A falta de dinheiro te faz abrir a mente para coisas que nunca sequer cogitou um dia....
A falta de dinheiro te faz abrir a mente para coisas que nunca sequer cogitou um dia....
Amanda Lawrence Jones
O simples fato de pensar em me casar com um estranho e morar com ele me arrepia.
―Não sei se farei isso. Parece algo de outro mundo para mim.
―Algo de outro mundo? Isso é mais comum do que você pode imaginar. É um casamento de conveniência. Simples assim ―Samantha comenta.
―Dividir o mesmo teto...não sei não.
―Amanda, meu irmão conhece bem o rapaz. Ele é uma boa pessoa.
Ela diz isso pois Vitor trabalha com Karan em um restaurante especializado em comida árabe. Vitor é chefe de cozinha e Karan garçom, mas ainda assim tenho minhas dúvidas.
―Conhece bem mesmo?
―Sim. Pode apostar que sim. E mais! Karan trabalha pra caramba. Ele é garçom. Você quase não o verá. Quando trabalhar, ele estará em casa. Quando ele estiver em casa, você estará trabalhando.
Eu ajeito minha máscara no rosto. Ai como odeio isso! Não vejo a hora que chegue à vacina e com ela a imunização contra esse vírus. Quero que esse pesadelo acabe.
Como eu não digo nada ela continua:
―Pense como um negócio. Você o ajudará com o visto e ele lhe dará o dinheiro que precisa. Ou prefere ficar de braços cruzados chorando; reclamando com Deus e o mundo que está endividada?
―Tem certeza de que ele tem o dinheiro que preciso? Pelo que eu saiba, esses refugiados saem de seu país com a roupa do corpo.
―Eu fiz a mesma pergunta para Vitor e ele me disse que Karan era um rico comerciante, trouxe em sua bagagem todas as suas economias. Inclusive joias de família. Ele me garantiu que Karan tem o dinheiro que precisa. Inclusive querida, ele vive muito bem. Alugou um belo apartamento todo mobiliado. Bem melhor que o seu.
Eu pisco com essa nova informação.
Solto o ar.
―Deve ter uma alternativa.
Ela contrai os lábios brilhantes reprovando minhas palavras.
―Os juros não estacionam. Se levar muito tempo para encontrá-la, sua dívida multiplicará e aí querida, terá deixado passar essa oportunidade, pois com certeza o rapaz encontrará alguém para se casar.
As palavras de Samantha me atingem com força.
A doença da minha mãe consumiu todas as minhas economias e com o passar do tempo eu me endividei. Mas o pior de tudo foi sua morte. O câncer a levou. Meus esforços foram em vão.
As lágrimas embaçam meus olhos.
―E então? ―Samantha me questiona duramente, ignorando minha fragilidade.
―Está bem. Eu irei a esse encontro, mas por enquanto é só para conhecê-lo melhor ―olho meu relógio ― bem, agora preciso trabalhar. Não posso me atrasar. A gerente está no meu pé direto.
―Está certo. Prefere que esse encontro seja na minha casa ou em um ambiente descontraído?
―Num ambiente descontraído.
―Tem certeza? Na minha casa não é melhor?
―Por que acha isso?
―Porque assim eu posso conhecê-lo e dar minha opinião a respeito dele.
―Tudo bem. Você me convenceu ―digo e olho meu relógio novamente―Deus! Estou em cima da hora. Ainda bem que marcamos aqui.
Estamos no South Coast Plaza, no shopping que trabalho como vendedora numa grife de roupas femininas.
―Até a noite ―Samantha me diz.
―Oito horas?
―Exatamente.
―Ok.
Karan
Nos últimos 10 anos, a guerra forçou o deslocamento de milhões de pessoas que se refugiaram em outro país. Comigo não foi diferente; tomei essa decisão quando perdi a fé no meu país. Isso ocorreu quando os conflitos avançaram e chegaram à minha cidade de nome Ithriyah, onde as experiências traumáticas começaram.
