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“Nós definimos o que somos pela nossa família. Do nascimento nós compartilhamos sobrenome, confiamos neles para proteger o que nós mais amamos e nos importamos. Nós damos valor a eles acima de todo o resto, e ainda inevitavelmente, somos forçados a isso. Promessas são feitas, em seguida, não são cumpridas. Crianças, em particular, viram as costas para aqueles que lhes levantaram, buscando suas próprias vidas. Os laços de família não são um vínculo forjado por escolha. Na verdade, alguns iriam ver a família como um fardo terrível.” — Dahlia, The Originals.
LOLA THOMPSON POINT OF VIEW
Eu precisei tomar um remédio para conseguir descansar e dormir naquele vôo. Acho que de todos na minha vida, e não foram poucos, aquele foi o pior. Faz quase um mês desde que chegamos à Nova York. Meu avô saiu do hospital há uma semana e o médico disse que a doença dele, o câncer se espalhou e não tem mais cura mesmo com todos os tratamentos mais caros do mundo, disse que está num nível muito avançado e não tem mais o que fazer a não ser esperar pelo dia em que seus olhos não se abrirão mais. Minha avó e meu pai optaram para levá-lo para casa, para que a passagem dele seja menos sofrida possível e para que possamos ficar mais tempo com ele. Vovô Thomas está lúcido, apenas bem mais magro do que o vi quase um ano atrás e com alguns aparelhos ligados a ele, mas continua o mesmo senhorzinho rabugento que vive me dando conselhos.
Não tive mais contato com ninguém do Brasil, e está sendo melhor assim. Valentina me entendeu quando eu disse que precisava de um tempo para pensar, mas ela vive me mandando mensagens. Dói ficar longe dela, mas falar com ela é lembrar tudo que aconteceu, por que Tina estava ao meu lado, e cara, eu não quero mais sofrer, me matando com lembranças, mas algumas noites em meus pesadelos eu vejo o homem que matei, e me torturo me perguntando se ele tinha família, alguém que dependia dele. É sufocante.
Meu pai dissimula bem ao lado da minha mãe, e desde que cheguei não consigo ser tão falsa como ele e fingir que está tudo bem entre nós dois por que não está! Mike também não está bem com Joseph, e depois me contou que pegou ele e Márcia transando na sala dele há um bom tempo. Mas não vou criar caso, criar discórdia. Estamos aqui pelo meu avô e precisamos ser fortes, e juntos somos mais ainda.
Depois de tudo isso eu me tornei uma pessoa mais fria, calculista, não sou mais aquela Lola bobinha, inocente para certas coisas, que acreditava no amor, na amizade, que acreditava na vida! Meus pais, minhas feridas internas, os sequestros, Rafael, tudo contribuiu para isso.
Todas as noites eu deito minha cabeça no travesseiro e apenas depois de tomar remédios eu consigo dormir tranquilamente, justamente por que minha mente não me deixa descansar. Todas as noites minha única vontade é de chorar, chorar até todo este ódio de ter se apaixonado pela pessoa errada ir embora, mas depois de todo esse tempo longe, descobri que quanto mais o tempo passa, mais ódio eu sinto, por que depois de toda aquela depressão, vem a saudade dele. Saudade do cheiro, do sorriso, das caretas, dos olhos me observando atentamente, do jeito e até mesmo das brigas bobas.
É noite, e hoje Mike e eu completamos vinte anos. Mas não terá nenhuma comemoração, não há o que comemorar. Meu avô, na cadeira de rodas sendo empurrado pela minha avó encosta-se ao meu lado no piano.
— Toca para mim? — ele diz quase como um sussurro. Meu coração se despedaça.
Lembro-me da última música que aprendi com ele, Andra Day, Rise Up, perfeita para o momento que passamos. Eu começo a tocar e lembranças boas ao lado do meu avô vêm na cabeça e eu tento ao máximo segurar as lágrimas enquanto canto com a voz embargada. Nós vamos nos reerguer, vovô, reerguer como o dia, reerguer sem medo, e eu farei isso mil vezes novamente por você.
O refrão sempre me mata.
— All we need, All we need is hope, And for thar we have each other, And for thar we have each other (Tudo o que precisamos, Tudo o que precisamos é de esperança, E para isso temos um ao outro, E para isso temos um ao outro) — eu sorri e as lágrimas vieram à tona enquanto vejo meus pais e Mike já a nossa frente no piano — We will rise, We will rise, We’ll rise, ohh ohh (Nós ascenderemos, Nós ascenderemos, Nós ascenderemos, ohh ohh) — canto e seguro a mão do meu avô, sinto que isso é uma despedida.
Não consigo mais continuar e apenas paro e o abraço. Meu Deus, por favor, não tira meu avô de mim.
— Eu quero ver meu pai! — uma voz masculina diz e tira nossa atenção.
