No dia seguinte, levantei com uma enorme dor de cabeça, e os olhos mais vermelhos do que um tomate ou qualquer coisa que seja puramente vermelha.
Sim. Hoje seria um longo dia. Isso eu já previa assim que olhei no despertador que nem havia despertado ainda.
Dessa vez, como de costume, minha mãe tinha saído cedo para o trabalho.
Por conta da nossa falta de comunicação, minha mãe sempre deixava recados fixados na geladeira.
“Pedi para Corline, te trazer torta antes de você ir para o colégio.
Mamãe”
Ela me deixou o maldito bilhete como se eu fosse me esquecer de tomar café, ou não soubesse preparar um chocolate quente e pegar um pacote de bolacha dentro do armário.
Assim que amassei o recado, a campainha tocou e eu rapidamente abri a porta para Corline, uma garota alta cheia de curvas, cabelos loiros, olhos grandes da cor do céu e bochechas que sempre ganhavam um tom rosado quando eu conversava com ela mostrando claramente sua timidez.
– Sua mãe... Me pediu para trazer para você – ela diz timidamente me estendendo um pequeno pote de plástico laranja
– Ãhn... Obrigado – peguei o pote sem jeito – Não precisava – ela sorriu – Você deve achar que eu não sei preparar meu próprio café – soltei um riso sem graça coçando a nuca.
– Tudo bem Seth. Não foi incomodo algum – Corline escondeu as mãos no bolso da calça de moletom se preparando para ir embora, porém ainda não tínhamos nos despedido.
– Bem... – era normal ficarmos sem assunto, já que eu nunca via a garota que vivia trancada em casa e sempre se escondia no colégio – Gostei da camiseta – comentei observando sua camiseta da banda The 1975.
– Ah, obrigada – ela corou – Então... Eu acho que eu já vou – ela deu um passo para trás e eu assenti.
– A gente se vê – me preparei para fechar a porta e ela por fim deu as costas, se direcionando para a casa amarela em frente a minha.
Antes de fechar a porta, observei a garota se aproximando da casa, com as mãos na calça larga de moletom estampada com dedos do meio por toda a parte.
Nunca entendi muito bem o por quê Corline se escondia do mundo. Uma garota tão inteligente, linda, cheia de qualidades e cheia de curvas, tinha tudo para entrar no Grupinhos dos Descolados. Porém escolheu o quarto e um canto isolado do colégio para se esconder do mundo.
Nunca a vi com nenhuma amiga ou namorado. O que me faz pensar que sou o único amigo dela.
É tão estranha a sensação que sentimos quando vemos em uma pessoa algo errado. Algo que não entendemos, algo que nos diz que tem de ser mudado nela - Tudo bem, que não temos o direito de mudar o jeito de uma pessoa, mas muitas delas estão presas em si mesmas, gritando por uma mudança, implorando por algo novo.
– Corline!– chamei e ela por sua vez, se virou para mim – Aceita tomar um café comigo?– ela corou balançando a cabeça negativamente – Por favor estou sozinho hoje, e acho que você também deve estar – insisti.
– Eu ainda tenho que me trocar para o colégio.
– Nós podemos tomar um café rápido – dei os ombros e ela acabou cedendo ao meu convite.
Como o previsto, Corline não disse nada então eu resolvi puxar assunto.
– Eu nunca mais te vi – comentei.
– Eu também nunca mais te vi – ela disse.
– Você está indo para o colégio? – perguntei novamente.
– Todos os dias – respondeu ela dando um gole no café.
– Eu quase não te vejo lá – dei os ombros dando uma mordida no pedaço de torta.
– Eu também quase não te vejo – ela respondeu mordendo o lábio envergonhada.
– Por que se esconde? – ela arqueou a sobrancelha claramente confusa com a minha pergunta – Por que é tão fechada, se esconde no colégio e não tem amigos? – mordi a língua depois de tantas perguntas que não eram da minha conta.
– Eu não me escondo Seth – ela soltou um riso – Eu só não fico tentando me encaixar nos grupinhos do colégio – ela deu os ombros e mordeu um pedaço da torta – Até porque, eu não me enquadro em nenhum deles.
– Então você escolheu isso? – ela pigarreou desviando os olhos de mim.
– Eu me sinto bem onde estou – ela cortou completamente minha linha de raciocínio.