Primeiro, a guerra levou meus pais quando uma bomba caiu próxima a um mercado onde eles estavam. Meses depois, foi meu irmão, que estava no lugar errado e na hora errada e levou um tiro de fuzil.
Os meses se passaram comigo tentando me reerguer e me recuperar do luto, mas a agonia não parou por aí. Samira, minha noiva, morreu também vítima de um bombardeio em sua casa.
Estou refugiado em Londres, saindo do meu país em busca de melhores condições de vida. Estou tentando me recuperar do sofrimento causado por tantas perdas.
Antes de tudo acontecer, eu era um próspero comerciante. Vivia como um rei, muito diferente da vida que levo aqui hoje, onde às vezes me sinto um mendigo. Pessoas que buscam asilo não podem trabalhar e nem receber benefícios do Reino Unido enquanto não têm o pedido de asilo aprovado. Se estiverem desamparadas e não tiverem outros meios de se sustentar, eles podem solicitar um apoio que hoje está em torno de £5,66 por dia.
Allah! Como se sobrevive com este valor? As instituições de caridade descreveram o sistema de asilo como "desumano" e "moralmente repreensível".
Graças a Allah, consegui um trabalho como garçom, mas o dono do restaurante já me deu um ultimato para resolver minha vida e sair da ilegalidade, ou ele irá me mandar embora.
Eu poderia até me dar o luxo de perder esse emprego e viver das minhas economias, mas até quando? E mesmo porque, eu não quero estar na mão dessa gente esperando minha legalidade, por isso entrei nessa ideia de me casar por conveniência. Isso é muito comum por aqui.
Hoje à noite vou conversar com a garota; a irmã de Vitor ficou de marcar o encontro. Por esse motivo, mudei meu horário e estou cobrindo o horário do almoço. Segundo Vitor, Amanda é a pessoa ideal para esse tipo de compromisso, pois ela está bem endividada e eu tenho o dinheiro e ela a disposição para entrar nisso. Solto o ar. Não concordo em nada com o casamento de conveniência. Minha mente é muito retrógrada para levar uma união que considero séria dessa forma. Só que foi a única alternativa que encontrei para dar um rumo certo à minha vida, ainda que meu coração relute e se aperte por causa da minha doce Samira.
Nesta hora, a imagem dela invade meu cérebro com força e sua doce voz chega aos meus ouvidos em forma de lembranças, estas que ainda preservo comigo...
―Se um dia eu morrer, promete que seguirá em frente, que fará de tudo para refazer sua vida ― ela me diz, seus olhos castanhos muito sérios nos meus. Eu respiro fundo. Não gosto muito de falar sobre morte. Há muitas no meu currículo. Fico calado, ouvindo sua respiração contra meu rosto, pensando em outra coisa, como em me casar logo para poder ficar mais do que nos beijos ardentes que trocamos.
―Karan.
Pisco.
―Não quero falar sobre isso.
―Mas eu quero. Promete-me que seguirá em frente se eu morrer. Solto o ar cheio de angústia. Perdi todos da minha família. Allah não irá me tirar Samira.
―E então? Fungo.
―Só se me prometer a mesma coisa. Seu narizinho se empina.
―Eu prometo. Se você morrer, vou sofrer muito, mas vou seguir em frente. Pronto. Agora falta você. Lembre-se que está diante de Allah. Ela sabe que sou de cumprir minhas palavras, ela vale por um escrito assinado, documentado.
―Eu seguirei em frente. Farei de tudo para seguir em frente. Seu rostinho de anjo assente para mim. Sem me conter, eu a puxo para meus braços, nossas bocas se unem num longo beijo. Minhas mãos ardem para tocá-la, mas profundamente, mas eu me controlo....
―Karan. Você pode atender à mesa três?
Limpo minhas lágrimas sem graça.
―Nem bialtaakid.
―O quê?
―Eu disse, sim, claro. ―Digo com meu sotaque carregado.
―Então vai, parece que está no mundo da lua. Mundo da lua. É cada expressão que ouço aqui! Ajeito minha máscara e pego o bloco de anotações.