Eu fiquei ali, imóvel, sentindo as costas e a alma queimarem pelo que pareceu uma vida inteira.
O espelho assegurou que eu visse tudo. Que a dor da humilhação viesse quando eu via ele levantar o chicote e depois, a dor física quando ele acertava a minha carne.
Eu não me importei com as lágrimas que rolaram pelos meus olhos, não enquanto eu esperava que acabasse.
Eu vou matá-lo.
Esse pensamento dominou a minha cabeça assim que ele me encoxou. Ele estava com tesã0 por me açoitar, sentiu praz3r sexu4l nisso. Eu o senti dur0 contra a minha bund4 durante todo o tempo que ele me bateu.
Eu vou matá-lo.
As dores não eram apenas físicas, ele me feriu profundamente na alma. E depois da segunda vez que ele me acertou, eu comecei a planejar a forma de acabar com a vida dele.
Bem devagar, fazendo ele sentir cada segundo daquilo, fazendo ele se sentir um pedaço de merd4, como eu me sentia.
Eu vou matá-lo.
Levantei, sentindo as costas queimarem, a dor alcançando os ossos. Me virei, e ele tinha me marcado.
Duas linhas finas de sangue escorriam pelo meio das minhas costelas. Ele não seguiu as orientações do Dom e para sempre aquelas marcas me assombrariam.
Eu vou matá-lo.
Coloquei a camiseta e a calça, com uma dificuldade maior do que eu quis admitir.
Demonstrar fraqueza era uma das coisas inadmissíveis.
Eu caminhei com dificuldade por todo o percurso até o meu quarto. Nenhum dos empregados tentou me ajudar, e o Eduardo deve ter dado essa ordem, porque vi no olhar dos 3 que passaram por mim, que eles queriam ajudar.
O Dom normalmente mandava me carregar de volta para o quarto, e como eram apenas 3 açoites sem ferir a minha pele, eu conseguia minimamente me mover. O Eduardo queria estender o máximo possível o meu sofrimento.
Eu vou matá-lo.
As escadas foram a pior parte. E precisei de toda a energia que consegui arrancar do meu corpo exausto e dolorido, para subir todos os 29 degraus.
A porta do meu quarto foi como um lago fresco em uma noite quente de verão. O bálsamo de saber que logo eu estaria deitada, com a Catarina passando anestésicos e me medicando me deu a força necessária para abrir a porta.
- MEU DEUS! - A Catarina correu e me ajudou a ir até a cama. Se virou e trancou a porta. - A Joana falou que o senhor Eduardo que assumiu as coisas lá. - Ela estava desesperada e deu um gritinho quando rasgou a minha camiseta e viu os machucados nas minhas costas.
- Eu vou sobreviver. Me medique, o máximo que puder, para poder cuidar das feridas. - Até falar doía.
- Vou precisar lavar você primeiro. Consegue ficar de pé? - Os minutos que se seguiram foram ainda piores do que o caminho até ali. Agora, na segurança do meu quarto, a adrenalina do meu corpo começou a se dissolver e as dores ficaram muito mais intensas.
A ardência foi praticamente insuportável quando entrei na banheira. Em algum momento, enquanto a Catarina limpava os ferimentos, eu fiquei inconsciente.
Depois ele me secou e me levou para a cama. Não se importou em me vestir, não havia tempo para isso. Ela me entregou um copo, com um líquido verde. Eu sabia o que era quando virei ele de uma vez na garganta e deitei de bruços.
- Alguns minutos Lore, aguente só mais alguns minutos. - Eu não tinha forças para responder às súplicas dela.
Eu vou matá-lo.
Depois de um tempo, que pareceu uma vida inteira, o sono finalmente me atingiu. Profundo, firme e indolor. Eu me deleitei com o alívio que me envolveu e finalmente relaxei.
Mas, eu não consegui calar o ódio que se instaurou na minha alma. A sensação de impotência e vulnerabilidade assombrou o meu sono.
A anestesia apagava o corpo com facilidade, mas era impossível calar a mente.
Eu vou matá-lo.
O sorriso cru3l dele assombrou os meus sonhos, e em algum momento ele se transformava no Dom e em outros no César Camacho. Em alguns momentos era eu naquela mesa, exposta e indefesa e em outros, era a minha mãe.
Naquele momento eu fui resumida a nada. Um pedaço de carne. Uma marionete na mão de homens poderosos que me tirariam tudo o que pudessem, enquanto eu vivesse.
Eu vou matá-los. Todos eles.
Cheguei a um ponto do sono que a dor não me alcançava mais e fiquei aliviada em finalmente estar sozinha.
Eu estava de volta ao cenário mágico que estive com o Fred naquela madrugada fria. O barulho da água caindo era envolvente e acalentador. A Cascata delle Due Rocche era uma visão que poucos merecem. E eu provavelmente não merecia, mas fiquei ali mesmo assim. Admirando a água cair, imaginando que ela lavaria as dores da minha alma.
Eu poderia encontrar algum nível de paz naquele lugar, envolta pela natureza e inatingível pelos homens.
- Lore… - A voz veio de todos os lados e eu me virei, procurando. O Fred sorria para mim, um sorriso triste. - Por quê? - Ele falou, com uma dor intensa nas palavras. Então eu observei ao redor. Eu o vi de verdade.
No meio do coração dele havia uma faca enfiada.
Uma das minhas facas e o sangue escorriam descontroladamente. A vida começava a sumir dos olhos dele e uma dor lancinante irrompeu no meu peit0. Eu corri na direção dele, mas era tarde demais. Ele tinha desabado no chão. Levando toda a vida com ele.
A Cascata delle Due Rocche sangrou com ele, e ao invés de água, sangue começou a escorrer por ela…
Eu matei ele.