Seja forte

1358 Words
Após ouvir a explicação da recepcionista Derek balançou a cabeça em agradecimento e afastou-se do balcão em direção as cadeiras da recepção. Ele estava ali para ter notícias do tio que passava por uma nova intervenção. A terceira desde que o homem saíra da UTI. Peter era um dos três últimos Hale, sobrevivente do incêndio que dizimara sua família. Mas não escapara ileso: tinha queimaduras profundas e terríveis deformando seu rosto, um ferimento tão profundo que nem o fator de cura sobrenatural ajudara a curar. E o homem estava em um estado de catatonia. Talvez nunca superasse o trauma. Laura Hale, a mais velha, fora chamada a delegacia novamente, para saber detalhes do andamento das investigações. A prova definitiva de algo que já desconfiavam: o incêndio ter sido um ato criminoso. Derek não queria pensar nisso agora. Não queria pensar na família assassinada covardemente, humanos e lobisomens, nem imaginar a dor que sentiram em seus derradeiros momentos. Se começasse a pensar demais seu coração adolescente não agüentaria. O importante era estar ali e dar apoio para Peter, quando ele saísse da sala de cirurgia. Laura estava ocupada e não sobrara mais ninguém da até então numerosa família... Ele se sentara na primeira fila das cadeiras desconfortáveis. O lugar estava vazio e silencioso. Com exceção dele e da mulher da recepção. Um tanto incomodado olhou para ela, que continuava concentrada preenchendo formulários. Alguma coisa no local estava deixando seu lobo inquieto. Primeiro pensou que fosse o cheiro de tristeza e desesperança que as pessoas deixavam em uma sala de espera, mesmo que já tivessem partido. Ainda era jovem e não controlava os sentidos sobrenaturais muito bem, mas para surpresa de Derek ele percebeu que não era a sensação deixada por alguém que passara por ali. A sensação era de alguém que ainda estava ali! Alguém faminto, ficou bem claro e não vinha da mulher na recepção. Curioso e confuso, olhou ao redor. Estreitou os olhos concentrando-se ao máximo. A sensação vinha direto do fundo da sala, da última fileira de cadeiras. O lobisomem hesitou brevemente, mas acabou levantando-se e indo até lá verificar. Encontrou um garotinho deitado no banco, com as mãos cruzadas sobre a barriga. Os grandes olhos castanhos voltaram-se para Derek observando-o com a mesma curiosidade com que era observado. Ele usava um curioso traje amarelo, que parecia um pijama. Porém de um estilo que Derek nunca vira antes. – Oi! – o menino sorriu e Hale viu que faltava um dente de leite na fileira de cima. – Oi – respondeu de volta – Está perdido? – Não! – a criança respondeu se sentando direito na cadeira – Meu pai vem me buscar eu. Ele é o xerife. Mas ele ta atrasado. – Ah... – Eu veio visitar a mamãe. Ela ta internada aqui. Minha mamãe ta com câncer. Eu não sabe o que é isso de câncer. Acho que o câncer tira a energia, porque a mamãe ta fraquinha. Por isso hoje eu sou o Pikachu e vim dar energia pra mamãe. Derek ergueu as sobrancelhas, surpreso com a enxurrada de palavras. Não compreendeu a última parte, mas sentiu-se penalizado pela situação do menino. Tão jovem e passando por algo tão doloroso, ainda que a inocência infantil amenizasse um pouco e o protegesse da c***l realidade. Acabou sentando-se ao lado dele, assim fazia companhia até que o pai chegasse. – Não encosta! – o garotinho arregalou os olhos e se afastou para o lado – Eu sou o Pikachu! Se você encostar vai levar um chocão assim. O Pikachu é o Pokemon mais melhor de todos, ele nunca perde. Ele é forte. O papai diz que eu tem que ser forte para ajudar a mamãe. Então eu vai ser forte que nem o Pikachu. – Ah, obrigado pelo aviso, Pikachu – a frase clarificou um pouco as coisas, claro que Derek já ouvira falar sobre aquele desenho. Conseguiu até associar o pijama que o menino usava com o personagem fictício – Como se chama quando você não é o Pikachu? – Stiles! – respondeu