Na última vez que estive na mansão por negligência minha quase fui pego por um dos empregados, sempre que ia não ficava mais de duas horas, e nesse dia fiquei cerca de três ou mais, tudo por conta da obsessão que estava desenvolvendo em ficar observando a tutora de Maddie. Queria destruir tudo e todos ligados a Thomas, com exceção da criança todos iriam servir um propósito, um meio de chegar até o meu irmão.
Não costumava ver as duas acompanhadas quando circulavam fora da propriedade, na primeira oportunidade que tive em estudar aquela casa, apercebi-me de que existem duas pessoas que são de importância fundamental, sendo elas a tutora/guardiã e a governanta, as outras menos destacadas como a cozinheira, o homem que quase me pegou saltando pela janela e mais dois, a mulher que tratava da limpeza e o jardineiro, esses dois últimos e a cozinheira vivem na vila, já o restante vive na propriedade mas só a tutora dorme dentro de casa, e agora com a ausência do meu irmão e a esposa a governanta também tem passado as noites no quarto de hóspedes.
Todos tratavam a tutora com uma certa hostilidade, algo relacionado com a sua cor, ou algo parecido... não tenho a certeza. Não estava certo, mas também não me dizia respeito.
(...)
Agora, estou observando as duas com a governanta, que descobri chamar-se Ella, as duas loiras estão em frente, a mulher n***a um pouco atrás, usava um conjunto azul saia a baixo dos joelhos e blaser. As mãos em frente ao corpo olhando para as outras na sua frente, ela literalmente não estava ali, pois sequer se movimentou quando algumas pessoas proferiram insultos para ela, cheguei a pensar em tirá-la do meio daquelas pessoas, meu pensamento foi interrompido quando a mais velha vai até ela segura na sua mão ficando no meio das mais novas, no lado direito Maddie e no esquerdo a tutora.
Podia não gostar daquelas pessoas, mas não podia negar que aquela afirmação entre as duas empregadas provava que estava errado, que de facto Thomas não estava rodeado por pessoas que pensassem ou agissem como ele.
Aquelas três mulheres começavam a se tornar um contratempo em tudo que eu estava arquitetando.
Atravessaram a rua até a mercearia, eu fiz o mesmo.
Para despistar qualquer suspeitas que tenha levantado há duas noites passadas, hoje usava roupas modernas do tipo convencional, tinha penteado o cabelo, parecendo diferente do homem que fora internado como louco em St. Mary, já não existia nada daquele homem, o Richard ficou em St. Mary juntamente com os seus fantasmas, o homem que se encontrava agora em frente a mesma mercearia que aquelas mulheres era Edward, um excêntrico filantropo rico, que procurava na pequena cidade um pequeno estabelecimento hoteleiro para investir.
Ao entrar, sinto vários olhares dirigidos a mim, algumas mulheres quase se jogando na minha frente para serem notadas. Ando alguns metros até chegar onde se encontravam as duas, Maddie e Ella estas tinham as atenções viradas no melhor cereal das prateleiras.
— Escolha outro, esse leva demasiado açúcar! — murmura a mais velha.
Procuro pela outra empregada e encontro-a na secção dos detergentes. Tinha começado um redemoinho de sensações mistas que pareciam querer controlar algo sem controlo, nesse instante, faço a coisa mais i****a que podia ter feito.
— Qual dos dois acha que limpa melhor? — pergunto. Ela olha pra mim com o sobrolho franzido.
— Desculpa, é comigo? — a confusão no seu rosto chega a ser cômica. Olho ao redor e não vejo mais ninguém, tentando fazê-la entender o óbvio. Mas ela se encolhe intimidada. Eu limpo a garganta.
— Sim, pode dizer-me qual dos dois acha que eu devo escolher? — pergunto agora olhando diretamente nos seus olhos. Eram castanhos escuros, e pareciam os olhos mais inocentes que já vira, senti remorso mesmo sem nada ter feito a ela.
— Posso? — pergunta apontando para os dois frascos nas minhas mãos. Enquanto ela se distrai olhando atentamente para as indicações das duas embalagens, eu fico olhando pra ela, captando cada gesto seu. Ergue o olhar satisfeita como se tivesse descoberto uma fórmula mágica. — Esse é o melhor, além de limpar, tira nódoas e deixa todo cômodo com um cheiro bem gostoso a jasmim. — explica animada. — Mas tem um porém... — fala franzindo o lábio em pesar. — Custa o triplo do outro. — conclui olhando agora nos meus olhos, recua desconfortável. Uniu as sobrancelhas formando um vinco na testa, desce o olhar pro resto do meu corpo. — Mas creio que isso não seja um problema para o Sr...
Quando ia inventar um nome para apresentar-me, vejo um pequeno furacão abraçá-la pela cintura.
— Vamos Nia? — a menina pergunta pra mulher n***a.
— Desculpa. — murmura sem graça agarrando na mão da menor e sai do meu campo de visão.
Se estava me reconhecendo? Não sei, mas ficou assustada, era intrigante. Na noite passada ela não sentiu nada disso. Estava tão tranquila e feliz com a minha presença que foi impossível eu não sair de lá com um sorriso i****a nos lábios. Repreendi-me mais tarde, os seus sentimentos eram demasiado contagiante pra mim, deixou-me irritado. Queria puni-la apenas por me fazer esquecer que mulheres não são confiáveis.
Segui o motorista que as levou até ao pequeno e único restaurante que havia a redores, as loiras puderam entrar, sendo que Nia foi barrada a entrada do mesmo. As duas saíram cinco minutos depois com o maître do restaurante, explicando que Nia trabalhava com Ella, que as duas trabalhavam para o Duque de Northumberland, estavam na vila em compras e que queriam lanchar sendo que o almoço já estava arruinado, o maître desculpou-se que aquele era um restaurante de renome, o único na vila com aquele estatuto e prestígio. Não podiam arruinar o bom nome se se soubesse ser frequentado por pessoas de cor.
Tinha certeza que surtaria, o meu sangue quase sobe até o cérebro, desço do carro, não sabia o que estava fazendo, mas vê-la ser tratada daquela forma me deixou bastante incomodado, sentia uma vontade incontrolável de chorar e a bílis se formar na minha garganta.
Já com meio caminho andado percebo que aquele ultraje todo e a dor que sentia não era propriamente minha, eu estava nervoso, queria socar o maître e todos naquela cidade, por a fazerem se sentir inadaptada, rejeitada... mas o que sentia agora era ela quem estava fazendo eu sentir. Parei, não podia agir como louco sem traçar nenhum tipo de plano.
Tinha os meios e o poder de fazer todos nesse fim de mundo pagar pelo seu preconceito, mas precisava agir com a cabeça e não com sentimentos que sequer eram meus. Algumas opções vieram-me em mente:
Primeiro: Compro literalmente tudo incluído a própria cidade transformando seus habitantes em vassalos, só para vingar-me do que estou sentindo nesse momento.
Segundo: Esqueço o meu irmão e todos que me fizeram m*l, volto para Northumberland tomando tudo que é meu na legalidade.
Terceiro: Mato todo mundo, incluindo essa mulher que transforma os meus sentimentos em um redemoinho de emoções.
E quarto: prossigo com o meu plano inicial, voltando pro carro e desligar se possível essa ligação invisível que havia estabelecido com ela.
Tínhamos um vencedor, voltei ao carro e sentei no mesmo momento em que ela sentava numa calçada próxima ao restaurante, o motorista da mansão aparece, ela sobe no carro e minutos depois desce mais ultrajada do que estava, soquei o volante várias vezes, faziam meses que não sentia-me assim, essa mulher estava a tornar-me desequilibrado, ela normalmente é carregada de bons sentimentos, mas essas pessoas a faziam muito m*l, e um deles é esse motorista. Não sei o que ele disse a ela, mas estava a aumentar na lista de pessoas que eu iria destruir.
Nia saiu do carro e sentou-se novamente na calçada, e ficou lá por quase uma hora, sem se importar com os olhares de reprovação, sem olhar a ninguém, sem sorrir e sem comer. Aos poucos senti os meus nervos diminuir, isso significava que ela estava se acalmando, porém mantinha-se estática.
A primeira abandonar o restaurante foi a mais nova, trazia consigo uma caixa de doces que depositou nas mãos da mulher n***a, essa devolveu-lhe um sorriso melancólico e levantou-se sem olhar o conteúdo da caixa. A aura podia estar calma, mas a mágoa estava aí.
As três subiram no carro e voltaram para a mansão. Eu fiquei na vila me convencendo que o estava fazendo porque precisava continuar procurando por mais informações sobre o regresso de Thomas, mas a verdade era que Nia tinha os sentimentos muitos intensos e aquilo estava a afetar-me de uma forma muito negativa. Devia manter-me longe dela.