Pai? Pelo que sei meus avós só tem um filho, Joseph Thompson. É um homem de terno, mesma altura que meu pai, na verdade é o clone dele.
— Você não faz parte desta família — ouço meu pai dizer o empurrando para longe dali.
RAFAEL SALVIATTI POINT OF VIEW
Todos têm um modo pelo qual querem ser vistos. Uma história de capa, uma mentira. Eles dizem o que querem que você acredite. Mas eu acho que ações falam mais alto que palavras, especialmente aquelas que tiramos da lealdade ou do nosso senso de dever. Ou do amor. Ou de alguma esperança por uma segunda chance.
Lola foi embora. Embora para nunca mais voltar como ela disse a Valentina no mesmo dia que chegou lá. Eu sei que a mandei embora, mas mandei por que eu me recusei a aceitar que eu já a amava, me recusei a aceitar estar apaixonado por ela. A mandei embora por achar ser melhor para ela se afastar de mim. Festas, mulheres, álcool, drogas, tudo é bem-vindo se me fizer esquecê-la nem que seja apenas por breves momentos. Mas não suporto a falta que Lola me faz, não aguento mais ficar sem ouvir a sua voz, sua risada, sentir o seu perfume, ver seu sorriso, mas tento esquecê-la todos os dias um pouco. Mantenho isso em segredo, mas Fernanda me conhece como a palma da própria mão e me disse para ir atrás dela, mandar um e-mail, mensagem, sinal de fumaça, alguma coisa, mas eu não consigo, sou egoísta e orgulhoso demais pra isso.
Eu cacei, encontrei Hernandes, o torturei e o matei. Senti-me bem fazendo isso, talvez por saber que ele nunca mais irá perturbar Lola novamente. Valentina e Lucas estão juntos, felizes e isso me dá inveja, outra coisa, Valentina está grávida e Lucas louco.
Já faz quase um mês. Hoje é aniversário de Mike e Lola e estou sentado na minha poltrona no escritório da boate enquanto tento lhe escrever um e-mail. Depois de muito tentar — muito mesmo — eu escrevo e digo tudo que sempre quis dizer, mas nunca tive coragem, inclusive que a amo e que tive medo de me entregar a esse sentimento estranho que eu apenas senti uma vez na vida longos anos atrás. Releio duas vezes antes de criar coragem e clicar em enviar. Logo começo a me arrepender. Pego a garrafa de uísque e viro goles e mais goles. Abro novamente a filmagem daquele cativeiro que Aline e Felipe receberam do Alisson. Ele quis fuder com tudo, por que sabia que Felipe tem os problemas psicológicos dele, que ele gosta de Lola, já Aline é louca apaixonada por mim e odeia Lola. Alisson sabia que os dois tentariam nos matar, mas até então nenhum dos dois tentou. Falando em Felipe, ele está sumido desde que ela se foi. A mãe dele, todos nós estamos desesperados o procurando, mas já cansamos, ele simplesmente sumiu sem deixar rastros.
Dou um play. Os gemidos altos de Lola ecoam em minha cabeça. Nós transando tão avidamente, tão intensamente, suas mãos percorrendo meu cabelo, minhas costas enquanto eu sobre ela a possuindo, a fazendo minha.
Passo a mão na cabeça e com a outra abaixo com força a tela do computador. Eu vou esquecer essa garota, eu preciso. Ela está fudendo muito comigo, estou me lascando sentindo uma coisa que não sei se é recíproco, não sei nem se devo ter esperanças de um dia ela voltar.
Meu celular começa a tocar sobre a mesa. Desvio os olhos a ele e vejo um número desconhecido, um número cumprido, diferente.
— Alô?
— Mas que p***a de e-mail é esse, garoto? — um homem diz rindo.
— Quem está falando? — digo ríspido.
— Joseph Thompson — diz firme, como se esse nome de merda fosse importante.
— Está fuçando as coisas de Lola? — dou risada.
— Não foi difícil ter acesso aos e-mails dela, e sabe de uma coisa que não foi difícil também? Graças aos meus amigos do FBI, descobri que você não passa de um bandido de merda, que mata pessoas a sangue frio, está por detrás de diversos roubos de transportadoras de valores, um dos traficantes mais procurados do estado de São Paulo.
— Vejo que fez a lição de casa, senhor Thompson — me encosto à poltrona dando uma gargalhada ao ouvir um pouco do meu currículo.
— Fique longe da minha filha ou eu entregarei tudo que sei sobre você para a polícia e me certificarei que passe o resto da vida atrás das grades.
— Eu amo sua filha, Joseph, nem que eu tenha que raptá-la eu a terei para mim.
Tudo que repeti inúmeras vezes para mim que precisava esquecê-la foram derrubadas após dizer isso, admiti e aceitei o fato de que amo aquela mulher como amei apenas uma na vida, Pietra Montenegro. Que Deus a tenha!
