Bárbara acordou se sentindo preguiçosa, mas com um sorriso no rosto. Que loucura havia sido aquela noite, dois dias antes… Mas que loucura gostosa! Saiu sem dizer nem ao menos o seu nome. Sem se despedir, simplesmente deixou para trás aquele homem que permanecia um estranho… Um estranho com quem havia passado a noite e que não queria esquecer, no entanto, não sabia nada a respeito…
“Que bobagem! Essas coisas só acontecem em livros, ainda assim, por que não consigo parar de pensar nele?”
Pensava consigo mesma, enquanto preparava o seu café da manhã. Nada de café amargo naquela manhã, apenas um copo de suco de laranja cairia muito bem e uma fatia de bolo. Cumprimentou a amiga, que já estava terminando uma caneca de café com leite e torradas, e pôs-se a folhear o jornal. Sempre as mesmas coisas: escândalos de corrupção nunca resolvidos, o que aconteceria na novela das… Nunca assistia novelas, odiava ser obrigada a acompanhar qualquer coisa diariamente. Preferia filmes, não só assistia, como colecionava filmes dos mais diversos estilos e gêneros… Virou a página: atropelamentos, manifestações, assassinatos…
De repente, uma notícia chamou a sua atenção:
“CORPO DE HOMEM IDENTIFICADO COMO ROBERTO GUIMARÃES FILHO FOI ENCONTRADO ONTEM À NOITE EM TERRENO BALDIO NAS PROXIMIDADES DO ENGENHO NOVO. POLICIAL ENCARREGADO AFIRMA SUSPEITA DE LATROCÍNIO, MAS NÃO DESCARTA OUTRAS POSSIBILIDADES. NENHUM SUSPEITO…”
A fotografia exposta pelo jornal era do documento de identidade e, apesar da má qualidade da impressão, ela reconheceu o homem. Sim, com certeza era aquele mesmo homem que a havia ajudado a alcançar o ônibus a tempo… O seu olhar se perdeu nas lembranças daquele dia e ficou sem ar. Mostrou a fotografia para a amiga, era ele mesmo, e ela o havia tratado tão m*l…
— Nossa, amiga, podia ter sido você!
— Também não é para tanto, Lívia. Só porque eu estive no mesmo ônibus que um homem que foi morto, não significa que eu poderia ser o alvo. Moramos no Rio de Janeiro e, ao que me parece, todo dia alguém é assassinado nesta cidade. Creio até que você mesma já deve ter se sentado ao lado de várias pessoas que acabaram mortas, apenas não ficou sabendo disso…
— Sim, concordo… — Disse Lívia finalmente, em tom de dúvida e então explodiu — No entanto, amiga, pelo menos você tem que admitir que teve uma espécie de premonição com aquele pesadelo que me contou, tipo Moisés na bíblia, não é?
— José! – Corrigiu Bárbara.
— Quem é José? — Perguntou Lívia, distraída com os seus próprios pensamentos.
— O decifrador de sonhos da bíblia, você citou Moisés, mas foi José… — Completava Bárbara pacientemente sua correção a Lívia, mas esta interrompeu a amiga, abanando as mãos:
— Tanto faz Moisés ou José… Escute, amiga, conte-me novamente o pesadelo que teve naquele dia, quero avaliar o mistério agora com esses novos dados.
— Hum, quer dizer agora que o meu pesadelo virou um mistério no mundo de Lívia? — Brincou Bárbara se sentindo divertida.
— Ai, Bárbara… Não seja assim! Conta, vai… Tintim por tintim!
— Ok, ok. Prepare-se! tan nan nan nan.
Deu uma risadinha antes de começar e teve como recompensa um muxoxo aborrecido de Lívia. Fechou os olhos para se concentrar na lembrança e começou:
— Eu estava caminhando por uma estrada escura e deserta, sentindo-me muito sozinha e apavorada, quando avistei uma belíssima casa. As luzes estavam acesas, então, bati, mas não ouvi nenhum ruído do lado de dentro. Aí, espiei pela janela. A sala estava vazia e parecia ser uma sala de jantar. A mesa estava posta como para um banquete, voltei para frente da casa e quando ia bater novamente a porta se abriu lentamente e uma mulher de costas para a porta mandou-me entrar:
“ Entre, Bárbara, essa será sua nova casa.”
Entrei e ela se virou para mim. O rosto dela era, na verdade, meu reflexo num espelho pendurado na parede. A casa era o portão de um cemitério, o espelho partiu-se e eu acordei. Pronto, acabou! Satisfeita?
— Sim, ou melhor, mais ou menos… Amiga, sei que você odeia esse assunto, mas, você não acha que esse pesadelo pode ter alguma coisa a ver com a Beatriz? — Perguntou Lívia observando a reação de Bárbara com cautela.
— Não! Agora tenho que ir, tchauzinho! — Levantou-se e saiu batendo a porta atrás de si.