VITÓRIA
Fui o caminho todo de cabeça baixa e para garantir que ninguém me veria, coloquei as mãos no rosto também. Por mais que eu já esteja ciente de que agora estou com o rosto deformado não estou pronta pra uma vida normal como antes. A enfermeira eo médico disseram que isso passa, que vou ficar com algumas cicatrizes mas só, esse inchaço e o roxo vão sair logo.
Disso eu sei, mas e as cicatrizes? Tem um corte grande na lateral do meu rosto, e outro na testa perto do couro cabeludo. Sem contar na minha boca que até hoje não tenho condições de comer direito, e meus dentes estão fluxos a sensação é que vai cair um por um. Nunca mais vou ter uma vida normal, e o ódio e a mágoa simplesmente só cresce dentro de mim. Desejo ter o sangue macabro do meu pai correndo em minhas veias, o desejo de matar o Kaue eu tenho, mas e a coragem? Essa tá bem longe. Durante esses dias no hospital pensei em muitas formas de matar ele, mas era só minha imaginação trabalhando e eu já estava arrependida e apavorada. Ao invés de ser destemida e diabólica como Picasso, na verdade sou como minha mãe, apesar do m*l que nos fazem, nossa reação é deixar pra lá, esquecer e viver a vida. Tentar pelo menos
Rodrigo: Quer comer alguma coisa? - respondo apenas negando com a cabeça em quando já subiu pro quarto - Acho que ouvi teu estômago roncar uma três vezes criatura. Come alguma coisa
Não dei ouvidos e apenas continuei subindo devagar, a dor na lateral do corpo era como facadas. O lance de escadas não é muito grande, mas todo esse tempo deitada em uma cama e agora subir isso sendo que estou machucada e com duas costelas quebradas, mais uma grande fome ajudando na fraqueza, é pra matar. Quando dei por minha conta ja estava indo de encontro com o chão, não tive coordenação do meu corpo, apenas perdi quase que por completo os sentidos das pernas e fui pro chão.
Rodrigo: O menina, eu disse que você precisa de ajuda. - na mesma rapidez em que caio, braços fortes me erguem com extrema facilidade - Eu to aqui pra isso Vitória. Pra te ajuda. Onde é o quarto? - aponto pro quarto de hóspedes e ele me coloca na cama. A Partir de hoje eu fico aqui. - Fica aí que vou fazer alguma coisa pra você comer
Ele não espera minha tentativa de dizer não e sai do quarto. Eu preciso comer alguma coisa, tenho que sobreviver se quiser voltar pra casa algum dia então desisto de falar alguma coisa, só me aconchego na cama deixando as lágrimas rolarem. Tenho que aproveitar enquanto ainda posso chorar, porque depois que aquele retardado chegar nem isso mais tenho a liberdade de fazer. Não queria que esse menino estivesse aqui comigo, porque ele? O vapor do meu pai, o moreno alto, forte, lindo e maravilhoso que me viu apanhar e ser humilhada na rua. Porque? Ai que vida, será que tudo precisa conspirar contra mim? Sei que errei, e muito por sinal, mas aprendi e tudo o que quero é ficar forte pra ir embora, quero sair dessa favela com a cabeça erguida e o Kaue morto!
Rodrigo: Prontinho linda - aff! Linda? Menos né. - Olha pra mim, senta pra tomar a sopa que fiz. - o cheiro tá ótimo e meu estômago ronca mais uma vez - Vitória! como você é teimosa. Puxou ao teu pai só pode!
Ele bufa e logo ouço a porta ser fechada. Ai sim posso sentar e devorar todo o prato de sopa. Duvido que tenha sido ele quem fez, nem aqui nem na China. Tava maravilhosa, comi tudo e queria mais. Ainda não me saciou mas se eu chamar ele vai me olhar, e não quero que ele me veja assim toda deformada.
Olho pra aquele prato e meu estômago avisa que precisa de mais. Tento ignorar e deixo ele de lado na cama voltando a me deitar. Mas claro ficando inquieta pela fome que ainda permanece em mim.
Rodrigo: Olha, comeu tudo. Cozinho pra c*****o né novinha - apesar de mais uma vez estar com a cara metida nos travesseiros pelo tom da voz posso saber que ele sorri - Quer mais? - penso e decido concordar. Eu preciso demais mesmo - Já volto
Com o segundo prato foi do mesmo jeito, ele largou na cama e depois saiu, pra só assim eu me sentar e comer. Foi de lamber os beiços, nossa que divino. Me sinto cheia e muito bem saciada, se for assim a cada refeição, vou virar uma baleia.
Passei a tarde na cama dormindo. É tão bom deitar em algo confortável, minhas costas doem muito menos assim. Com a noite chegando decidi levantar um pouco, ficar de pé e dar uma olhada pela janela que seja, já que não tenho condições de descer as escadas e ser vista assim. Crianças ainda brincavam na rua, umas voltavam da escola, moradores iam e vinham. Apesar do que pensam povo de favela é feliz, aqui sempre tem um pra te ajudar, as portas sempre estão abertas a quem precisa. Ta que rola uma fofoca, umas brigas de vizinhos ou as piranhas querendo cantar de fiéis, mas na hora da dor, é só gritar que aparece mil. Já os que se dizem felizes, vivem trancados dentro de suas casas, no máximo é um bom dia ou boa noite que dizem um ao outro. E na hora que precisa, tu se encontra só. É preciso viver trancado e com medo, já nós não, nós somos livres e felizes.
A noite foi caindo e meu pensamento foi no banho, preciso de ajuda pra tirar a blusa. Mas como vou pedir ajuda pra ele? Um homem que nunca vi na vida não pode me ver de sutiã não, e essa minha cara horrorosa?
As horas foram passando e eu tentando me livrar da blusa. Como vou fazer isso? Não posso matar o banho porque estou menstruada, eca! Não tem como mesmo. Não sei o que fiz, mas o estalo na minha costela e a imensa dor me avisaram que deu r**m. Burra!! Mil vezes burra!!
Deitei na cama me contorcendo de dor, era tão absurda, o fôlego parecia estar trancado sem poder sair. Meu peito pesava uma tonelada o minhas costelas pareciam ter se despedaçado.
Rodrigo: Tá bem? - não sei porque ele ta aqui e nem o que ele fez, apenas deixei que me movesse ficando de lado na cama, ele esfregava a mão nas minhas costas me fazendo massagem, sei lá - O que fez? Por não pediu ajuda? - sabe a história de eu não queria que ele me visse de sutiã? Então, eu estou de sutiã!
Vitória: Obrigada - no início aquilo parecia não adiantar, mas logo a dor foi diminuindo e quando me dei conta, além de estar de sutiã ainda olhava pra ele, que me olhava firme nos olhos - Sai daqui! - levantei meio sem jeito e quase correndo fui pro banheiro no corredor já que esse quarto não tem.
Sem pegar roupa ou toalha liguei o chuveiro não me dando conta que em algum momento teria que sair do banho. E quando esse momento chegou minha única solução era gritar pro Rodrigo e pedir que ele alcançasse a toalha.
Vitória: Obrigada Rodrigo - coloquei o rosto atrás da porta e estendi a mão pra pegar a toalha
Rodrigo: Então olha pra mim - o'que? Ele é louco ou se faz? - Vamos garota, olha pra mim ou então vai ficar ai o resto da noite
Vitória: Cala a boca i*****l. Me dá logo isso - bati o pé e falei firme, e só consegui arrancar uma risada debochada dele, ridículo! - Vai rir da tua mãe. Filho de uma égua!
Rodrigo: Fala direito comigo garota! - ele diz ainda rindo - Olha pra mim meu, porque se esconder? Só porque aquele babaca fez isso com você? Ele é um covarde menina, e você não tem que se envergonhar, mas ele sim.
Vitória: Me dá essa toalha!! - berro e ele larga a p***a da toalha na minha mão. Quem é ele pra falar alguma coisa. É só mais um ridículo que aposto que faz o mesmo com a mulher dele. O triste da história é que agora parece que dependo dele pra tudo nessa merda!