Capítulo dezasseis: Propriedade estigmatizada.

1877 Words
Londres, Agosto de 1978 O olhar vazio, o corpo trêmulo e as mãos suadas, foram as coisas que notei enquanto contava-me o que o filho da p**a do motorista tentou fazer com ela, tudo na minha mente se tornou nublado como num dia de chuva, não conseguia pensar, minha ideia inicial era matá-lo, eu queria matá-lo porque era isso que ela sentia naquele exato momento, um verme como ele não faria falta a sociedade e em mim, não havia mais nada a ser preservado, já estava pagando um preço alto por algo que não fizera. Tudo o que ela fazia-me sentir, era uma confusão de emoções, quis sair de Fodshan e nunca mais voltar a vê-la, seria melhor para os dois, mas estaria deixando-a a mercê de dois monstros, um que sentia prazer em acabar com uma vida, e o outro que aparentemente se deliciava em violentar mulheres indefesas. Gostava de ter feito mais, porém chamaria demasiada atenção, contentei-me em fazer com que o legado da família de Jasper desaparecesse com ele, não acabei com a sua vida, mas havia tirado algo importante que para um homem que dá demasiada importância ao sexo, era como morrer lentamente. — Sorri friamente ao lembrar de como deleitei-me com o olhar repleto de desespero do infeliz. Era perverso. No fim das contas, havia pequenos detalhes que tornavam meu irmão e eu parecidos. — Quem diria! — pigarreio. A polícia local começou a investigar sobre como o motorista do empresário mais rico da região acabou nas urgências sem sexo, e pelo que se sabia, eles não costumavam se importar tanto com o que acontecia com as vítimas de Thomas. A teoria de que ele controlava a cidade se confirmava, pois mesmo ele não estando em Fodshan, acabei chamando a sua atenção por ter dado uma lição ao seu motorista. Naquele fim de mundo, não acontecia nada de relevante, nem pequenos delitos ou perseguições, portanto ninguém esperava que um crime considerado tão macabro pudesse acontecer, principalmente na ausência do meu irmão. Thomas era teatral, não gostava de coisas rápidas, nem nada aleatório como fiz com Jasper. Meu irmão é um doente que procura gerar algum efeito sobre o espectador, ele teria colocado o sexo do infeliz num lugar secreto, daria pistas para a sua localização e ligaria ao próprio Jasper explicaria sobre o que fez e se divertiria vendo todo mundo procurar pelo órgão enquanto o desgraçado agonizava entre a vida e a morte. O que eu havia feito, aos seus olhos era um desperdício, era exatamente por esse motivo que ele estava movimentando fundos e mundos para que a polícia encontrasse o culpado. Voltando no tempo, todas as vezes que eu tentei contra a minha própria vida no hospício, eles faziam de tudo para que eu voltasse a viver, acreditem... não foram poucas as vezes. Até então, eu não entendia o motivo deles insistirem em manterem-me vivo, estava tão magro que poderia facilmente ser confundido com um esqueleto, passava dias à fome e quando achava que finalmente partiria desta para melhor... me ligavam a vários aparelhos, me embutiam com bolsas de soro e recebia uma série de descargas elétricas, perdi a conta de quantas vezes senti efetivamente minha alma abandonar o meu corpo mas havia uma força sobrenatural que insistia em manter-me vivo. Eu sou todo fodido. — A quantidade de almas de outro mundo que eu via era absurda. — Ficariam em choque em como elas ficam vagueando sem rumo no mesmo plano que nós! Todavia, eu nunca estava sozinho. Os seguranças, enfermeiros e médicos tudo faziam para que não ficasse isolado ou sozinho por muito tempo sem estar devidamente drogado ignorando o facto de que em St. Mary ninguém ficava sozinho. Mas eu estava vivo graças a fixação doentia de Thomas, não era aleatório, ele preferia que eu vivesse se não fosse ele a terminar com a minha vida. Ele fez de tudo para que eu vivesse literalmente o inferno, como se tivesse nascido com esse propósito. (...) Estive durante meses planejando, e finalmente podia começar com "O jogo". Eu sabia que teria de me afastar de Fodshan para conseguir colocar novamente a minha cabeça a pensar, não estava conseguindo fazer com "as duas" querendo pensar ao mesmo tempo. Estava seguindo Thomas há três dias, não gostava de estar em Londres, além de correr o risco de ser pego por ter fugido de St. Mary, também fazia-me lembrar de Amanda. Não compreendia o porquê, da garota que foi colocada no lugar de Amanda nunca ter aparecido para mim durante esses anos todos. Seria a única que podia dar-me pistas sobre o que realmente aconteceu naquele dia. Londres costumava ser o meu refúgio, era o lugar que me fazia esquecer da infância sem amor, havia criado memórias incríveis. Depois da academia militar, consegui montar uma empresa de importação e exportação, até isso Thomas conseguiu destruir... não via hora de voltar a Northumberland e tomar tudo que era meu. Não fazia parte dos meus planos ter de preocupar-me com o que acontecia com Nia, o meu objetivo nunca foi ir para Fodshan "salvar" uma mulher que sequer sabia da sua existência, fui com objectivos específicos. Mas o nosso último encontro foi demasiado significativo, depois de anos encarcerado jamais cogitei a possibilidade de encontrar uma mulher tão misteriosa e ao mesmo tempo fascinante que fosse afetar-me tanto. Se dissesse as pessoas que depois de tanto servir como experimento, acabei desenvolvendo a capacidade psíquica de sentir o que as pessoas próximas a mim sentiam, e vez ou outra