e brindou Derek com o sorriso janelinha iluminando o rosto salpicado de pintinhas. – Prazer, Stiles. Eu sou o Derek. – Prazer. Mas não conta para ninguém que eu é o Stiles. – Pode confiar em mim – o lobisomem analisou a criança ao seu lado. Por um segundo uma dor esmagadora atravessou-lhe o coração. Flashes aleatórios do passado vieram a mente do jovem. Cenas de jantares em família, feriados, reuniões cheias de vida e alegria, com crianças da idade daquele menino, enérgicos... inocentes. Naquele momento Derek se deu conta de que conviver com aquela ausência, com aquelas preciosas lembranças seria o preço a se pagar por ter sobrevivido. Talvez o tempo amainasse o sofrimento, porém nunca o afastaria por completo. – Derek...? – o banguelinha perguntou intrigado pela expressão distante do rapaz. – O que foi? – Sua mamãe também ta com isso de câncer? Eu pode ir até lá no quarto dela e dar um pouco de energia. Ela vai melhorar se eu fazer isso! Foi impossível não sorrir. – Obrigado. O problema não é minha mãe – sua voz soou distraída. Então lembrou-se do motivo que o incomodara a princípio – Você está com fome? – Um pouco! Meu papai ta atrasado. Ele é o xerife e prende os bandidos. Eu acho que ele vai prender quem roubou a energia da mamãe e deixou ela com isso de câncer. Aí ninguém no mundo todo vai ficar com câncer. Meu papai é o Raichu! Eu vou ser o Raichu quando mim crescer. Você também é um Pokemon? Derek pode ser o Charizad. Não, não pode. O Charizard me da um pouquinho de medo, mais só um pouquinho. E o Derek não me dá medo. O lobisomem balançou a cabeça diante da tagarelice, como se acreditasse seriamente em tudo o que ouvia. Ele não tinha pretensões de destruir a ilusão do garotinho. – Não sou um Pokemon. Stiles girou os grandes olhos castanhos e respirou de forma ruidosa. – É de mentirinha, Derek! Eu não sou o Pikachu de verdade! Mas nem conta pro câncer, senão ele num vai embora. Promete? – Prometo. Espere aqui que eu vou pegar algo para você comer, está bem? – Oba! Derek levantou-se e foi pedir informações para a recepcionista sobre um lugar onde pudesse comprar guloseimas e ela lhe indicou a cantina que tinha acesso contornando o prédio. O rapaz até que foi rápido, mas quando ele voltou com duas barras de chocolate e uma garrafinha de suco, o Pikachu banguela não estava mais ali. A funcionária explicou que o xerife tinha acabado de sair dali com o filho. Hale ficou triste por sequer ter tido a chance de se despedir, voltou a sentar-se numa das cadeiras e aguardou por horas. O procedimento de Peter foi bem sucedido e ele recebeu alta no dia seguinte, saindo do hospital direto para uma casa de repousos. Derek foi embora para viver com Laura e a vida entrou nos trilhos. Beacon Hills passou a ser parte do passado e ali ficou. Ainda que vez ou outra as imagens de um sorriso faltando um dente e de pijamas j*******s flutuasse em sua mente, fazendo um sorriso suave bailar por seus lábios. D&S Anos depois, quando Derek veio investigar o Alpha que rondava Beacon Hills um cheiro conhecido de inocência e juventude o envolveu. Um aroma que o lembrou de sorrisos com janelinha e pijamas do Pikachu, o Pokemon mais forte de todos. Ele soube perfeitamente quem encontraria. E como o encontraria. Não apenas pelo que revelava aquele cheiro tão peculiar, mas pela forte intuição que o acompanhara todos os dias dos últimos anos. Derek nunca encontrara outra pessoa com uma alma tão pura quanto a daquele garotinho e tão iluminada criatura não mudaria fácil. Por isso sequer tentou lutar contra o sentimento que carregava no fundo coração e que explodiu ao confirmar suas suspeitas: Stiles continuava aquele menino lindo, maravilhoso por dentro e por fora. O humano que conseguira algo impossível até então, fazer Derek abrir as portas do coração e permitir que alguém entrasse sem ressalvas.
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