Capítulo 04

1217 Words
Coringa narrando A cadeia tem um relógio próprio. Mas não é um relógio de ponteiro ou digital. Aqui dentro, o tempo passa do jeito que a gente quer, ou do jeito que a gente consegue aguentar. O dia começa e termina do mesmo jeito. Sempre igual. Sempre a mesma rotina. O barulho da grade arrastando no chão já nem me incomoda mais. O confere acontece todo dia, na mesma hora, com os mesmos guardas cheios de marra. Eu já nem levanto mais da cama. Só viro pro lado e escuto os nomes sendo chamados. Sei que quando chegam na minha cela, ninguém se atreve a me chamar de qualquer jeito. “Coringa, confere.” E pronto. Eu continuo deitado, só levanto o braço e o o****o do guarda segue o protocolo dele. Aqui dentro, eu sou rei. Tenho mais moral que muito policial de farda. Celular no presídio é coisa rara, mas não pra mim. Meu telefone nunca desliga, nunca sai do ar. Eu me comunico com quem eu quiser, na hora que eu quiser. Mas também não sou o****o. Celular não pode dar mole. Já perdi tanto aparelho nesse baque de cela, já vi tanto polícia entrar e levar o bagulho só pra depois querer me vender de volta por cinco mil… Aí é f**a. Hoje em dia, o esquema já tá montado. O buraco na parede da cela é meu banco, meu cofre. Ali eu escondo o celular quando precisa. E quando bate o baque, é só dar um migué, ficar de boa, esperar a poeira baixar e voltar a usar como se nada tivesse acontecido. Quem tem visão, sobrevive. Aqui dentro, os dias são iguais, mas as regras são minhas. Se eu quero visita, eu tenho. Se eu quero uma mulher, eu arrumo. Se eu quiser me isolar, ninguém tem coragem de vir encher o saco. O tempo só passa mais devagar porque a saudade pesa. Saudade do morro, do cheiro da rua, da sensação de estar no comando. Mas eu sei que isso tem prazo. Logo mais, tô de volta. E quando esse dia chegar, muita coisa vai mudar. E falando em visita, hoje mesmo a assistente social veio me chamar. Mais uma desculpa pra eu ir até a sala dela. Essa mulher já tá nessa há anos, desde que comecei a ganhar mais moral aqui dentro. No começo, fingia que era só trabalho, que tinha que discutir minha “reabilitação”, minha “condição psicológica” dentro do sistema. Mas logo a conversa virou outra. A real é que ela gosta do perigo. Gosta do jogo. Fingia que tinha que ter um motivo pra me chamar, mas a gente já sabia onde ia terminar. A porta da sala trancada, ela sentada na mesa, as pernas se abrindo devagar. No começo, até tentava resistir, falava que era errado, que tava arriscando demais. Mas quando eu puxava ela pela cintura, gemendo baixinho no meu ouvido, eu via que ela queria tanto quanto eu. No final, nem tinha mais papo, era só pra f***r, eu gozava gostoso no pelo e metia o pé. Já perdi a conta de quantas vezes isso aconteceu. Ela sempre volta, sempre arruma uma desculpa nova pra me ver. E eu? Eu aproveito. Só que eu não sou burro. Sei que um dia ela pode querer virar o jogo, sair de boa e me ferrar. Mas até lá, ela me dá o que eu quero. E eu dou o que ela pede. Hoje o dia já começou com novidade. Parece que agora eu tenho que ir pra consulta psicológica. É mole essa p***a? 15 anos nesse buraco, e agora os cara acham que uma mulher de jaleco vai decidir se eu saio ou se eu fico aqui? Tá até marolando uma p***a dessa. Eu rio sozinho, balançando a cabeça. — É isso viado — meu parceiro da cama ao lado solta uma risada debochada — Teu destino tá na mão de uma calcinha. Eu dou risada junto. Os cara querem pagar de que tem um sistema justo, mas na real tudo tem um preço. Sempre teve. Mas se o jogo agora é esse, eu jogo. Quero ver até onde essa doutorzinha acha que pode chegar. Levanto e vou pro banheiro da cela. Tá na minha vez do banho. Mas eu não encosto em balde nenhum. — Enche meu balde aí, moleque — mando, e um dos novato já se adianta sem questionar. Aqui dentro, sempre tem uns moleque que fazem tudo o que eu quero. O balde cheio, pego e entro no banheiro. Tiro a camisa, depois a bermuda, cueca. Jogo a água devagar pelo corpo, esfrego a cabeça, fecho os olhos. A água fria bate e eu respiro fundo. Passo a mão na cara, na nuca, no peito. Faço a barba, deixo tudo alinhado. Aqui a gente não tem roupa de marca não, mas a postura segue. Sempre. Bermuda jeans, camisa branca, havaiana branca. Passo perfume, coloco meu relógio e é isso. Pouco tempo depois, ouço a grade abrir e um desíp me chamar. — Gustavo. Eu nem olho. — É Coringa. Ele solta um suspiro. — Bora, a psicóloga tá te esperando. Acha que vai te salvar. Dou um riso curto. — Nem vocês tão botando fé, imagina eu. Junto as mãos, entrego pro policial algemar e saio andando, tranquilo. O caminho eu já conheço, mas hoje o destino é outro. Sala da psicóloga. Vamos ver qual é dessa mulher. Enquanto caminho pelo corredor, olho o pátio. Os presos fazendo as mesmas coisas de sempre, uns jogando bola, outros treinando, alguns só matando o tempo. Passo reto, nem me importo. Hoje, a atenção tá em outro lugar. Chego na porta. A policial que tá me escoltando bate antes de abrir. Eu dou um passo pra dentro e vejo ela. A psicóloga tá sentada na cadeira, parada, durinha, me encarando. Olho ela de cima a baixo, curioso. Sem dizer nada, só vou até a cadeira e me jogo nela, relaxado. O policial fica ali do meu lado, estático. — Você tem que sair, né? — ela diz, olhando pro policial. — Não, não posso deixar a senhora aqui sozinha com ele — o policial responde. Eu dou uma risada baixa, debochado. — Não, mas a minha consulta é com ele. Você não vai ficar aqui — ela insiste, firme. O policial levanta a sobrancelha, desconfiado. — Você quer ficar sozinha com ele? — ele pergunta. Ela me olha e eu mantenho minha expressão debochada, olhando pra ela como se estivesse gostando do que ouvia. — Ele tá algemado! Então, pode ir, por favor. Pode ficar na porta — ela afirma, confiante. — A senhora tem noção do que ele pode fazer com a senhora aqui mesmo algemado? — Nada. Eu respondi na hora, olhando o policial. — Pode sair, por gentileza. E fecha a porta. Eu abro um sorrisão, me divertindo com aquilo. Ih, já gostei dela já, hein. O policial hesita, mas acaba saindo e fechando a porta. Eu olho pra ela e solto: — Primeira vez que fico sem um policial no meu cangote aqui dentro, hein. Já gostei dessa consulta. - vamos começar então, Gustavo ?- ela me olha firme e eu só consigo rir Ela acha mesmo que vai conseguir ler a minha mente ?
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD