"Sentia medo pelos desarranjos dos teus elos arranjados; temor por essa paz de contrato, mas amava essa paz sem contato, o que sempre me entregou foi o medo selvagem de teus olhos tristes. Queria pedir para me dar outra vez o favor de teu beijo, antes que teu amor por mim se corrompa pelas sombras daquela velha angústia que tenho de te ver casar com uma pessoa que te ama menos do que eu. Estou de volta e por hora, enterro no peito as velhas cinzas do meu crematório. É notório o meu arrependimento, queria mesmo era trazê-lo de volta em minha asa, pois se não voltar comigo, sei que será um eterno esqueleto a me caçar, apenas mais um cadáver pela casa”. – pensou Angélica.
Nossa bela antagonista segue rumo ao caminho da casa de Belisário enquanto fantasia versos de poemas para dizer ao seu amado no momento em que voltasse a encará-lo, olhos nos olhos.
“Espere, voltei por nós”.
Demorou um pouco até que ela percebesse, mas Gonçalves estava ligando desesperadamente para ela. E quando finalmente percebeu que estava tocando e vibrando, Angélica simplesmente encarou o visor e deixou pra lá.
– Eu não sou mais criança, será que eles não pensam nisso? – reclamou consigo mesma.
“Onde você está? Nós não estamos na Grécia, isso aqui não é Santorini, não é a Europa”. – foi a mensagem que Gonçalves enviou para sua agenciada.
Angélica leu irritada.
– Idaí? O que haver que aqui não é a Grécia? Que não estamos em Santorini? Não deve mudar tanta coisa assim! – disse ela com raiva.
Somente a título de curiosidade, Santorini, o lugar de onde Angélica veio, é uma das ilhas Cíclades no Mar Ageu. Ela foi devastada por uma erupção vulcânica no século 16 A.C., moldando para sempre sua paisagem ondulada. As casas brancas, em forma de cubo, das 2 principais cidades, Fira e Oia, ficam nas encostas acima da cratera submersa. Elas avistam o mar, as ilhas menores a oeste e as praias, constituídas de seixos de lava pretos, vermelhos e brancos.
Se você pesquisar no Google Imagens agora, não há dúvidas de que se interessará pelo lugar.
Não bastasse o irremediável ar mediterrâneo, boa parte das vilas desta ilha grega encastela-se dramaticamente sobre um penhasco debruçado sobre o mar, é sem dúvidas um dos lugares mais lindos do mundo. O azul das águas e o branco das casas caiadas são um feliz contraste para festins regados a ouzo e saladas de polvo untados do melhor azeite helênico. Se é que você gosta de frutos do mar, né?
Santorini não tem praias como Mykonos, nem é a casa de Afrodite, mas é a dica grega para casais apaixonados, o próprio Edmundo já disse inúmeras vezes que adoraria levar a Nanda para um final de semana neste lugar, mas enfim, vou acabar com a publicidade gratuita e retornar à história do livro.
E olha que nem deu espaço para falar do pôr-do-sol! Mas enfim, vamos à história...
“Porque ela está aqui? Como voltou? Porque vir atrás de mim?” – estes eram os questionamentos de mais profundos de Belisário, nosso protagonista não tão bonzinho assim como imaginávamos.
Belisário já não prestava mais atenção no filme, estava avoado, com a mente num outro lugar, numa outra pessoa, em outros sentimentos e emoções.
É até bem comum que Zoe apague durante os filmes, isso é até que bem comum, ela sempre faz isso quando estão vendo algo, pode até mesmo ser um filme que ela goste. Sua interatividade com os filmes jamais será a mesma, não é? Tadinha.
Mas Belisário, mesmo com sono, mesmo entediado, mesmo que tivesse de fazer algo, sempre assistia até o fim, somente para explicar com riqueza de detalhes para sua namorada.
Contudo, a mensagem de Angélica, realmente mexeu com seus sentidos, aquilo não era normal, Belisário que sempre foi calmo, tranquilo e sereno, encontrava-se inquieto com tudo aquilo. Lembranças ruins e boas, felizes e amargas parece que surgiram no exato momento em que viu as notificações chegarem em sua conversa arquivada com Angélica.
Ele acariciou o cabelo de Zoe, era muito cheio e bagunçado, mas mesmo assim, Belisário adorava. Mas logo a deixou de lado, arrumando-a carinhosamente do lado esquerdo da cama, virada com o rosto para o outro lado. Ele tirou do filme e pôs numa programação aleatória na “Discovery Home and Health”, algo como dois irmãos que faziam obra em casas de pessoas estranhas. Zoe amava, ele sabia que caso acordasse, iria adorar escutar aquilo.
Belisário se levantou, caminhou até a cozinha e adivinhe só, fez o que toda a pessoal normal faz quando quer refletir em algo. Belisário simplesmente abriu a geladeira para pensar.
Mas após alguns segundos e várias encaradas pensativas para o tomate, o caqui, as laranjas e cebolas, ele chegou a única conclusão possível para aquele momento.
“Não adiantou nada”. – imaginou indgnada.
Foi nessa hora que seus sentidos lhe traíram e ele se assustou com a presença de Zoe logo atrás. Belisário deu um pulo, ela realmente lhe pegou de surpresa.
– O que foi? Desculpa, não achei que fosse te assustar. – gravou Zoe assustada.
Porém, Belisário que sempre estava com o celular, se distraiu e não saiu da cama com ele. Nosso protagonista então, foi até o quarto e leu o áudio convertido dela.
Belisário simplesmente desconversou com abraços e carinhos. Zoe deixou pra lá, eles se conhecem.
Mas será mesmo? Longe de mim criar intriga entre o casal, mas enfim, siguimos.
Zoe está com fome, afinal, já estamos próximos de almoço, como ela não é de comer muito, sempre pega um pão de forma com queijo antes de Belisário se movimentar. Mas ao ver que estava sem pão e o seu estômago, roncar pesado, ela pede auxílio à ele.
– Amor, o pão acabou, pode comprar? – leu Belisário.
– Vou sim, tenho que comprar algumas coisas no sacolão que acabou, aproveito e faço tudo de uma vez antes do almoço, aí nós terminamos de assistir ao filme de tarde, pode ser? – escutou Zoe.
Ela olhou para ele e balançou a cabeça positivamente.
– Deixa eu trocar de roupa rapidinho que eu já desço. – escutou Zoe.
Belisário vai para o quarto e tranca a porta. Zoe ri, pois eles sempre agem como se ela pudesse ver tudo, logo, ele não a observa no banho, nem ela fica ao seu lado quando ele está nu.
Mas calma aí? Como a Zoe sabe que o pão acabou? Enquanto Belisário vai trocar de roupa, deixa que eu explico!
É que geralmente, tudo em casas de cegos ficam num determinado lugar, não havendo qualquer mudança de local, pois o cego tem que saber pelo tato as coisas que possui. E memória é uma coisa que todo o cego tem e muito bem. Zoe então? Nem se fala! Ela guarda de cabeça a numeração dos controles da sala e do quarto, bem como o teclado do computador, notebook e de seu celular. E isso é uma coisa que nós nem ao menos ligamos, o próprio Belisário que enxerga, não grava.
As casas de cegos simplesmente não mudam os móveis ou os objetos de lugar, se for algo pequeno como um controle remoto, um fone de ouvido, muito menos. Alimentos essenciais ou coisas pequenas, como arroz, feijão, algum lanche, pão, biscoito e afins, ficam numa mesa bem exposta para que o deficiente possa se achar. E sempre que possuem algum auxiliar, como é o caso de Zoe, ele deve por obrigação, avisar o que é e onde estão determinadas coisas e objetos, alimentos e tudo aquilo que possa machucar o deficiente.
Belisário, atencioso que só, sempre avisa onde colocou o controle da televisão, o shampoo, copos e tudo mais, É somente assim que Zoe consegue se localizar em casa, mesmo não enxergando mais. Isso evita o ato dela ter que passar a mão em todas as coisas para se achar, evitando também o risco dela se machucar.
Nosso herói, ainda deu para Zoe um bônus, pois assim que se mudou de vez para casa dela, comprou potes de plástico com divisórias para ela organizar tudo aquilo que quisesse sem a sua ajuda. Organizadores de plástico retangulares, bem como pequenas divisórias para gavetas, a fim dela saber exatamente o que é faca, garfo ou colher.
Zoe já não anda mais tão perdida assim.
Às vezes me pergunto de vale a penas mesmo tudo isso, mas segundo os próprios pensamento dele.
“A normalidade é um caminho pavimentado e confortável para andar, mas nele, não nascem flores”.
Belisário saiu do quarto e se despediu, mas Zoe lhe puxou pelo braço e correu para lhe dar um beijo. Óbvio que aconteceu, mas ela o sentiu meio distante, ele meio que hesitou ao beijá-la e mais uma vez se assustou.
“O que será que aconteceu?” – imaginou ela questionativa.
Zoe chegou à imitar sua sogra, ela ergueu sua sobrancelha num tom exageradamente questionador
Belisário logo tratou de descer e ir até a padaria próxima, iria servir para pensar, deixar a mente mais vazia. Contudo, não tinha pão e o pequeno sacolão que tinha dentro da padaria, não tinha tudo o que ele queria.
“Vou no próprio sacolão”. – pensou.
Belisário esticou a viagem um pouco mais e caminhou até o sacolão que ficava umas duas ruas de distância do apartamento de Zoe.
No caminho, ele viu algumas garotas, admirou alguns rostos e flertou com a face da Angélica, mas não era ela, tudo não passava de uma peça que sua mente pregou.
“Que idiotice, ela não sabe da Zoe, não virá para a casa dela. – imaginou.
Ao chegar no sacolão, adivinhem só, ele estava fechado. Alguns sacolões não abrem na segunda neste ponto da cidade. Como estava mais acostumado a comprar coisas nos arredores de sua casa, não poderia prever essa situação.
“Mas espera... Se ela não sabe da Zoe, a casa que ela se refere é a da minha mãe”. – pensou.
Mais do que depressa, Belisário pediu um Uber e foi para sua casa com a pior desculpa do mundo.
“Vou no sacolão que fica ali perto”.
Parece que Belisário e Angélica vão se reencontrar depois de muito tempo que não se falam, o que poderá sair disso?
“Não pensava nela desde o dia em que ela se foi. Angélica sempre foi o meu primeiro amor e eu me lembro de como realmente ficava rendido à ela. Aquele entusiasmo era contagiosamente febril, Angélica tinha uma alegria física que inundava as faces de quem ousa-se lhe encarar. Quando estávamos juntos, deixava todo o resto sem sentido. O que veio antes e o depois, ficava para mais tarde. O que realmente importava era a alegria de estar ao lado dela. Como eu amava amar aquela garota”. Isso é um risco que eu devo correr, são dívidas do passado que eu preciso pagar”. – pensou Belisário.
Um pouco distante do lugar onde Belisário estava, encontrava-se nossa querida antagonista que havia acabado de sair da estação de metrô com pressa.
“Eu devo ser i****a, mil loucos por mim e eu seguindo em direção à ele. Nem um oceano de distância pode calar o que sinto. Espero que ele continue o mesmo, mas espero mais ainda que eu não dê bandeira perante aqueles olhos. Não sei como o meu coração vai reagir a tudo”. – pensou ela.
Eu sei. Você sabe. Aliás, todo mundo sabe que a medicina, o direito, a administração, bem como a engenharia, a contabilidade e a ciência; todas são atividades nobres e essências para a vida.
Mas as letras, a literatura, a poesia, o romance e o amor, são coisas pelas quais se vale a pena viver.
É claro e até que bem óbvio que o necessário é o prático da vida, mas não há dúvidas de que uma vida sem amor, sonhos e poesia, é uma vida fria demais. Mas até que ponto? E até quando devemos insistir?
A vida é urgente e a urgência destes corações lhe levaram para direções opostas. Mas agora, Belisário e Angélica estão prestes a se reencontrar. O que será que o deus do destino e a senhora da casualidade, planejam?