Capítulo cinco: Richard, Anthony e Isaac. O hospício.

1471 Words
Inglaterra, Novembro de 1977 Todos os meus ossos doíam de forma inexplicável, tentei me levantar... a única coisa que consegui foi piorar na dor que sentia, reclamei internamente — Dessa vez eles se superaram! — reconhecia que agora, talvez devesse dar uma moderada na forma como os vinha afrontando, de nada me serviu ao longo desses anos. Apertei os olhos sorrindo — Ainda valia a pena os ver transtornados. — Alguns ossos partidos, percas de memórias e o corpo coberto por cicatrizes... era quase nada, certo? Tossi, sentindo o gosto metálico do sangue que saía dos meus pulmões. Agora é que eles começavam realmente a dar cabo de mim, não podia morrer... não agora. Espalmei as mãos no chão úmido, tinha o cheiro forte a urina. Não conseguia ver um palmo na minha frente, não que isso me deixasse aflito, não. A escuridão era algo que eu não temia. Ter sido submetido a várias sessões de tortura e logo a seguir abandonado no escuro tornou-me quase imune ao que quer que ela acarretava consigo, havia me tornado seu amigo, um conforto ao longo de tantos anos. Sem esquecer do facto de que nunca estava realmente só. Mas ela não me parecia nada confortável nesse exato momento. Quando despertei, poderia afirmar com certeza de que talvez desta vez, apenas desta vez, a escuridão havia se tornado também em minha inimiga. Cenas do meu passado invadiram a minha mente a cada impulso que dava ao tentar me erguer, a dor que sinto é tanta, ainda que não se compare com a dor que senti ao descobrir a traição daqueles que me eram próximos. Era nisso que eu queria me agarrar, não haverá dor no mundo capaz de fazer-me esquecer o quanto Amanda me quebrou por inteiro. Amanda... Nos conhecemos numa sexta feira à noite, em Carnaby Street em 1966. Ela era daquelas mulheres lindíssimas, estatura média, a pele alva, tão branquinha, cabelos negros ondulados, olhos pretos, a boca rosada pequena com o rosto assimétrico sempre alegre... de início, parecia uma menina inocente, tinha uma conversa boa, era inteligente e parecia estar a par de tudo o que acontecia em Londres. Voltei a encontrá-la algumas vezes, até eu descobrir que ela era garota de programa, mas na época ela se auto-entitulava "dama de companhia" ou "acompanhante". Eu era carente por atenção e ela dava-me atenção, bastante atenção por sinal. Já não queria saber se ela se deitava com outros homens, eu queria sair com ela e foi o que fiz, mas o fazia inicialmente com a ideia de que ela era apenas uma mulher da noite, que serviria apenas para me satisfazer. Depois de termos começado a sair mais assiduamente, mudei de ideias. Estava apaixonado, e ela também... ou foi o que eu achei, e sentia! Mandy dizia que me amava e eu sentia esse amor transbordar dela, ela só não deixava o bordel porque a Madame Vicky a obrigava pagar uma dívida quase infinita, que pelo valor, só poderia terminar de pagar quando fosse velha, obviamente acreditei, acreditava nela feito i****a. Não pensem que eu não tive outras mulheres, tive, várias! Não era homem de uma só mulher, eu gostava tanto do sexo oposto que podia t*****r com três a quatro mulheres num dia, e como já tinha o historial de doente, satiríaco era só mais um na lista infindável de coisas que eu era. Entretanto, com Amanda era diferente, ela era linda, naturalmente sensual, estava louco para torná-la minha mulher, comecei a cogitar a possibilidade de tirá-la da prostituição, na verdade, naquele dia, era para eu a ter levado a Northumberland. Havia p**o a sua dívida e queria propor-lhe em casamento. Os meus planos não chegaram a se realizar. No dia do noivado do meu irmão, acordei coberto numa poça de sangue com a minha namorada morta. Era como estar revivendo o passado, mas não se tratava mais do meu melhor amigo, o meu animal de estimação, não! Tratava-se de Amanda, a minha Mandy. No meio do sono senti os lençóis molhados, quando abri os olhos e deparei-me com aquela situação, foi como ter o chão arrancado dos meus pés, me aproximei do seu rosto parcialmente desfigurado, levantei-me apavorado sentindo o meu mundo desabar com aquela visão de horror, a mulher que eu amava estava morta. Alguns segundos depois a porta foi arrombada por vários polícias, fui algemado e levado para fora da pensão em roupa interior, me sentia uma marionete que era