Ele solta uma gargalhada.
— Lola está com outro e bem feliz. Não parece que ela te ama tanto assim — ele continua rindo e meu sangue ferve.
O que? Não é verdade. Não pode ser verdade. Minha respiração pesa enquanto aperto o celular na mão. Engulo em seco suas palavras. Juro que se esse homem estivesse na minha frente eu o mataria, mas lentamente, um tiro seria muito fácil para ele.
— Não a procure mais. Lola não voltará ao Brasil. Se não quiser passar o resto da sua vida miserável atrás das grades, não a procure mais! — ele diz alto e desliga.
Urro de raiva sentindo meu sangue borbulhar nas minhas veias. Jogo o celular longe enquanto urro de ódio. Soco a mesa, bato a mão nas coisas, que caem no chão e algumas quebram. Passo as mãos no cabelo exasperado, já sentindo meu corpo tremer de pura fúria. Eu vou matá-lo, eu vou matar Joseph Thompson, ele não vai me fazer ficar longe de Lola, nem mesmo o d***o fará isso! Estou disposto a passar por cima de tudo e todos somente para tê-la para mim, nem que eu tenha que destruir a vida dela, ela vai ser minha, mesmo com todas as dúvidas que ainda me rondam.
Escreve o que estou dizendo, é uma promessa.
Scary Running — Corrida assustadora.
LOLA THOMPSON POINT OF VIEW
MANHATTHAN, NOVA IORQUE — 21H45
Meu pai saiu empurrando o homem para fora da sala do piano e ouvimos gritos vindo das duas partes. Meu avô abaixou a cabeça, eu segurei sua mão e minha avó foi atrás dos dois.
[...]
Vovó acalmou os ânimos, o homem pôde entrar na sala e ele falou com o vovô, que ficou bem feliz em ver o homem misterioso ali. O cara é a cópia do meu pai, e eu nunca soube da existência de um tio, nunca. Uma enfermeira e meu pai estão prontos para levarem meu avô para o quarto e depois que se despedem, o homem levanta-se. Olho para a porta e há outro homem de terno com as mãos frente ao corpo, um guarda-costas.
— Meus sobrinhos? — ele diz encantado caminhando em minha direção e de Mike.
Ele prossegue ao chegar mais próximo.
— Nunca fomos apresentados, me chamo Michael, irmão do pai de vocês — ele nos olha com um brilho no olhar azulado tão grande.
— Se afaste dos meus filhos! — meu pai entra pisando forte na sala e vem em nossa direção.
— Por que ninguém nunca nos contou que o senhor tem um irmão? — indago olhando meu pai.
— Já viu o nosso pai, agora vá embora — Joseph diz o olhando apontando para a porta.
O homem resmunga como um deboche ao meu pai sem nem se preocupar e fazer questão de toda raiva do outro Thompson a sua frente.
— Sempre tão chato — diz e passa por Joseph com as mãos nos bolsos — Voltarei em breve.
— Não volte nunca mais.
Ele passa pela minha mãe, lhe dá um beijo na bochecha e sai junto com o homem da porta.
[...]
Já é quase uma da manhã, mas eu e Mike não conseguimos dormir e estamos conversando sobre Michael e por que nunca soubemos da existência dele.
Minha mãe entra no quarto, vem até nós e senta-se na beira da cama.
— Vocês merecem saber a verdade — ela diz e nos estende a mão com um cartão preto nele.
Mike me olha, o pega e olhamos. Tem um telefone nele. Pego o celular e disco o número. Minha mãe sai do quarto após nos dar beijos de boa noite.
— Como se chama? — uma voz grossa diz. Coloco no viva-voz.
— Lola Thompson.
— Lola? — desta vez é Michael.
— Sim.
— Minha querida. Que bom que sua mãe entregou o cartão, implorei para o pai de vocês não ter visto — dá uma gargalhada.
— Por que nunca sabemos que nosso pai tinha um irmão?
— Mistérios da família Thompson. Gostaria de conhecê-los melhor, poderíamos sair essa semana.
Olho Mike e ele dá de ombros.
— Sim, pode ser, também queremos te conhecer.
— Não estarei na cidade pelos próximos três dias, mas quando retornar entrarei em contato com vocês.
— Tudo bem então.
— Preciso ir, até mais meus queridos.
E ele desliga. Olho para Mike sem entender e escondo o cartão quando vejo a porta do quarto se abrir e meu pai entrar. Ele não fala muita coisa, apenas nos dá um beijo e sai.
[...]
