capítulo 1
O cheiro do vinho caro se espalhava pela mansão, enquanto risadas abafadas eram ouvidas, disfarçando o verdadeiro propósito daquele encontro. Homens de ternos sob medida e mulheres com joias exuberantes ocupavam o espaço, conversando sobre negócios, alianças e poder. Mas, para Amara Delucci, tudo aquilo parecia sufocante.
Sentada ao lado de sua mãe, Carmela, Amara mantinha a postura perfeita que havia sido ensinada desde criança. As costas eretas, as mãos pousadas no colo e o sorriso gentil que não chegava aos olhos. Ela usava um vestido preto justo, com detalhes em renda que acentuavam sua figura esguia, mas não se sentia bonita. Se sentia uma peça de exposição, algo para ser admirado e, talvez, negociado.
Aos 20 anos, Amara havia aprendido a ser a filha perfeita. Nunca questionava as ordens de seu pai, Consigliere Giovanni Delucci, e sempre cumpria as expectativas e regras impostas a ela. Mesmo que por dentro, ela fervesse. O controle absoluto que seu pai exercia sobre sua vida a deixava com a sensação de que estava presa em uma gaiola dourada, onde cada decisão já havia sido tomada por ela antes mesmo de nascer.
Naquela noite em particular, Amara sabia que algo estava acontecendo. Giovanni estava especialmente sério, sua expressão dura estava mais fechada que o normal. Ele estava sentado na cabeceira da longa mesa de jantar, com um charuto entre os dedos, observando seus convidados como um rei controlando seu reino. Amara sentiu o olhar dele nela, avaliando-a, como se estivesse confirmando que ela estava exatamente onde deveria estar.
Enquanto isso, Carmela, sua mãe, sussurrava instruções.
— Endireite o queixo, figlia mia. Não demonstre fraqueza. Os olhos deles estão em você.
Amara obedeceu, embora o desconforto crescesse em seu peito. Ela queria gritar, mas sabia que isso era impossível. Na família Delucci, a rebeldia não era tolerada, especialmente vinda dela, a única filha de Giovanni.
O silêncio na sala foi rompido quando Giovanni se pronunciou, erguendo uma taça de vinho. Sua voz grave atraiu a atenção de todos.
— Senhores e senhoras, esta noite marca o início de uma nova era para nossa família.
Amara sentiu o coração acelerar.
— Nos últimos anos, enfrentamos batalhas que colocaram à prova nossa força e nossa união. Mas hoje, tenho o prazer de anunciar uma aliança que solidificará nosso poder e garantirá a prosperidade de nossa linhagem.
Os murmúrios começaram, mas Giovanni levantou a mão, pedindo silêncio.
— Minha filha, Amara, será a esposa de Samael Vittore.
O mundo de Amara parou. Ela piscou, tentando absorver o que acabara de ouvir. O nome era familiar, mas distante. O sottocapo Samael Vittore, era o anjo caído, chamado de veneno de Deus, por ser o executor e o próximo na linha de sucessão da máfia italiana. Um homem implacável, perigoso e que estará sentado em um trono de corpos.
Ela sentiu todos os olhares da sala se voltarem para ela.
— Com licença — murmurou, se levantando abruptamente e saindo antes que alguém pudesse impedi-la.
o ar frio da noite bateu em seu rosto enquanto ela atravessava os degraus de mármore que levavam ao jardim. Os risos da festa ficaram abafados, substituídos pelo farfalhar das árvores e a água de uma fonte próxima. Amara caminhou apressadamente, os saltos afundando no cascalho, até alcançar um banco de pedra escondido entre as roseiras.
Ela sentou e tentou controlar a respiração, mas a raiva e o desespero tomaram conta dela. Tudo foi decidido sem seu consentimento. Como sempre.
— Você não pode fugir disso, sorellina. (irmãzinha)
A voz familiar de seu irmão mais velho, Matteo, a fez levantar os olhos. Ele estava encostado em uma das colunas, com as mãos nos bolsos do terno. Matteo era a sombra de Giovanni, o herdeiro perfeito, e embora houvesse momentos em que Amara sentia que podia confiar nele, sabia que, no fundo, ele também era um peão no jogo de poder do seu pai.
— Não me chame assim — retrucou ela, secamente. — E não estou fugindo. Só tomando um pouco de ar.
Matteo deu um passo à frente, com seus olhos escuros fixos nela.
— Sei que isso é difícil para você. Mas o casamento com Vittore é importante. Ele é... necessário.
— Necessário para quem? — Amara perguntou cheia de ressentimento. — Para o papai? Para a família? E eu? Minha opinião não importa?
Matteo suspirou, sentando-se ao lado dela.
— É assim que funciona, Amara. Você sabe disso. Somos parte de algo maior. O que fazemos não é só por nós. É pelo legado. Pela sobrevivência.
Amara riu, um som amargo que se espalhou pelo jardim inteiro.
— Sobrevivência? Estamos vivendo em uma prisão, Matteo. Uma prisão com paredes feitas de ouro.
Ele não respondeu, apenas olhou para o horizonte. Depois de refletir, ele colocou a mão no ombro dela.
— Vittore é perigoso, mas ele também é leal. E, de todos os homens com quem o pai poderia ter feito esse acordo, ele é o único que pode realmente te proteger.
Amara tirou a mão dele.
— Eu não preciso de proteção. Eu preciso de liberdade.
Quando Amara voltou à mansão, a festa havia acabado. Apenas Giovanni permaneceu na sala, sentado em sua poltrona, com o charuto aceso entre os dedos, como se tentasse bancar o poderoso chefão ou coisa parecida.
— Senta — ele ordenou, sem sequer olhar para ela.
Amara hesitou, mas obedeceu, se sentando na ponta do sofá em frente a ele. Giovanni inalou o charuto, soltando a fumaça antes de finalmente fixar os olhos nela.
— Você é minha filha. Meu sangue. E, como tal, carrega uma responsabilidade para com esta família.
— Eu não sou uma peça no seu tabuleiro, papà — ela respondeu, tentando manter a calma.
Giovanni riu seco e desdenhoso.
— Você é exatamente isso, Amara. Assim como eu fui para o meu pai e Matteo será para mim. Somos todos peças. A única diferença é que algumas peças são mais valiosas do que outras. E você, minha filha, será a rainha deste jogo.
Amara fechou os punhos, sentindo as lágrimas ameaçarem cair. Mas ela não deixaria que ele visse sua fraqueza.
— E o que acontece se eu recusar?
Giovanni levantou e caminhou até ela. Parou à sua frente, imponente como uma montanha.
— Você não vai recusar. Porque sabe o que está em jogo. Este casamento garante a paz entre nossas famílias. Garante a segurança de todos que você ama. E, acima de tudo, garante que você continue viva.
A última frase fez Amara engolir em seco. Ela sabia que Giovanni não fazia ameaças vazias. No mundo em que viviam, a lealdade e o poder foram construídos sobre sangue e medo.
Ele se inclinou, aproximando o rosto dela.
— Você é uma Delucci minha filha. E Deluccis nunca desobedecem.