comandado por outra pessoa, ouvia vozes por todos os lados, olhei para o alvoroço de gente curiosa, tentando compreender o que tinha acontecido ali. O médico legista passou com a maca onde estava o seu corpo coberto por um saco plástico na cor preta, naquela época do ano Londres não ventava, chovia à cântaros, entretanto naquele dia não choveu, um vento forte fez voar o saco que cobria o seu corpo me dando a oportunidade de olhar novamente pra ela estendida, foi nesse momento que a curiosidade despertou em mim. Amanda estava com o corpo todo machucado, como se tivesse sido espancada, hematomas no pescoço, lacerações no braço, algumas fraturas expostas, escoriações nos ombros a barriga aberta sem os órgãos, a boca entreaberta e os olhos azuis esbugalhados... olhos azuis, estava dopado, sentia a cabeça às voltas, mas aquilo não fazia sentido. Amanda tinha olhos pretos, tão pretos quanto a noite, olhei para os cabelos, e estes eram castanhos escuros. Aquela mulher não era a minha namorada. Fui levado à polícia repetindo o tempo todo que aquela mulher não era Amanda Afleck, ninguém me ouvia. O meu irmão apareceu dois dias depois com um sorriso no rosto, para o resto do mundo, Thomas estava sofrendo por mim naquela situação, eu próprio cogitei a possibilidade dele ter mudado quando vi ele defender-me bravamente perante a corte, até ele mencionar que eu tinha distúrbios de personalidade e que o meu destino não devia ser mofando numa cadeia e sim num manicômio em uma camisa de força pois eu no passado já havia sido internado por ter morto e dissecado o meu animal de estimação. O júri escandalizado, horrorizado até, ditou a minha sentença se baseando no testemunho do meu próprio irmão, da Madame Vicky que afirmou com certeza que eu havia p**o uma boa quantia pelo "corpo" de Amanda e uma amiga de Mandy que mais tarde vim descobrir ser a própria Amanda, era uma testemunha ocular. Quando o vi sorrir triunfalmente, lembrei do corvo. Naquele tempo, qualquer coisa fora do padrão era considerado loucura, eu não tinha amigos, o meu único amigo era um corvo, achei ele numa das armadilhas que Thomas deixava espalhadas, tinha uma das azas ferida, cuidei dele até melhorar, libertei-o, mas assim como todo animal que eu ajudava, ele continuava voltando, batia na minha janela com o bico até eu abri-lo, mais tarde já não fechava as janelas, ele saia, ia ficar junto dos seus mas sempre voltada. E por ter um único ser vivo que se importava em estar presente na minha vida, fiquei aficionado com o animal, descobri que o seu surgimento na vida de alguém pode ser encarado como um mau presságio, mas também há culturas em que o seu simbolismo é positivo como amor familiar, mensageiro divino, gratidão, diferente do que acreditava, o meu corvo só fez bem ao garoto incompreendido, cheio de medos e inseguranças que eu era. Ele possuía a capacidade superior que de um papagaio em repetir tudo que ouvia, e foi nessa altura que eu comecei a frustar alguns dos planos do meu irmão, ele em retaliação matou-o e coloco-o na minha cama. Claro que tinha dedo dele no meio dessa sujeira toda! Mesmo que não fosse capaz de o desmascarar, eu precisava fazê-lo pagar por tudo que me fez passar. Era a primeira vez que começava a traçar um plano para poder sair desse lugar, mas a minha visão que já estava embaciada escureceu completamente e voltei a cair naquele abismo que insistia em perseguir-me. Algum tempo depois acordei sentindo um frio percorrer o meu corpo, na verdade tudo sempre foi tão frio nesse lugar. Quando ia voltar a fechar os olhos, senti meus braços serem levantados, levaram-me até ao balneário masculino, deixa-me frisar de que manicômios são instituições complexas, que conseguem articular de um lado, duas realidades mais deprimentes da sociedade, eles podem tanto curar, como despedaçar totalmente um ser humano. Não sabia mais quando era dia, ou quando era noite, tinha me esquecido daquele homem que outrora fui, mas começava a ter noção daquilo que eles me transformaram. — Levante-se! — um dos guardas grita. Apoiando as minhas mãos as paredes, levantei-me. No meu lado esquerdo estava Anthony, no direito Isaac, os três preparados para o banho gelado. Algo chama a minha atenção, Anthony estava com um objeto que parecia cortante entre as pernas. CONTINUA…
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD