Prólogo
FELIPE
Pela grande janela da minha sala eu observava o movimento do lado de fora.
O constante vai e vem das pessoas andando sempre apressadas, como se a vida não pudesse esperar...
E ela realmente não esperava.
A vida era uma coisa tão cretina que ela não te preparava antes de tirar o seu chão. Ou até mesmo para aquele baque que iria te destruir.
Se ela fosse uma pessoa, eu poderia jurar que a imaginava sentada, rindo e tomando chá – com o d***o, talvez? – enquanto tudo ruía ao nosso redor.
As minhas paredes começaram a rachar há cerca de sete anos. Com uma briga que abalara e muito a minha relação com o meu pai.
E o motivo? Uma mulher... Tudo por causa de Safira Marques. Agora atual senhora Baseggio que andava para cima e para baixo ostentando o sobrenome – e o dinheiro – que meu pai lhe dera.
Eu tentei abrir os olhos do grande Olavo Baseggio, mas foi como conversar com uma porta. Não, pior. Porque até uma porta poderia entender algo que passava embaixo dos seus olhos.
Ele não só duvidara das minhas palavras, como ficou ao lado da sua noiva na época. Além de ter de ouvir do meu próprio pai – a única pessoa da minha família que restara – que eu era um filho ingrato e que estava de implicância porque ele tinha seguida em frente com a vida – olha ela aí de novo – e eu deveria me conformar com a morte da minha mãe.
Eu entendia e apoiava que meu pai encontrasse um novo amor. Se tinha uma coisa que eu nunca duvidei foi do quanto ele amou a minha mãe.
Era aquele amor que dava gosto de ver presente nos pequenos detalhes. Nos olhares que trocavam, nas mãos que se entrelaçavam como se fosse a coisa mais comum do mundo.
O acidente que pôs fim aquela união destruiu a todos nós, mas metade do meu pai morreu junto. Ainda mais que ele se culpava por não ter ido busca-la naquela fatídica noite chuvosa. Como chegara a dizer tantas vezes que preferia ter sido ele no lugar dela.
Eu nunca o culpava. Mesmo se ele estivesse no mesmo veículo, era algo que não teria como prever ou evitar. Ainda mais como descobrir que um motorista bêbado ia passar no sinal vermelho e colidir bem do lado dela.
Eu tinha apenas dez anos quanto isso tudo aconteceu. Em um instante minha mãe estava falando que logo voltaria, dando-me um beijo carinhoso e dizendo que me amava. Dias depois, eu via a terra cobrir o seu caixão.
Meu pai e eu sempre tivemos uma boa relação. Ele se tornou ainda mais presente depois de perdermos a luz daquela casa.
Isso foi até o dia em que a Safira cruzou o nosso caminho.
O ápice da discussão fora na empresa onde meu pai era o CEO que fundou tudo, e eu trabalhava como diretor. E com toda a sua autoridade de chefe, me demitiu da empresa da qual eu iria herdar.
Eu tinha vinte e três anos na época, poderia ter sido mais maduro da minha parte ter ficado ou até mesmo tentado uma reaproximação com meu pai, mas eu estava chateado e cansado ao mesmo tempo.
Com isso, a decisão de ir embora do país foi a melhor tomada no momento.
Vim para Nova York, arranjei emprego num escritório e fui subindo pelos meus próprios méritos.
O cargo de CEO da grande BG Comunicações nunca me interessou tanto assim. Eu era um homem de metas, mas não tão ambicioso.
E me mudar de país não trouxe arrependimentos. Foi aqui que conheci a Jussara, outra brasileira que trabalhava no escritório. Nos demos bem logo de cara e dois anos depois estávamos casados e felizes.
Só que essa felicidade não durou muito tempo...
Porque a vida aconteceu – novamente essa palavra que vinha se intrometer no que já estava perfeito. Ela e a doença vieram para levar a minha esposa de mim.
Jussara tinha partido há mais de dois anos. Eu me senti um inútil por não poder ajudá-la mais do que foi possível.
Agora eu era um homem de trinta anos que tinha o coração cheio de trincas e cicatrizes, e sabia que elas estariam ali para sempre.
Um toque alto me trouxe de volta ao presente, fazendo com que eu me afastasse da janela e fosse atender o telefone que tocava em cima da minha mesa.
— Senhor Baseggio, tem uma ligação para o senhor do Brasil. Falaram que é importante. — Mary, a minha secretária falou do outro lado da linha com seu inglês perfeito.
Pedi que transferisse para o meu ramal e os segundos que antecederam trouxeram pensamentos vieram à minha mente.
Quem estaria me ligando?
Uma preocupação se fez presente e aumentou ainda mais quando uma voz masculina soou do outro lado.
Uma voz que estava triste e hesitante e que me fez entender que a vida – novamente – estava pregando uma das suas peças cruéis.
E com as palavras ecoando depois que a ligação foi encerrada, entendi que estava na hora de voltar a encarar o meu passado.