[Gwyn]
Depois que Heather foi dormir, fiquei na praia até ficar totalmente escuro. Tomei cuidado ao atravessar a rodovia. Quanto mais tarde era à noite, menos veículos havia. Isso facilitou muito chegar o mais longe possível da costa sem ser visto ou machucado.
Fiquei impressionado com a força dela. Ela confiava plenamente em mim e me ouvia. Quando eu salvei a terceira criança, ela parou de protestar fracamente.
Eles precisavam de nós. Filhotes humanos eram mais frágeis do que filhotes de lobo. Eu não suportava ver uma criança machucada ou chateada e sabia que Heather estava lutando com seus próprios instintos de proteção toda vez que me dizia para não ir.
Ela era realmente uma boa pessoa. A dedicação dela em servir sua matilha era incrível. Heather teria sido a melhor fêmea Gamma e a melhor parceira. Eu também seria. Michael era um idiоta se achava que Wendy seria o que ele precisava.
Enquanto Heather descansava, eu segui nosso caminho errante. Segui para o sul quando fazia frio e para o norte quando fazia calor. Quando comecei a sentir ela mais próxima da superfície, eu ficava cansado. Nesse ponto, eu voltava para a nossa praia. Embora, ocasionalmente, a visitasse em outros momentos do ano.
Quando ela estava próxima da superfície, significava que estávamos perto do nosso aniversário. Passava cada aniversário na nossa praia tentando acordar Heather. Era a única maneira que eu conseguia pensar.
Ela perdeu tanto esperança e luz quando descobriu sobre Michael e Wendy. Eu sabia que doía, mas doía muito mais do que apenas ser rejeitada. Ele tirou o pouco de confiança que ela tinha em si mesma e destruiu.
Nos últimos anos, sempre que eu tentava acordá-la, ela murmurava que não tinha sentido. Ela não tinha nada ou razão para existir. Ela dizia que eu tinha mais propósito do que ela.
Nós precisávamos de uma nova parceira. Eu sabia que isso a acordaria. Ela precisava de algo para dar sentido à sua vida. Eu precisava descobrir como fazer isso.
Heather precisava de uma matilha e alguém para cuidar.
Alguém precisava depender dela. Heather foi feita para cuidar dos outros.
Isso era evidente no fato de eu ter nascido como uma loba branca e grande. Lobos árticos raramente nascem em alcateias ao sul de um certo ponto. Costumamos nascer em alcateias no extremo norte, onde os lobos árticos naturais vivem. O fato de eu ser maior que quase todos os outros lobos, deve significar que fui feita para cuidar de mais do que apenas uma família.
Eu sabia que não era uma Alfa, mas talvez fosse algo novo. Enquanto isso, continuei minha jornada. Às vezes, eu sentia o cheiro de algo incrível quando estava atravessando o território do grande coletivo. Mas isso nunca levava a lugar nenhum, ou, se levava, era para o território de uma alcateia e eu me afastava. Logo, tirei uma grande parte desse território das minhas viagens.
Enquanto eu vagava, tentando descobrir como encontrar um propósito para Heather, eu encontrava crias humanas perdidas. Às vezes, eu até tentava ajudar adultos humanos, mas eles gritavam e corriam mais do que suas crias. As crias apenas paravam e começavam a chorar ou ficavam congeladas ou se enrolavam em uma bola. Isso me dava a chance de mostrar a elas que eu não iria machucá-las.
Ajudar crias humanas me fazia sentir melhor. Talvez eu não pudesse ajudar Heather, mas eu podia ajudar alguém. Elas sempre eram tão doces. Me deixava triste não ter minhas próprias crias para cuidar.
A solidão aumentava ao longo dos anos de vagar. Às vezes, eu vagava perto de cidades humanas. Procurava alcateias de lobos naturais para me juntar por um tempo. Às vezes, eu era tentada quando lobisomens renegados me viam e tentavam falar comigo.
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Foi na primavera após nosso aniversário, vários anos depois, que finalmente cedi a esse desejo. Eu queria ver o que eles tinham a me dizer. Eles nunca pareciam violentos.
Encontrei uma cabana na floresta que cheirava a território marcado. Alguns renegados marcavam seu território para manter outros predadores afastados. Isso eu lembrava das aulas de renegados de Heather. Todo o conhecimento dela já era meu assim que me manifestei.
Cuidadosamente, segui em direção à linha de árvores que cercava a cabana e me sentei ali. Eu não faria nada para fazer eles pensarem que eu estava ameaçando-os. Levou apenas alguns minutos antes que a porta se abrisse.