ver almas penadas, provavelmente dariam razão a Thomas e invés de manterem-me numa camisa de força, seria condenado à morte. "Quando enfrentar o seu irmão, o faça consciente de que nesse momento ele está mais forte que você. Ache um ponto fraco ou crie um ponto forte para que o possas usar a seu favor e ganhar vantagem sobre ele" — Palavras de Anthony, era o único que acreditava em mim. Precisava acabar com isso para o ir libertar. Era um homem que trabalhava com ações, quanto mais rápido me vingar de Thomas, mais rápido libertária Anthony de St. Mary. Serro os punhos demasiado nervoso, mesmo seguindo-o dia e noite não conseguia encontrar nada que tornava Thomas vulnerável, tinha apertado os punhos forçando as unhas contra as mãos ao ponto de sentir filetes de sangue escorrer pelas palmas das mãos. Queria que Thomas sofresse até o momento em que a sua morte mais dolorosa fosse a sua única salvação. Precisava aplacar a raiva que sentia. — Sorri levemente ao saber onde e com quem seria. (…) Fodshan, (Cheshire) Agosto 1978 — Nia?... Nia?... NIA? — mas que merda!! O que ela quer agora? — O que foi Nora?? — respondo ainda sonolenta. — Tem uma coisa depois do alpendre, acho que é uma pessoa. Por favor, vem ver comigo. — fala me arrastando até o quarto de Ella. Não compreendia a aproximação repentina de Nora. Desde que Ella foi para Yorkshire, Nora tem passado as noites na mansão. Depois do que aconteceu com Jasper, Thomas falou com o Comissário, e dois cabos da polícia foram destacados para fazerem a segurança da mansão. Nesse momento, só eu e Nora estamos em casa, as noites, apesar de assustadoras, tem sido sido tranquilas com a presença dos policiais, mas Nora é demasiado medrosa, por duas vezes tive de ir ficar com ela no quarto de Ella. — Não tô vendo nada. — digo olhando para floresta que cobria a mansão. Ia dar o próximo passo, mas um arrepio percorre o meu corpo seguido por sons de corvos, me sinto como se estivesse em transe. Meu Deus! — Está vendo! Você também sentiu! Eu não só senti, como vi! Por favor Nia, olhe novamente. — o que eu estava fazendo? Devia ser Edward... mas não o vejo há vários dias. Depois daquele encontro, ele nunca mais apareceu. — Nora, ninguém está lá fora! É coisa da sua imaginação. Por favor, hoje eu gostava mesmo de dormir na minha cama. Você nem me suporta! Por favor, pare de me acordar para ver coisas que nem existem! — começo a andar e ela me segue, me voltei bruscamente cansada dela me ficar me seguindo, porém tremo novamente ao escutar uivo de um lobo. Mas o que chama mais a minha atenção é o barulho dos corvos que agora pareciam mais intensos. Volto a correr para janela, com Nora atrás de mim tremendo mais que varas verdes, vejo uma leve neblina, mas além disso, há uma figura entre as árvores, me lembrando a figura de uma mulher com roupas negras e cabelos longos. A imagem estava embaçada devido a distância e a neblina, mas o medo que senti... parecia estar sendo levada por algo demasiado pesado que eu não podia controlar, um frio me percorreu pela espinha. Fecho rápido a cortina e coloco a mão no peito, o que eu vi, provavelmente era um espectro mas não conseguia formular as palavras para dizer à Nora. — O que foi? Você também a viu certo? — balanço a cabeça, negando porque eu não queria acreditar no que os meus olhos viram. — Você viu. Mas tem medo de admitir! Não me importo que não queiras acreditar, a única coisa que queria é que também visses... Do contrário, diriam que estou louca. — depois de tantos dias aturando os seus medos, não esperava por aquilo. Ela continuava sendo a mesma de sempre. Sem dirigir-lhe palavras, abandono o seu quarto em passos lentos, tentando digerir aquela situação toda. Já deitada, pego na minha Bíblia e faço minhas orações. Desde o internato que tenho essa Bíblia, Madre Lilian ofereceu-me no meu primeiro ano lá. Obviamente não era devota, ria quando elas ficavam vários dias se chicoteando, ria quando fazíamos caminhadas infinitas e ria quando antes de dormir trocava a oração por palavras incoerentes por conta do sono, mas jamais deixei de lado a minha fé. Me reviro na cama com os mesmos arrepios, apesar de não estar tão assente, ainda sentia medo. "Todo mundo que morre antes de vencer seu tempo na terra, fica aparecendo para os outros" Porque raios estava me lembrando de Madre Aurora? Ela tinha a capacidade de fazer-me dormir aterrorizada só para não esquecer que tinha de fazer minhas orações. — NIA! — dou de cara no chão caindo da cama querendo matar a criatura. — p***a Nora! Vai se foder... — a maluca aparece do nada me fazendo quase morrer de susto. — Desculpa. — diz ignorando o meu rosto de poucos amigos. — Eu posso dormir aqui por favor? — olho para sua figura decadente, o rosto pálido como se tivesse perdido do sangue do corpo, a camisola branca um pouco abaixo dos joelhos, os cabelos loiros dispostos num coque desorganizado e estava descalça. Era mais fácil sentir medo dela, do que da alma que estava vagueando pela propriedade. Quem diria, após quatro anos cuidando de Maddie, descobriria que essa propriedade está psicologicamente impactada ou estigmatizada? Inferno! Fecho os olhos e volto a abri-los dando um suspiro demasiado longo. É importante realçar que eu nunca acreditei em fantasma, e mesmo vendo aquele evento estranho, continuava não acreditando. — Vais ficar no outro lado, e por favor... Não toque em mim!
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