Capítulo 2
AYLA NARRANDO
Minha mãe sempre dizia que carregar um sobrenome forte era tanto um privilégio quanto um fardo. Bem, eu e a Maya sabemos exatamente como isso funciona. No morro, o nome "Aurora e Marcelo" ou "Rainha e Marcelo" abre portas, protege, mas também nos joga no centro das atenções. Não tem como passar despercebida quando todo mundo te olha esperando que você seja perfeita. Só que perfeição nunca foi o meu forte.
Era nosso aniversário de 18 anos, e o morro estava em festa. Meu pai fez questão de organizar tudo. Bailão gigante, gente de todas as comunidades, música que fazia as paredes do morro vibrar. Luzes coloridas piscavam no ritmo da batida, e o cheiro de churrasco misturado com perfume barato das vadiäs estava em todo canto. Não era só uma comemoração, era um evento. Algo que, claro, tinha "Aurora e Marcelo" escrito por toda parte.
Do lado de fora, dava pra ouvir meu pai andando de um lado pro outro, checando tudo. Ele era assim, controlava cada detalhe, principalmente quando envolvia a gente. A superproteção e o ciúmes dele não era segredo pra ninguém.
Marcelo — Se alguém encostar na Ayla ou na Maya, eu mesmo acabo com a festa. — Eu ouvi ele resmungar para a minha mãe, que apenas riu.
Aurora — Marcelo, relaxa. As meninas cresceram. Não dá pra trancar elas numa redoma pra sempre. — Minha respondeu, mas meu pai não parecia muito convencido.
Marcelo - Isso serve pra você também, se eu ver neguinhö te olhando o negócio vai ficar feio diabä, tu já tá ciente, então não me provoca.
Aurora - Menos Marcelo! Menos!
Marcelo - Menos meu päu, já tô putö de você tá com a porrä desse vestido, e tô tendo que aguentar calado, então já falo logo, se orienta que vai ser poucas ideias.
Aurora - Você não vai estragar a festa das meninas por uma besteirä dessa, esse seu ciúmes bobo nunca acaba né? Porrä!
Marcelo - Claro que não, pode passar mil anos e eu sempre vou ser esse bobo apaixonado por você diabä do caralhö e quanto as meninas é proteção, vagabundö nenhum vai causar com as minhas meninas não.
Aurora - Tá Marcelo, agora vamos entrar, precisamos participar da festa também, nossa família toda já chegou.
Aqui dentro, eu já estava no terceiro copo de gin. A festa estava fervendo, e eu fazia questão de ser o centro das atenções. Meu vestido vermelho colado não deixava dúvidas de que hoje era meu dia.
Maya? Bom, ela estava na dela, mais quieta, aquele ar de quem só observa. O vestido dela, azul clarinho, era a cara dela: discreto, elegante. Mas eu conheço minha irmã. Por trás daquele sorriso comportado, ela escondia muito mais.
Maya — Ayla, tu não cansa? — Maya me cutucou, enquanto eu virava mais um gole.
Ayla — Relaxa, irmã. A vida é curta. — Sorri de lado, pronta pra puxar ela pra pista de dança, mas Maya desviou. Sempre a certinha.
Foi aí que eu o vi. Heitor. Ele estava encostado na parede, com os olhos fixos na festa. Ele parecia calmo, mas dava pra sentir que estava atento a tudo. Quando nossos olhares se cruzaram, ele virou o rosto. Só que, dessa vez, eu não ia deixar ele escapar.
Enquanto eu planejava como me aproximar, ouvi uma voz firme atrás de mim.
Marcelo — Ayla, não exagera. Já tô sabendo que tá bebendo demais porrä!
Era meu pai. Ele tinha aquele olhar que fazia qualquer um tremer, mas não eu. Não depois de 18 anos lidando com o jeito mandão dele.
Ayla — Exagerar? Eu? — Sorri, fingindo inocência.
Marcelo — Você sabe do que estou falando. Fica na linha hoje, ou vai se arrepender.
Ayla — Ai, pai... É meu aniversário. Dá um desconto. Você sabe que eu te amo né? — Pisquei pra ele, sabendo exatamente como desarmá-lo.
Meu pai bufou, visivelmente irritado, mas não insistiu. Ele sabia que, com o tempo, eu sempre acabava dobrando ele. Era assim desde pequena.
Enquanto meu pai saía para checar alguma coisa do lado de fora, voltei minha atenção para Heitor. Ele ainda estava lá, e eu sabia que, se quisesse algo, teria que ser rápida.
Maya — Vai lá, sua louca. — Maya sussurrou no meu ouvido, percebendo minha intenção. — Você sabe que ele nunca vai te dar mole, né?
Ayla — Nunca diga nunca. — Respondi, ajeitando o vestido antes de começar a atravessar o salão.
No caminho, vi algo que me chamou a atenção. Maya estava olhando fixamente para alguém. Segui o olhar dela e percebi que era o Caxeta, um dos vapores do morro. Ele estava no meio da pista, dançando com aquela marra que só ele tinha.
Ayla — Maya... Não acredito. Caxeta? — Arqueei a sobrancelha, provocando.
Maya — Talvez eu goste de viver perigosamente... às vezes. — Ela respondeu, dando um gole em sua bebida.
Eu ri. Minha irmã, sempre tão certinha, finalmente estava mostrando que também tinha suas facetas.
De volta ao meu alvo, cheguei perto de Heitor, cruzando os braços enquanto o encarava.
Ayla — Tá se divertindo? Priminho... — Perguntei, fingindo desinteresse.
Heitor — Ayla... — Ele começou, mas parou, balançando a cabeça. — Não sei o que você tá pensando, mas é melhor parar por aí.
Ayla — Pensando? Não tô pensando nada. Só vim conversar.
Heitor — Conversar? Comigo? — Ele riu de lado, mas havia algo na expressão dele que me desafiava.
Era isso. Era exatamente isso que me atraía nele. Heitor não era como os outros caras. Ele não caía nos meus joguinhos, e isso só me fazia querer ele ainda mais.
Heitor — Só vou te avisar uma vez, Ayla. Não brinca com fogo. — Ele disse, se afastando.
Fogo? Ele não fazia ideia de quem estava provocando.
A festa continuava, e eu sabia que aquilo era só o começo. Não éramos mais crianças, e o morro tinha suas próprias regras. Agora, estávamos no centro do tabuleiro. Maya com seu jeito calculado, e eu com meu caos.
Porque, no morro, as coisas não acontecem. Elas explodem. E nós? Nós estávamos prestes a detonar tudo.