de um feiticeiro. Aquele impulso era tudo o que precisava para t****r, e rapidamente, Ceres se ergueu sobre a borda do fosso onde havia caído.
Ela agarrou em suas lâminas e se levantou enquanto os feiticeiros gritavam sua raiva.
“Nós iremos atrás!”, prometeram.
Um rugiu de raiva naquele momento, atirando magia na direção dela. Ceres se esquivou para o lado, mas era como se esse fosse o sinal para os outros atacarem também. Chamas e relâmpagos a seguiam enquanto ela fugia da sala que continha a arena, e, ao seu redor, Ceres ouviu as paredes a ressoar. Pequenas rochas começaram a cair e, depois, maiores.
Ceres corria desesperadamente, enquanto as rochas caíam ao seu redor, ricocheteando quando atingiam o chão e rolando no caso das maiores. Ela atirou-se para a frente e levantou-se para descobrir que o túnel atrás de si estava agora bloqueado.
Será que isso pararia os antigos feiticeiros? Provavelmente não para sempre. Se eles não podiam morrer, então eles podiam eventualmente atravessar, mas isso não era o mesmo que conseguir perseguir Ceres agora. Por enquanto, pelo menos, ela estava em segurança.
Ela continuou através dos túneis, sem saber para onde, mas confiando no instinto do suave brilho da luz da caverna. Adiante, Ceres conseguiu vê-la a dar lugar a uma caverna mais ampla com estalactites a pender do teto. Havia também o som da água, e Ceres ficou surpreendida ao ver um amplo fluxo a passar ao meio.
Mais do que isso, havia um pequeno desembarcadouro com um barco de fundo plano amarrado a ele. Ceres supôs que o barco estivesse ali há mais anos do que ela queria pensar, mas de alguma forma ainda parecia forte. A jusante, Ceres conseguia ver uma luz que não estava presente no resto das cavernas, e, de alguma forma, percebeu que tal seria o que ela precisava para continuar.
Ela entrou no barco, soltando-o e deixando que a corrente o levasse. A água envolvia os lados da pequena embarcação, e Ceres sentia a expetativa a aumentar dentro de si à medida que seguia em frente. Noutra ocasião, ela poderia ter ficado preocupada com uma corrente como aquela, pensando que isso poderia levar a uma represa, ou pior, a uma cascata. Porém, naquele momento, parecia que a corrente era uma coisa deliberada, projetada para a levar ao seu objetivo.
O barco passou por um túnel bastante estreito de tal forma que Ceres conseguiria ter tocado nas paredes de cada lado. Havia luz à frente, brilhante depois da meia-luz das cavernas. O túnel deu lugar a um espaço que não era rocha, nem pedra. Em vez disso, num espaço onde deveria ter havido apenas outra caverna, Ceres deu por si a flutuar por um pedaço de paisagem idílica.
Ceres reconheceu o trabalho dos Anciães instantaneamente. Somente eles podiam ter feito algo assim. Talvez os feiticeiros tivessem encontrado o poder para uma ilusão, mas aquilo parecia verdadeiro; cheirava a ervas frescas e gotas de orvalho. O barco esbarrou contra a margem e Ceres viu um amplo prado à frente, cheio de flores selvagens cujo aroma era doce e delicado. Algumas pareciam se mover com ela enquanto passava, e Ceres sentiu o pincel de espinhos em sua perna, extraindo sangue numa forte picada de dor.
Os espinhos recuaram depois disso. Aparentemente, independentemente das defesas que ali estavam, elas não tinham sido feitas para a manter fora dali.
Ceres demorou um pouco a perceber que havia duas coisas estranhas sobre o lugar por onde ela estava a passar. Bem, mais estranho que um pedaço de campo no meio de um complexo de cavernas estava em primeiro lugar.
Uma coisa estranha era a forma como as visões do passado pareciam ter parado. Nas cavernas acima, elas haviam aparecido e desaparecido a cintilar, mostrando o ataque final dos Anciãos à casa dos feiticeiros. Aqui, o mundo não parecia estar encurralado a meio caminho entre dois pontos. Aqui, estava tão pacífico quanto parado, sem as mudanças constantes que o resto do lugar experimentava.
A segunda coisa estranha era a cúpula de luz que se erguia no coração de tudo, brilhando em tons de dourado contra a vegetação do resto. Era do tamanho de uma casa grande, ou da tenda de algum lorde nómada, mas parecia ser composta quase inteiramente de energia. Ao olhar para aquilo, ela pensou ao princípio que a cúpula poderia ter sido um escudo ou uma parede, mas, de certa forma, Ceres sabia que era mais do que isso. Era um lugar vivo, um lar.
Era também, ela adivinhou, o lugar onde o que quer que ela procurava poderia ser encontrado. Praticamente pela primeira vez desde que tinha colocado os pés na casa dos feiticeiros, Ceres ousou sentir um cintilar de esperança. Talvez aquele fosse o lugar onde ela iria recuperar seus poderes.
Afinal, talvez ela conseguisse ajudar a salvar Haylon.