Renata
Apesar dos melhores esforços de Don Henrico tentando banir os abutres, como era de se esperar, ficamos expostos à imprensa, que havia se deleitado com o frenesi provocado pelas revelações, que o filho de Salvatore Bertizzollo fora morto de forma tão brutal. Metralhado em frente à porta de uma boate onde teria uma reunião de negócios.
Escondendo meus sentimentos atrás de uma parede de silêncio, com um lenço n***o escondendo meus cabelos, óculos escuros, toda de preto, cercada por seguranças – “soldados” – eu recusei quaisquer entrevistas, evitando os jornalistas quando eles me abordaram ao sair do carro. Passei por eles, de forma até altiva, e entrei na mansão de Don Henrico onde estava o corpo de meu marido. Um calafrio me percorreu ao me aproximar da sala, onde estava o caixão. Meus lábios tremeram, minhas pernas fraquejaram. Todos os filhos estavam lá ao lado do pai. Na verdade, a família inteira estava lá ao redor. As mulheres chorando, crianças brincando mais à frente. Mas eu não conseguia olhar para eles. Só para o corpo imóvel do meu marido. Não sabia que me abalaria tanto em vê-lo. Achei até que ganharia o rótulo de viúva de gelo. Mas lembranças de um amor que existiu entre nós, surgiram em minha mente, como cenas de um filme antigo. Eu não vi mais nada. Caí no chão desacordada.
Abri meus olhos, desorientada. Lembranças dispararam em minha mente como clarões. A dor da realidade começou a dilacerar meu peito, quase sufocando-me. Senti um gosto amargo na boca. O quarto estava frio por causa do ar condicionado ligado. Fitei o relógio. Duas horas da tarde. Meu Deus, fiquei desacorda já fazia uma hora, desde a minha chegada a mansão. Passei a mão nos braços sentindo aquele frio gélido na pele. Olhei em volta e vi que estava no mesmo quarto onde estive uma semana antes com Lorenzo.
E agora? Meu marido estava morto.
O que essa família faria comigo? Como seria minha vida daqui por diante?
Flashes de eu e Lorenzo rindo na casa, antes de nos casarmos me veio na memória:
— Essa mansão tem uma passagem secreta. Tem um quarto do pânico também. Quer ver? — Lorenzo disse, me abraçando.
— Verdade? — sorri para ele. — Para quê?
Ele deu de ombros.
— Meu pai fez por segurança. Ela dá nos fundos da casa. Passamos pela casa sem ser vistos, pela parede interna. E através dessa passagem acessamos o quarto do pânico também.
— Puxa, que interessante. Me mostra?
Ele me olhou por um tempo e depois sorriu:
— Vem, eu te mostro.
Era isso! Eu precisava ir embora, antes que fosse tarde demais. Dinheiro não me faltava. Não podia ficar refém dessa família! Todos estavam concentrados no enterro de Lorenzo, eu precisava me agarrar a essa oportunidade e fugir. Lembrei-me de uma passagem bíblica “Deixe que os mortos enterrem seus mortos.”
Saí do quarto sem ser vista e fui em direção à passagem secreta. O acesso ficava dentro da biblioteca que, graças a Deus, estava vazia. Girei a parede falsa e entrei por ela. Caminhei pelo corredor apertado, passei pelo quarto do pânico que ficava do lado direito e logo alcancei uma pequena passagem dentro de um jardim, passei por ele e esperei o segurança que fazia sua ronda se afastar. Puxei a tranca, destravei o grande portão de ferro e saí da mansão.
Senti um alívio esmagador quando peguei a rua pouco movimentada. Nenhum jornalista. O inferno todo desabaria, mas eu não estaria lá para ver. Com o dinheiro que eu tinha levado, peguei um taxi e fui para casa.
Em dez minutos eu estava em minha casa. Fiz uma pequena mala e peguei muitos dólares que estavam guardados no cofre, que ficava dentro do nosso closet.
Vincent
Desde que cheguei, meu pai me ignorou. Meus irmãos, ao contrário, vieram me abraçar. Lucas foi o que mais sentiu a morte de Lorenzo, ele chegou a chorar comigo. Terminei o meu cigarro e o apaguei no cinzeiro. Juntei-me às pessoas em frente ao caixão. Atrás de nós, meus primos, tios, tias, seguranças e soldados prestavam sua última homenagem a Lorenzo.
