Malia Miller
Entrando por aquelas portas, finalmente pude sentir-me em casa mais uma vez, pois embora - há cinco anos - tenha tido sensação semelhante, nunca pude assumir com tamanha certeza que morar com a minha mãe e Ricardo fosse considerado ter um lar, ou até mesmo passar alguns dias com um desconhecido - Erick - pois não chegava aos pés do que estou sentindo nesse momento ao parar-me em frente a única casa que estava no meu nome e o infeliz daquele juiz não pediu requerimento. Cada canto daquela sala de estar cheirava a produto de limpeza,os móveis modernos que a decoravam estavam impecáveis demonstrando que a empregada continuava a trabalhar comigo mesmo ficando cinco anos presa em uma cela fedida e imunda. Tudo estava em seu devido lugar, exceto, minha mente que planeja a primeira visita que fariam hoje pela manhã.
— O que está planejando fazer, Malia? O que fará de agora em diante? — Luke questiona enquanto mantinha o seu olhar em mim.
— Precisarei da sua ajuda e de mais dois caras. Vamos visitar "a minha família" — exclamo com o sarcasmo, ao mencionar o que aqueles desgraçados não eram: família.
Subindo as escadas lentamente, deixando Luke sentado em uma das poltronas, imaginava mil e uma formas de me vingar daqueles que me viraram as costas, daqueles que nem sequer foram ver se estava viva ou a ponto de morrer sozinha naquele inferno que chamam de penitenciária. Sem dúvidas alguma, a Malia Miller havia sido soterrada em uma profundidade onde não poderia ser encontrada, a pessoa a prevalecer nesse mundo repleto de pessoas insignificantes e traíras, seria a Malia: corredora ilegal, treinada para se defender e matar, a garota que se tornou mulher numa cela cercada por grades enquanto lutava pela própria vida e liberdade.
Entrando naquele que um dia havia sido meu quarto, sigo para o banheiro, deixando aquelas roupas imundas espalhadas pelo caminho. Após fechar a porta,olho o meu reflexo no espelho enxergando algumas olheiras em meio a garota que até anos atrás jamais reconheceria. Meus cabelos estavam enormes, meu rosto exibia minha palidez por não ter tido um bom tratamento durante esses anos, porém a única coisa que chamou minha atenção foi a pequena cicatriz de um corte que me lembraria o quão difícil havia sido meus dias naquele lugar: o corte foi o primeiro que me fez escolher; ou lutava contra aquelas mulheres pela vida e liberdade,ou morreria dentro daquele lugar. Abrindo a primeira gaveta daquela pia,pego uma tesoura e a deixo sobre aquela bancada enquanto apoiava minhas mãos a cada lado, mantendo-me de cabeça baixa
— Estou de volta,estou me reerguendo e farei todos chorarem lágrimas de sangue por terem me abandonado a própria sorte! — sussurrando para mim mesma,ergo o meu olhar mais uma vez.
Segurando aquela tesoura com a mão direita, divido meu cabelos ao meio cortando o lado esquerdo, podendo sentir os fios se soltarem em minha mão que os segurava. Estava no momento de mudar radicalmente, estava mais que no momento de deixar as lembranças da para trás e focar na mais nova 'Malia que todos conhecerão. Estava no momento de conhecerem o d***o em pessoa. Cortando os dois lados dos meus cabelos os deixando pouco abaixo do ombro, deixo a tesoura sobre a bancada novamente e suspiro profundamente seguindo para o box do meu banheiro.
Sentindo a água quente cair sobre meu corpo dolorido, suspiro profundamente imaginando os meus próximos passos, idealizando como será a reação daqueles que um já chamei de família. Começará com esse aviso,pois o que os esperam será apenas terror e lágrimas nas quais seriam impossíveis de secar,serão choros e súplicas inaudíveis para mim, pois quando chorei, quando supliquei por piedade,nenhum ser conhecido estava lá, as pessoas que juraram me amar,que juraram ser por mim tudo que fui por ambos,nem mesmo elas comparecerem naquela sala de visita. Será exatamente isso que irão suportar,a solidão e a perda de cada pessoa que dizem amar, tirarei tudo deles somente para vê-los implorarem pela morte.
Minutos após um banho relaxante que limpou cada impureza de meu corpo,visto-me em um conjunto completamente preto, composto por uma calça e uma blusa na mesma cor. Estava semelhante a uma gótica, porém estava apenas representando o que havia me tornado: na mais vasta escuridão que se apossou de minha mente,corpo e alma. Descendo aquelas escadas,encontro Luke sentado em meu sofá enquanto tomava uma dose do meu melhor whisky e parecia estar pensativo,porém tenho total certeza de que está atento a cada passo que dê ou coisa que faça.
— Conseguiu as pessoas que lhe pedi? — questiono seriamente me pondo a sua frente.
— Sim, estão nos esperando próxima à casa de Lorena e Ricardo.
Apenas assentindo,pego a chave da garagem subterrânea dessa casa e a de uma sala de armamentos que coleciono desde meus quinze anos de idade,pois com o dinheiro das inúmeras corridas clandestinas,adquiri coisas que poucas pessoas conseguem imaginar. Acenando para que Luke viesse atrás de mim,sigo para a cozinha completamente organizada,abrindo uma porta que deveria ser a da dispensa, acendo a luz no interruptor ao lado tendo visão de uma escada.