Um homem alto de cabelos escuros saiu. Ele foi seguido por uma mulher mais baixa e loira. Ambos tinham corpos ágeis e se moviam como se estivessem deslizando. Meu hábito de fugir nos últimos anos fazia meu estômago se retorcer. Eu me mexi, fazendo-os parar.
"Olá, lobo branco. Eu sou o Vaughn, esta é minha companheira, Sunny. Nós temos comida. Você gostaria de comer algo?" O homem disse gentilmente.
Sua companheira me mostrou uma tigela com carne. Não parecia que havia algo na carne. Seria bom ter comida que eu não precisasse caçar. Eu adorava caçar, mas às vezes queria a facilidade que outros lobisomens tinham em encontrar comida.
Eu assenti e me deitei. Eles se aproximaram. Ele pegou a tigela de sua companheira e a colocou perto de mim, a alguns metros de distância, e recuou.
Me mantendo agachado, me aproximei da tigela. Se ele não me considerasse uma ameaça para sua companheira, ele não atacaria. Eu sabia que meu tamanho grande muitas vezes fazia com que os machos fossem mais protetores de suas fêmeas. Com cuidado, comi um pouco da carne.
"Nós somos membros do Coletivo Coração Devorado. Você é bastante famoso, até mesmo entre os humanos. Você sabia disso?" Sunny disse.
Com um resmungo, me concentrei na comida. Eu não me importava se era famoso. Ninguém da minha antiga alcateia jamais veio atrás de mim, então imaginei que eles não sabiam que era eu. Será que nossos pais realmente guardaram o segredo da minha forma de lobo do Alpha? Era o mínimo que eles poderiam fazer.
O Coração Devorado era um coletivo em Oregon. Diziam que a Rainha era mortal quando Heather ainda estava em sua alcateia. Eu podia imaginar que ela se tornara ainda mais temível. Tudo o que foi relatado na aula foi que ela era uma das lobisomens adultas mais baixas do país, que ela começou seu coletivo antes de se tornar uma loba, e que ela comia os corações de seus inimigos.
"Chamam-te de Lobo Fantasma. Todas as crianças pequenas às quais ajudaste continuaram a contar a história de um enorme lobo branco que cuidava delas e as conduzia em segurança. A Rainha Bellamy está impressionada. Ela disse a todos no coletivo para cuidarem de ti, se te encontrassem. És um m****o honorário do nosso coletivo", continuou ela.
Olhei para ela. Um m****o honorário de um coletivo? Isso significava que eu estava seguro no território do coletivo. Era um alívio, porque o território parecia crescer a cada ano. Era difícil permanecer fora da fronteira sem me dirigir mais para leste do que eu queria.
Sunny sorriu para mim e inclinou-se para a frente, estendendo a mão. Aproximei-me cuidadosamente e cheirei antes de colocar minha pata nela. Minha pata era muito maior do que a mão dela. Sunny pulou e lançou os braços em volta do meu pescoço.
Seu companheiro levantou-se imediatamente, caso eu atacasse. Não fiquei ofendido. Eu era um ex-lobisomem errante estranho. Vaughn só estava se certificando de que podia proteger sua companheira. Eu não me mexi, apenas deixei-a me abraçar. Do meu tamanho, ela era como uma criança com um cachorro grande.
"Você poderia se transformar e entrar? Você pode tomar um banho. Temos roupas extras. Nosso sofá se transforma em uma cama", ofereceu Sunny enquanto se afastava.
Levantei-me e voltei-me para a floresta. Se isso fosse tudo o que eles tinham a me dizer, então eu não precisava ficar por perto. Heather não acordaria para um banho quente e uma cama confortável. Não havia nada lá para mim.
"Vamos dizer à Rainha Bellamy que conseguimos falar com você. Volte algum dia e daremos mais comida!", chamou Sunny.
Pareciam pessoas legais. Era bom saber que eu estava seguro. Isso significava que poderíamos relaxar ao redor de outros lobisomens errantes no território e eu não teria que me preocupar em ser caçado pelo coletivo por tomar seus recursos.
Talvez Heather acordasse no nosso próximo aniversário se eu dissesse a ela que éramos membros honorários do coletivo. Poderíamos nos juntar a eles e encontrar um emprego. Isso lhe daria um propósito.
Fiquei feliz por ter tomado a decisão de ir ouvir os malandros. Talvez eu passe antes de seguir para o norte. Por enquanto, eu estava apenas vagando pela floresta. Não era uma caminhada constante. Eu ficaria aqui até esquentar, depois iria para o norte. A maior parte da minha vida foi gasta como qualquer outro lobo, caçando, brincando, investigando, rolando em coisas.