E a esposa dele? Ainda permanecia desacordada?
Enlacei o meu braço em torno dos ombros de minha mãe, que me abraçou forte e fungou na minha camisa, os olhos enevoados pelas lágrimas.
— Cosi giovane il ragazzino morì.[1]
Assenti para ela sentindo aquela dor da culpa em meu peito. Nessa hora meu pai me olhou, seus olhos eram severos. Ele não me perdoaria tão fácil. Desviei meus olhos dele e baixei a cabeça.
— Senhora Bertizzollo, Renata sumiu. Eu a procurei por toda casa — disse a empregada que surgira repentinamente, pálida. Mamãe devia ter dado a incumbência de ela olhá-la.
— Eu não estou com cabeça para isso — me disse mamãe.
Vitor saiu do lado de sua linda esposa e de seu filho de dois anos dizendo:
— Vou procurá-la! — Com um sinal, chamou dois soldados — Procurem Renata pela casa. Vamos!
Mais tarde, aquele alvoroço que eu conhecia bem. Renata tinha sumido, com certeza havia usado a passagem secreta, pois o portão grosso de ferro dos fundos da mansão estava destravado. Como loucos, os soldados Enzo e Enrico saíram à caça dela. Eu observava tudo isso com um riso contido. Não estava impressionado com a reação deles. Isso tudo me fazia lembrar o porquê eu deixara tudo para trás.
Renata fora inteligente a ponto de fingir um desmaio?
Eu não podia admitir em voz alta, mas ela fora esperta por ter deixado essa família. Cautelosamente olhei meu pai. Nossos olhos se encontraram. Os dele estavam acompanhados de uma ameaça delicada. Novamente, desviei meus olhos dos dele.
Eu não entendia muitas vezes meu pai. Eu havia tornado próspero nosso cassino. Tinha adquirido conhecimento, contatos e experiência. Era claro que me saíra bem com os negócios. Eu não era apenas um homem de talento, mas, a meu modo, um gênio na arte de fazer dinheiro.
Eles lidavam com guerrilhas, "maus elementos" ambiciosos procuravam arrancar para si um pedaço do império do narcotráfico. Facções em guerra. Ele achava que eu tinha o perfil para assumir a família, afastando os inimigos, mas eu detestava esse trabalho sujo. Sempre preferi ficar com os negócios lícitos da família.
Minha mãe foi para perto do caixão. Antony, quarenta anos, nosso primo por parte de mãe, advogado e consigliere da família aproveitou para se aproximar de mim.
— Seu pai esperou ansiosamente por sua volta para casa, mas não dessa forma. O sonho dele sempre foi tê-lo conosco.
Eu não respondi a ele de imediato, só depois de um tempo eu disse:
— Eu sei que ele me culpa. É meu irmão morto, Antony. É meu irmão nesse caixão! Eu já me culpo o suficiente por todos.
— Deixe-me assegurar-lhe uma coisa — Antony pegou meu braço. — Seu pai te ama. Esse é um mau momento. Deixe a poeira baixar.
— Se Lorenzo estivesse administrando o cassino como meu pai queria, nada disso teria acontecido.
— Não pense assim. Lorenzo morreu em virtude de alguma falha nossa que iremos descobrir. Mas uma coisa é certa, seu pai vai querer você aqui conosco. Ninguém vai dizer que por sua culpa Lorenzo foi morto. Toque a vida para a frente e fique ao lado de Don Salvatore. Ele irá gostar disso.
Eu não disse nada e de repente me lembrei da esposa de meu irmão:
— E Renata? Alguma notícia?
Antony torceu os lábios.
— Nada. Com essa atitude, precisamos cogitar que ela pode ter sido responsável pela morte de Lorenzo! Alguém disse onde ele estava para os Sebastians. Quem? Ela? — Antony questionou.
Eu fiquei tenso, e apertei os lábios:
— Dio Mio! Será?
— Sim, vamos investigar direitinho isso tudo. Se for ela, pagará com a vida. Ela poderá infringir também a omertà.[2] Você sabe como era seu irmão, ele não escondia nada dela. Ela sabe muito.
Minha mãe se aproximou de nós e encerramos a conversa.
[1] Tão jovem morreu o meu menino. (Em italiano no original. N.E.)
[2] Omertà: lei do silêncio. (Em italiano no original. N.E.)