Apesar de ter tentado ser alguém diferente da pessoa que me tornei, apesar de ter tentado esquecer o extinto predador que se apossou de mim,nunca deixei de adquirir coisas que sempre tive como passatempos e objetos que admirava: armas,carros de luxo, casas excepcionais são algo que fazem parte do meu gosto. Nunca fui inocente e diria que não existe esse tipo de pessoa nesse mundo depreciativo, não existe uma única pessoa que se livre da condenação psicopata ou criminal,pois se não fizeram algo,ainda irão fazer ou pensarão em fazer. Cansei de idealizar formas de eliminar pessoas hipócritas que foram motivo de problemas em minha vida,planejar formas de tortura, de mortes que seriam extremamente dolorosas. O mundo é uma caixinha onde muitos escondem sua verdadeira face, é um sanatório no qual abriga as pessoas mais loucas e psicopatas que podem existir, é um lugar no qual podemos nos refugiar escondendo o que nossa mente realmente deseja. Sei do que o ser humano é capaz e sei até onde posso ir para alcançar minha tranquilidade e felicidade,mas para isso,todos pagaram por tudo que sofri.
Olhando para aquele lugar que guardava mais de cinco carros e seis motos,pude sentir a surpresa de Luke que apenas observava detalhadamente cada veículo. Mantendo a seriedade em meu olhar, caminho entre ambos seguindo para uma porta ao lado da a******a para sair com algum dos carros. Colocando a chave na fechadura e a girando, abrindo aquela porta,adentro o local fazendo com que as luzes com sensor de movimento acendesse iluminando cada canto daquela sala.
— p***a! Aqui tem mais armamento do que os caras do Afeganistão — Luke pragueja surpreso e admirado.
— Foram três anos colecionando cada uma dessas armas. Aqui possui armamentos de base militar,uso pessoal e para enfrentar qualquer facção.
Selecionando uma pistola ponto 40,aciono o alvo no fim daquela sala e engatilho a arma descarregando todos os 15 tiros deixando apenas um na culatra, acertando todos na cabeça e no peito do alvo,o que deixou Luke intrigado por não ter perdido a prática.
— Eles vão se arrepender de ter me jogado em uma cela imunda,por ter virado as costas no momento em que mais precisei — ameaço virando-me para Luke o prendendo contra a porta apontando a arma em seu queixo — e se você pensar em me trair... Te mato sem pensar duas vezes. Não tente ser mais esperto e não me desafie.
Apesar de sustentar meu olhar,Luke vacila ao perceber que não estava blefando e que se necessário fosse,lhe daria um tiro no meio da testa. Aprendemos as mesmas coisas,temos basicamente o mesmo treinamento e temos disposição para remover qualquer pessoa do nosso caminho, porém, Luke sempre teve um defeito que lhe colocaria em perigo: ele pensa antes de puxar o gatilho, o que me faz pensar que a pessoa a matar o Fabrício era um dos homens que faz a sua guarda. Luke era um bom assassino e criminoso, mas deveria pensar menos e atirar mais.
— Estou do seu lado,te ajudei a sair daquele inferno. Acha mesmo que quero fazer algo contra você? — relembra fazendo-me abaixar a arma.
— Garoto inteligente!
Recarregando minha arma,pego uma nove milímetro a colocando em minha cintura assim como a pistola que usei há poucos minutos atrás. Saindo daquela sala puxando Luke para fora,a tranco colocando a chave dentro do armário no qual estava com todas as daqueles carros. Escolhendo um,desativo o alarme e me aproximo entrando nele, fazendo Luke realizar o mesmo ato.
— Ninguém pode saber da minha localização,nem mesmo os idiotas dos seus seguranças...— informo o fazendo assentir.
Saindo com o carro, entrando diretamente em frente a entrada da minha casa,abro o portão da residência e entro naquela estrada deserta. Ligando o som, abro a janela podendo sentir a brisa das quatro da manhã bater contra meu rosto e meus cabelos curtos.
O tempo que fiquei presa naquela penitenciária lutando pela minha liberdade e pela minha vida,pude arquitetar cada passo que daria,cada coisa que faria com aqueles que viraram as costas para mim e me deixaram sozinha a mercê da sorte. Seguiria minha lista mental, começando apenas por uma visitinha básica na qual farei com que saibam que estou de volta e que seus infernos estão apenas começando,depois darei início a minha forma de castigá-los. Em pensar, que precisavam apenas de uma única conversa, precisavam apenas ter dito que preferiam se afastar, que não queriam ter uma interferência nas suas vidas ao terem que ouvir falar sobre a filha ou enteada que estava presa por cometer alguns crimes, apesar que naquela época sentiria a dor do abandono, lhes compreenderia e aceitaria as suas decisões. Eles fizeram as suas escolhas e terão que arcar com as consequências.
Estacionando o carro em frente aquela casa que vivi por anos e aguentei os maus tratos de Lorena, pude ver o carro dos caras que trabalham para Luke estacionado poucos metros a frente. Eram em torno de quatro e meia da manhã, o dia começava a ganhar claridade, porém permaneceria com um tempo nublado, provavelmente o meu querido padrasto estará no seu sono profundo ao lado da esposa, pois até onde me foi informado enquanto estava naquela penitenciária, ambos tiveram uma reconciliação e desistiram do divórcio, assim como estabeleceram um tipo de convivência com Erick. Saindo do veículo, aceno para os dois idiotas a frente. Hora de matar a saudade!