– Está me dizendo que se sente bem sozinha? É uma opção não ter amigos? – ela mordeu o lábio e me encarou fazendo com que eu me sentisse um tremendo b****a por ter feito tantas perguntas desnecessárias.
Tudo era tão óbvio. Claro que aquilo não era uma opção. Ela queria amigos, todos querem, e ela queria sim fazer parte de um grupo de pessoas que tivessem os mesmos ideais que ela. Mas estava acostumada com a vida que estava levando. Ela precisava de uma mudança.
– Não faz sentido Corline – quebrei o silêncio e ela assentiu suspirando.
– Claro que faz sentido. De que adianta, estar em um grupo apenas por status? – disse a mesma encarando a xícara de café – Eu prefiro ser a esquisitona, a que ser rodeada por pessoas e me sentir solitária no meio delas.
– Você deixou eles te rotularem assim? – indaguei – Você gosta de ser a esquisitona? – ela mordeu o maxilar.
– Isso não é da sua conta – a garota se levantou atrapalhando-se com a toalha da mesa derrubando tudo sobre o chão, um soluço escapou de seus lábios e ela suspirou limpando uma lágrima solitária que escorreu em seu rosto – Por que tá me falando isso? – choramingou ela dando as costas dali, porém eu segurei em seu braço e ela soluçou fechando os olhos com força, e eu a abracei. Tudo bem que não sei abraçar uma pessoa, e ainda mais uma garota, mas eu a envolvi em meus braços e acariciei seus cabelos totalmente sem jeito – Você acha que é uma opção ser a garota estranha do colégio? Acha que eu escolhi ouvir aquelas piadinhas sobre mim?
– Me desculpe, não devia ter... Me desculpe – mordi o lábio e fiquei ali em silêncio enquanto os soluços dela ecoavam pela casa – Está presa em si mesma. Precisa de uma mudança. Está andando em uma linha reta, forrada de rótulos sobre quem você é, mas na verdade sabemos que você é uma garota incrível, linda, inteligente e que sabe fazer tortas. E cheias de curvas meu subconsciente reforçou.
– Não é fácil mudar Seth – retrucou.
– As pessoas mudam constantemente. É de lei Corline – levantei seu queixo encarando seus olhos azuis – Uma hora você está andando em uma linha reta cheia de rótulos e regras e aí descobre que essa linha reta era só uma pista de decolagem, e aí você decola e encontra um céu inteiro para voar – me vi repetindo as palavras que Rosalyn havia proferido a mim.
– E por acaso você já decolou dessa pista de decolagem? – por fim disse com voz embargada e num movimento rápido, ela saiu pela porta em disparada sem olhar para trás.
– Vejo vocês na próxima aula – se despediu a professora enquanto saíamos da sala para o almoço.
Como sempre, pegamos nosso lanche e nos sentamos em uma mesa ao ar livre, ao lado de uma turma que treinava seus textos para o teatro.
– Você fumou ou assistiu E.T e chorou com o final?– Lucca me perguntou se referindo aos meus olhos vermelhos.
– Cheirei ** – retruquei cortando a brincadeira.
– Hey cara, relaxa foi só uma brincadeira – Matt disse com os olhos focados na turma da mesa ao lado, que treinava as falas da peça Razão e Sensibilidade – Essa peça é demais – comentou.
– Por que não entrou para o clube de teatro? – perguntei a ele que deu os ombros.
– Meu pai. Diz que teatro é coisa para quem não tem o que fazer.
– E por acaso você tem alguma coisa para fazer? – disse Nathan gargalhando.
– Meu pai quer que eu seja advogado.
– Você tem que fazer o que gosta e não o que ele quer – comentei dando um gole em minha soda.
– É fácil falar – Disse ele voltando a nos encarar na mesa, enquanto Elinor brigava com Marianne por causa de Brandon.
Não vi Rosalyn ainda, nem o grupinho dos descolados, o que me faz pensar, que eles devem ter aprontado algo.
Lúcia e Anabel se sentaram-se à mesa junto conosco, e por serem garotas muito falantes, não deram espaço para que eu parasse e levantasse uma lista de lugares aonde os Descolados poderiam frequentar a essa hora.
– Hoje vai ter uma daquelas famosas festas na casa de Ash – Anabel comentou conosco – Só os descolados vão.
– Isso é ridiculamente ridículo – Nathan resmungou.
– É ridículo, mas você bem que queria ir – Lúcia rebateu e o loiro revirou os olhos.
