Capítulo 06

1715 Words
Coringa narrando Eu gosto de um desafio, e ela também, eu queria ver até onde ela ia conseguir manter aquela pose de doutora seria Aquela carinha de novinha dela, me dizia que ela seria mais uma a cair na minha lábia em breve… Aquele jeito de santinha, mas com o nariz empinado, resposta na ponta da língua, são as melhores… - vejo que sabe muito sobre a minha vida já né, mas quem te confirmou algo ? Pra você está falando que eu comando o morro do ppg ? Se eu tô preso a tantos anos ?- eu desafio ela e fico cada vez mais a vontade na cadeira e ela solta uma risada fraca e cruza as pernas me encarando - não é você que tem o controle por aqui ?- ela me desafia ainda mais e eu sinto o clima esquentar, mas ela me olhava com deboche e logo retoma a postura O silêncio entre nós ficou mais pesado do que deveria. Eu estudei a doutora por mais alguns segundos, tentando entender qual era a dela. Ela não se parecia com as outras. Não era só uma psicóloga metida a querer salvar bandido. Ela falava com propriedade. Com convicção. E, o que mais me incomodava, ela sabia demais. Me ajeitei na cadeira, esticando os braços algemados na mesa, como se estivesse confortável. — Você tem umas perguntas bem específicas, hein, doutora. — inclinei a cabeça de leve, estreitando os olhos. — Parece até que já viu de perto esse tipo de coisa. Ela soltou uma risada curta, sem humor. — Eu faço meu trabalho. Leio, estudo, observo. Isso é o suficiente. Cruzei os braços, sem tirar os olhos dela. — É mesmo? E o que você observou sobre mim? Ela inclinou o corpo ligeiramente para frente, entrelaçando os dedos sobre a mesa. — Você gosta de controle. Gosta de saber que ninguém pode te tocar, mesmo algemado. Gosta da ideia de que comanda o jogo, mesmo preso há quinze anos. Eu dei um sorriso curto. — Nada disso é novidade, doutora. Ela manteve a postura firme. — Mas sabe o que eu mais percebi? Você odeia ser questionado. Minha expressão se fechou um pouco. — Ah, é? Ela se inclinou um pouco mais. — Sim. E mais do que isso… Você odeia quando alguém sabe algo que você não contou. Senti meu sangue esquentar de leve. A doutora tava jogando um jogo perigoso, e sabia disso. Mas o que me incomodava não era o desafio. Era a sensação de que ela tava acertando. Cruzei os braços e relaxei contra a cadeira, mas meu olhar ficou mais afiado. — Fala bonito, doutora. Mas se acha que tá me lendo assim tão fácil, tá se enganando. Ela deu um pequeno sorriso. — Não disse que é fácil. Mas eu leio você. Fiquei em silêncio por um momento, só observando. Ela não tremia, não desviava o olhar. Tava muito segura. E isso me incomodava. Abaixei um pouco o queixo, mantendo meus olhos nela. — Você fez sua lição de casa. Mas ainda não respondeu minha pergunta. Como você sabe tanto? Ela respirou fundo, ajeitou os óculos e deu de ombros. — Eu sei porque é o meu trabalho saber. — Ou porque já viu isso de perto. Ela continuou me encarando, impassível. — Você quer saber sobre mim, Gustavo? Mas essa sessão não é sobre mim. Estreitei os olhos. — Tá fugindo da resposta? — Eu não tenho que te responder, aqui sou eu quem faço as perguntas e você responde - ela me encara e eu via o seu olhar de quem sabia que estava ganhando e que estava conseguindo chegar onde queria, e isso me deixava muito irritado Puta que pariu. Essa mulher tinha sangue frio. O incômodo cresceu dentro de mim, e pela primeira vez, senti que tava pisando num campo que não era só meu. Essa doutora… Tinha alguma coisa nela. Algo diferente. Algo que me irritava. E eu não gostava de não entender o jogo. Ela cruzou as pernas devagar, mantendo aquele olhar firme, e soltou a pergunta que me fez perder a paciência de vez: — O que te motiva a sair daqui, de verdade, Gustavo? Minha mandíbula travou. Meu sangue ferveu de leve. Ela continuou, impassível, como se não tivesse acabado de me cutucar onde não devia: — O comando do Morro do PPG volta diretamente para as suas mãos. Ou… o seu filho, que ainda é uma criança e você não teve como acompanhar o crescimento dele. Senti algo se revirar no meu peito. Uma mistura de raiva e irritação. Ela sabia. Sabia demais. E pior do que saber… Ela jogava com isso. Mas foi quando ela soltou o nome dele que meu sangue realmente esquentou: — será que é o Guilherme que te motiva, a busca pelo cheiro do ouro e do dinheiro nas suas mãos e tudo o que o morro traz com ele ? A risada veio antes que eu percebesse. Uma risada baixa, arrastada, que saiu quase num rosnado. Inclinei o corpo para frente, meu olhar fixo no dela. Ela me estudava como se me desmontasse peça por peça, esperando minha reação. Mas eu não ia dar isso pra ela. — Você fala como se entendesse a p***a do jogo, doutora. Como se conhecesse a vida que eu levo. Como se soubesse o que significa cada uma dessas coisas pra mim, como se ler um papel, ou estudar sobre favela, te desse a vivência de uma, você nunca deve ter pisado na p***a de uma favela, doutora - eu falo com raiva sentindo o meu sangue ferver, mas não deixei isso transparecer pra ela Ela manteve a postura ereta, sem desviar. — E eu estou errada? Eu ri de novo, balançando a cabeça devagar. — Interessante… muito interessante. — passei a língua pelos dentes, estreitando os olhos. — Agora me diz, já que você me lê tão bem… Você iria até um bairro do meu morro? O silêncio dela durou um segundo a mais do que deveria. Foi só um segundo, mas eu notei. Notei o pequeno movimento que ela fez com a mão, ajeitando a manga da camisa. O jeito como a respiração dela não mudou, mas os olhos ficaram ligeiramente mais calculistas. Ela não era burra. Mas também não era invencível. Ela respirou fundo e, como se nada tivesse acontecido, rebateu: — Eu estou aqui para conversar com você, Gustavo. Não pra discutir onde eu iria ou deixaria de ir. Eu sorri, largo, debochado. — Tá fugindo da resposta? Ela inclinou a cabeça de leve. — Não. Só não preciso te dar nenhuma. Minha risada ecoou baixa pela sala. Essa mulher era interessante. Mas estava pisando num campo perigoso. E eu queria muito saber até onde ela ia aguentar antes de dar um vacilo, uma respirada errada, um deslize, seria o suficiente pra mim O ar na sala mudou no instante em que aquelas palavras saíram da boca dela. — Você tem medo de falar sobre o seu filho, Gustavo? Ou você tem medo de voltar a pisar no morro e as lembranças dos seus pais te consumirem? Porque eu vejo medo nos seus olhos. Meu sangue ferveu. A ira subiu no meu peito de uma vez, uma labareda quente que eu senti queimando minha respiração. Me levantei num impulso e bati na porta com força. — ABRE ESSA p***a! — berrei, sentindo a adrenalina pulsando no meu pescoço. — ME LEVA DE VOLTA PRA MINHA CELA! ABRE ESSA MERDA! Os guardas lá fora demoraram um segundo a mais pra reagir. Talvez porque nunca me viram assim numa dessas consultas. Mas antes que a porta se abrisse, eu ouvi a voz dela. Calma. Suave. Como se nada tivesse acontecido. — Ainda não terminamos a sessão, Gustavo. O som do salto dela ecoou pela sala, e minha raiva explodiu ainda mais. Virei com tudo, os olhos fixos nela, e antes que eu percebesse, minha mão já tava no pescoço dela. Empurrei ela contra a parede, a raiva quente nas minhas veias, meu coração martelando no peito. Mesmo algemado, eu segurava ela com firmeza, meu outro punho fechado, quase encostando no rosto dela. — Escuta aqui, doutora… — minha voz saiu baixa, carregada de fúria. — Você não me conhece. Você não sabe p***a nenhuma sobre mim. Você lê esses papéis e acha que entende alguma coisa? Pra mim, essa merda toda não significa nada. Ela não reagiu. Não gritou, não se debateu. Apenas me olhava com aqueles olhos frios, tranquilos. Como se não tivesse um homem com ódio correndo no sangue segurando o pescoço dela. — Não fala do meu filho. — apertei um pouco mais a mão, vendo a respiração dela acelerar, mas sem medo. — Não fala dos meus pais. Minha mandíbula travou e o ódio tomou conta do meu peito. — Porque se eu depender de você pra sair daqui, eu fico aqui o resto da vida. Eu não me importo. O barulho da cela se abrindo me trouxe de volta. - é melhor você se afastar, ou você pode se complicar com os guardas, Gustavo - ouvir meu nome saindo da sua boca me fazia ainda mais raiva Afastei minha mão do pescoço dela com um impulso forte e saí de perto, o peito subindo e descendo com a respiração pesada. Mas a desgraçada… Ela ainda sorria. Como se nada daquilo tivesse sido suficiente pra abalar ela. Como se tivesse vencido essa p***a dessa sessão. Isso me fez querer destruir tudo. Os guardas vieram pra cima, prontos pra me segurar e me levar de volta pra minha cela, sem ter nem noção do que havia acabado de acontecer ali. Mas antes que encostassem um dedo em mim, eu dei um berro que ecoou pela sala: — NÃO ENCOSTA A MÃO EM MIM! Eles hesitaram. - até a próxima sessão, Gustavo!- ouço a voz dela baixa e tranquila, sem uma alteração e aquilo me faz ficar ainda mais puto Eu saí dali, os músculos rígidos, o sangue fervendo. Minha mente tava milhão. Aquela desgraçada achava que podia me ler? Que podia falar de mim como se me conhecesse? Pois agora eu ia descobrir tudo sobre ela. Cada p***a de detalhe. E vamos ver qual vai ser o jogo dela agora.
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