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Quando voltei para o sul, depois que os incêndios se acalmaram, notei que a fronteira do coletivo estava bem mais ao norte do que antes. A Rainha Bellamy estava expandindo seu território aos saltos. Eu adicionaria isso ao meu relatório para a Heather no nosso aniversário.
Fiquei triste ao ver que uma das minhas áreas favoritas da floresta foi devastada pelos incêndios este ano. Eu teria que mudar minha rota para a minha área de caça de meados do outono. Não havia nada a fazer. Não conseguia mudar o caminho do fogo assim como não pude quando estava queimando.
Achar um jeito seguro de atravessar o rio Columbia sem ter que nadar era difícil. Ir muito para o leste era perigoso. Eu não poderia voltar para o leste de Washington. Fiquei feliz quando encontrei um caminho e só precisei esperar até o meio da noite para atravessar uma ponte feita pelo homem.
As florestas eram familiares. Eu me lembrava delas desde quando começamos a vagar por conta própria. Fomos muito cautelosos com os grupos e com o coletivo, mantendo-nos o mais longe possível deles.
Agora, era impossível ficar longe do coletivo. Ainda tomaria cuidado para dar ao grupos uma ampla margem. Não havia como saber como eles reagiriam a mim, mas tinha quase certeza de que não receberia uma recepção tão calorosa quanto a que tive dos malandros na primavera.
Muita coisa mudou ao longo dos anos. As trilhas dos animais eram diferentes. Havia realmente uma qualidade mais pacífica no ar. Talvez fosse minha imaginação.
Eu estava bastante solitário se pensava que algo como a terra e o ar eram amigáveis. Teria que me juntar a outro grupo natural de lobos para o inverno. Isso ajudaria.
A floresta se tornou densa ao meu redor.O cheiro de pinheiro era intenso, havia algumas árvores que não eram algum tipo de árvore com agulhas. Nenhum cheiro de folhas. Isso não era correto, havia um leve cheiro de folhas.
Havia árvores frondosas em algum lugar. Eu queria vê-las. Estava começando a ficar perto do pôr-do-sol. Eu queria dormir perto dos cheiros que Heather amava. Talvez isso a fizesse querer acordar. Eu podia sentir ela desaparecendo dentro de mim.
Ela não deveria ficar dentro de mim assim. Até nós, espíritos lobos, saíamos frequentemente. Ninguém mantinha sua outra metade guardada por anos. Às vezes, eu esquecia como era ser humano. Eu quase podia imaginar que eu sempre fui um lobo.
Se Heather desvanecesse, não demoraria muito antes de eu perder a minha humanidade. Nós não podíamos existir assim por muito mais tempo. Talvez mais alguns anos, então ela ficaria fraca demais para se transformar e ficaria presa dentro de mim até desaparecer completamente e morrer. Então, minha vida voltaria a ser a de um lobo natural e eu teria apenas oito ou nove anos antes de morrer.
Eu perderia a habilidade de curar como um lobisomem. Nós precisávamos de nós dois para a magia funcionar. Eu não queria isso. Eu queria ter uma vida como lobisomem, não como um lobo natural.
Alguns hábitos selvagens surgiram ao longo dos anos. Eu agia mais como um lobo natural do que como um lobisomem. Se alguém não soubesse pelo meu cheiro, eles pensariam que eu era apenas um lobo natural de tamanho grande. Quando não estava com humanos, eu era quase inteiramente lobo.
Parando, olhei ao redor. Havia as árvores frondosas. Nem mesmo tinha percebido como tinha chegado lá. Isso estava acontecendo com mais frequência. Eu apenas parava de pensar nas coisas com mais do que meus sentidos e instintos.
Deitei em um monte de folhas debaixo de uma árvore e coloquei a cabeça sobre as minhas patas. Eu não queria morrer. Heather precisava acordar ou nós dois morreríamos e não tinha nada que eu pudesse fazer.
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Meus ouvidos ficaram alertas à medida que a floresta ao meu redor ficava completamente silenciosa. Respirei suavemente. Havia o som novamente. Um fraco grito de criança.Eu pulei nas minhas patas e comecei a seguir o grito.
Aquele não era um grito de brincadeira e não era o som que uma criança faz quando tropeça. Era o som do medo. Algo poderia estar atacando a criança. Eu precisava encontrá-lo antes que fosse tarde demais. Eu precisava salvar aquele filhote.