TRÊS DIAS DEPOIS
Estou fazendo uma leve caminhada pelo central park ao lado de Mike. Está um sol gostoso, mas um friozinho ainda. Muitas pessoas, turistas vieram para apreciar as atrações de natal, e com tudo isso acontecendo ao meu redor, nem reparei que já estamos no final do ano. Vejo um homem bem vestido de chapéu e óculos em um dos bancos lendo um jornal, ele abaixa e vejo que é Michael. Ele nos chama, olha em volta e nos sentamos ao lado dele.
— Vocês são tão bonitos pessoalmente — ele diz nos olhando sorrindo.
— O senhor vai nos dizer por que nunca sabemos da sua existência? — Mike pergunta.
— Sim, mas não aqui.
[...]
Estamos em uma mansão do c*****o, meu, é um palácio, tem muitos seguranças em volta e ficamos sem entender direito. Estamos na sala e Michael senta-se a nossa frente.
— Lola, eu sei o que andou fazendo nesses últimos tempos — o que ele está falando? — Sei que se envolveu com más companhias.
— Sim, mas como você sabe disso? — O olho sem entender.
— Eu sei de muitas coisas. Acompanhei todo o crescimento de vocês de longe, bem longe, mas nunca me deixaram conhecê-los. Eu sei que se envolveu com traficantes, Lola, então não acho que ficará tão assustada quando souber que seu titio aqui comanda o tráfico de drogas em Nova York, Califórnia, Nova Jersey — ele faz careta — Onde mais? — olha o homem próximo a nós.
— Massachussets, Oregon, Nevada — o homem responde.
— Uau — digo o olhando franzindo a testa.
— Já vendi armas para algumas facções lá de São Paulo, onde vocês moram, Rio de Janeiro também. Soube por um informante que você estava envolvida nessas coisas. Ele reconheceu o sobrenome e me disse. Disse também que foi seqüestrada, duas vezes.
— Duas vezes? — Mike me olha assustado. Eu não contei que fui seqüestrada junto com Rafael.
— É, a segunda foi com um cara não foi? — ele me olha franzindo a cabeça.
— Sim, você o conhece? — pergunto curiosa e sem entender.
— Conheci, mas não tivemos contato direto, ele me pediu um carregamento grande de armas, tive que dividir em dois, levou mais de dois meses para chegar lá. Pagou bem e rápido, o garoto é bom.
Reviro os olhos ao lembrar ele, coisa que não faço há semanas. Meu tio fala isso na maior tranquilidade para nós. E não pude deixar de perceber a coincidência.
— Por isso sou a velha n***a da família, fui deixado de lado muito antes de vocês nascerem.
— Pai! — ouço uma voz masculina em algum lugar da casa — Pai!
Quando aparece vejo, e uau.
— Não sabia que tínhamos visitas — ele esconde a pistola nas costas rapidamente — Quem é você? — diz franzindo o cenho me olhando chegando próximo.
— Lola Thompson — me levanto e lhe estendo a mão.
Me olha de cima a baixo descaradamente, e faz cara de desdém.
— Tom Thompson — aperta minha mão me olhando.
Cara, isso é muito estranho. Muito. Não estou acostumada a me apresentar e ouvir o mesmo sobrenome, outra, conhecer novos familiares. Ele fala com Mike também, dá um beijo em Michael e caminha em direção a porta. O acompanho com os olhos. Alto, branco, braços um pouco fortes, cabelo escuro liso e grande desgrenhado, e os olhos azuis.
— Estou indo pra Nova Jersey buscar meu carro, está pronto — diz animado — Vou correr próximo final de semana. Vou aproveitar e dar uma olhada nas coisas por lá.
— Cuidado moleque — Michael o alerta apontando o dedo com a feição séria.
E ele sai. Voltamos a conversar, tio Michael fala tudo, até nos assustamos com tamanho poder que ele tem nesse país. Depois de um tempo voltamos para o apartamento da vovó. Não aguento ver meu pai fingindo tanto com minha mãe, chega a me embrulhar o estômago em ver, já está chegando ao limite.
UMA SEMANA DEPOIS
É incrível como essa cidade vira um inferno da época de final de ano, principalmente no natal. Está quase impossível caminhar por algumas ruas daqui, mas é uma delícia ver todas as lojas bem decoradas, a cidade toda iluminada, é como um conto de fadas. Está bem frio ultimamente, mas nada de neve por enquanto.
É véspera de Natal, e resolvemos colocar nossas diferenças de lado e curtir provavelmente o último Natal do vovô Thomas. Como de costume americano, a casa está toda decorada, uma árvore com vários presentes debaixo dela e a mesa gigante com muitas comidas deliciosas. Meu tio Michael e seus dois filhos, Tom e Cloe também vieram, assim como alguns amigos do vovô. Ainda é meio estranho saber o que Michael faz.
A noite foi ótima, comemos, trocamos os presentes depois fomos pra a beira da lareira conversar e dar risada das histórias da vovó e do vovô. Eu não quero nem imaginar minha vida sem ele.