– É só uma festa i****a – murmurei fazendo Matt concordar.
– Mil vezes Netflix – disse ele dando uma bela mordida em seu sanduíche.
Pelo gramado, vi Rosalyn surgir de repente, andando em disparada até um lugar aonde quase ninguém ia. Estava pálida, e com os olhos arregalados e inchados.
– O que houve? – Lucca apontou para ela que já conseguira atrair milhares de olhares curiosos.
Me levantei como se ela estivesse me puxando para ir junto com ela. E eu não hesitaria.
– Cara, você deve ter cheirado ** de verdade. Ela é a ROSALYN JONNES! Daqui a pouco, milhares de pessoas vão ir atrás dela saber o que aconteceu e você será só mais um – Nathan segurou em meu braço.
– Seth, deixa a garota em paz– Matt torceu o nariz e eu bufei me distanciando deles.
Andei o mais depressa que consegui, me aproximando da garota que vestia a roupa mais descolada que já vi.
Rosalyn vestia uma calça verde exército cintura alta. Aquelas calças que marcam todas as curvas de uma garota, sua camiseta era branca lisa, e parecia estar do lado do avesso, por conta das costuras de fora. Porém atrás havia uma frase que deixava bem claro que a blusa estava do avesso de propósito. Na verdade, era uma das frases mais irônicas que já vi “Eu uso a blusa do lado que eu quiser”
Por fim, consegui me aproximar da garota que estava sentada na mureta de concreto, ao lado de Corline que reparou minha presença e saiu dali.
Tive uma imensa vontade de ir atrás dela e pedir desculpas por hoje cedo. Mas Rosalyn precisava de mim, na verdade ela não precisava de mim, mas eu precisava dela.
A mesma tinha um cigarro entre os lábios, e neste momento eu desejei ser aquele cigarro para sentir seus lábios me tocando. Mas ao invés disso, eu me repreendi e percebi que seus olhos sem vida me encaravam.
– Vai embora Seth. Quero ficar sozinha – disse ela dando as costas.
– O que houve? – ela bufou se virando para mim novamente.
– Não dá mais Seth. Não consigo mais continuar com isso! Está tudo errado – frustração era evidente em sua voz.
– Continuar com o que?
– f**a-se – murmurou ela e em seguida escondeu o rosto em meu peito – Estou cansada, cansada disso – ela repetia varias e várias vezes, sem me dar espaço para falar ou para respirar.
Estávamos tão próximos um do outro que eu podia sentir o cheiro de seus cabelos. Doce. A colônia frutal, e o óleo corporal que ela usava eram maravilhosos. O melhor cheiro que já senti até agora. As melhores combinações de aromas do mundo estavam ali, ao meu redor. E mais tarde quando eu estivesse em casa, eles continuariam em minha roupa, e eu choraria amargamente quando tivesse que lavar aquela blusa. Com o cheiro de Rosalyn.
Então eu apenas a abracei, mesmo sem saber do que ela estava cansada. Suas pequenas mãos apertavam minha cintura e ela soluçava freneticamente. Foi um dos abraços mais estranhos. Rosalyn apertando minha cintura, e eu sem saber aonde colocar as minhas mãos.
Claro que eu não esperava aquele abraço. Rosalyn nunca abraçaria alguém. Não a nova Rosalyn. E sim a antiga Rosalyn, a Rosalyn que chorava em meus braços toda vez que zuavam conosco no sétimo ano, ela me abraçava quando tirava um dez no teste de matemática. Ela me abraçava, e sentia-se segura no meu abraço, e agora ela estava aqui, como quando éramos mais novos.
Nathan estava certo, eu seria só mais um a chegar e perguntar, o que houve com ela. Porém eu fui o primeiro.
– Pode me dizer o que houve – falei junto ao cabelo dela.
– Só continua aqui, e diz que vai passar – disse ela em meio a um soluço – diz que vai passar Seth – ela insistiu.
– Vai passar Rosalyn – eu disse dando-lhe um beijo na testa – Vai ficar tudo bem – sussurrei enquanto suas lágrimas molhavam minha camiseta preta.
– Vai passar – disse ela para si mesma – Tudo bem Rosalyn, vai passar – ela gemeu frustrada, e eu a puxei para mais perto de mim, enquanto ela soluçava sem se importar com os olhares curiosos ao nosso redor.