Capítulo 01
— Você só pode estar louca Lívia, desde que seu pai morreu você não ouve mais ninguém. — A minha mãe Cláudia grita enquanto eu estou no banheiro do meu quarto me arrumando para o meu emprego novo, aliás no meu primeiro emprego na minha área que é a pedagogia.
— Mãe a senhora precisa relaxar, eles são só pessoas como nós — Confessei pegando a mochila em cima da cama vendo a mesma me olhar.
— Claro! São pessoas, não desmereci ninguém, mas são pessoas que moram numa favela, cheio de bandidos armados, prostitutas, tiroteio — Ela dizia sem parar.
— Mãe, entendo a sua preocupação mas devia diminuir o uso da televisão aqui em casa.
— Vai me dizer que não existe nada disso lá? — Ela me fita de cima a baixo.
— Todo tipo de m*l existe não é? Mas onde eu vou não, é só uma escola cheio de pequeninos que precisam de educação — Ela finalmente olha-me como se confiasse em mim.
— Você não está pensando de ir com aquela moto não é? — Perguntou arqueando uma de suas sobrancelhas.
— Acha que a Amanda vai liberar o carro pra mim? — Eu ri com escárnio — Eu também não ligo muito pra isso, até gosto mais da moto.
— Ela não tem que liberar nada, o pai de vocês deixou aquele carro para as duas — Afirmou.
— Diga isso a sua filha, a Amanda nunca gostou da moto do papai.
— Amanda sempre foi dengosa, nunca gostou de correr esse medo, talvez por isso ela tenha se tornado enfermeira.
— Que corajosa hein mãe. — Ela deu um sorriso rápido — Não é pra julgar sua irmã Lívia, nada vai me fazer esquecer que você resolveu dar aula numa favela, aí meu deus eu não vou sair de perto desse celular — Me aproximo dela e dou um beijo na testa
— Amo você tá bom? Faz um jantar bem caprichado hoje pra gente comemorar.
— Que Deus te proteja minha filha — Ela diz enquanto pego o capacete e abro o portão da garagem.
Bom como já perceberam agora a pouco meu nome é Lívia, Lívia Azevedo para os mais distantes, e sim, sou uma professora recém formada que a poucos dias recebeu uma proposta de dar aula no morro da Rocinha, e como eu nunca fuji de nada nessa vida não era agora que isso iria acontecer.
A bendita moto que a minha mãe mencionou é uma honda twister 160 preta nada luxuoso como podem ver, o meu pai amava andar nela, e eu também, foi ele que me ensinou a pilotar com apenas doze anos. O meu pai se chamava Fernando e ele infelizmente nos deixou ano passado por conta de um infarto, a morte dele foi um tremendo choque pra todas nós, mesmo não sendo o meu pai de sangue eu o amava incondicionalmente. Meu pai nunca foi um cara rico, quando minha mãe se casou, ele só tinha uma bicicleta, aos poucos foram conseguido se erguer e juntos abriram uma empresa de granitos e móveis planejados. Com o tempo as coisas foram melhorando e hoje moramos numa casa boa aqui no bairro São Conrado zona sul do Rio de Janeiro. Vivemos os melhores dias da nossa vida ao lado dele, um homem íntegro e humilde que me ensinou que nenhum ser humano é destiguido por rótulos e classe social. Meu pai é minha mãe tiveram uma única filha biológica, a Amanda, dois anos mais nova que eu apenas. Nós não somos melhores amigas mas nunca fomos inimigas também, depois que nosso pai morreu ela simplesmente não me olha como antes, já ouvir conversas dela com minha mãe dizendo que eu não tinha direito a nada do nosso pai, que ele apenas tinha tido pena e me criado por caridade, aquilo me doeo muito. Eu tinha apenas dois meses quando minha mãe se envolveu com o Fernando, e foi ele que quis me registrar e me assumir como sua filha de sangue. E apesar de não fazer questão de herança nenhuma minha mãe sempre afirmou que nada que o meu pai tinha era dele sozinho, ela ajudou, lutou com ele dia e noite e eu também era filha dela, do sangue dela, e da barriga dela.
Agora um pouco mais sobre mim, tenho vinte e dois anos, cabelo castanho liso de um tamanho médio, 1,69 de altura de olhos castanhos e pele branca. E bom, talvez agora surgiria a dúvida, porque ser professora? Não sei responder, meu pai queria que eu fosse uma médica, até me matriculou em uma faculdade mas eu sentia que eu não seria feliz fazendo aquilo, e foi então que lhe disse o meu verdadeiro sonho. Meu pai é claro entendeu, me apoiou e hoje já estou formada. A escola onde eu fiz todo o meu estágio me informou que uma favela próxima estava precisando muito de professores, e me ofereceu uma vaga lá que além do mais, paga muito bem. Perguntei a eles o porque daquele valor ser mais alto e eles me responderam que o chefe de lá preza por uma boa educação das crianças. E além do salário da prefeitura ele também participa. Mas confesso que não estou indo pelo dinheiro, se crianças estão precisando de mim é claro que não irei de virar as costas para elas.
Terminei de me despedir da dona Cláudia minha mãe e sai de casa rumo ao Complexo da rocinha às seis e meia da manhã.
Assim que avisto a entrada do morro me direciono até ela, de longe já notei a quantidade de homens armados fazendo como se fosse uma barreira na entrada. Talvez a minha roupa preta, capacete preto tenha chamado a atenção deles também.
— Côe a tua mermão — Um deles diz assim que eu paro no meio. Retiro o capacete da cabeça para melhor contato.
— Aih, qual foi dessas patricinhas emocionadas — O outro grita.
— Bom dia, meu nome é Lívia e sou a nova professora da escola Maria de Lourdes — Explico séria e um deles me encara, ele era diferente dos outros, parecia ser o mandante, moreno, cabelo na régua e o corpo cheio de tatuagens, no jornais não diz que ele são tão gatos assim, vou avisar dona Cláudia.
— Meu turno quase acabando mina, e tu chega só pra dar trabalho, vou confirmar com Rd, dá um tempo aí — Ele diz e pega um radinho na cintura. Sinto os olhares de todos aqueles homens me queimando.
Não dava pra ouvir o que ele dizia no rádio, ou talvez eu não quis entender.
— Tu tá vindo de onde mina?
— São Conrado — Eles riem.
— Patricinha da zona sul vai dar aula na favela? — Debocha sem mostrar os dentes.
— Todos tem direito a uma educação de qualidade — Respondi seca.
— Meu nome é JP mina, sub dono dessa quebrada aqui, tu vai me ver muito por aí então é melhor andar na linha.
— Não se preocupe JP — Respondi e logo em seguida liguei a moto.
— Mei quilo vai te acompanhar até a escola, não se preocupe com a nave, já vou passar visão que se alguém encostar vai conhecer o capeta rapidinho. — Ele avisou como se fosse a coisa mais normal do mundo, e eu agradeci mesmo sentindo que nem vento passava ali.
Um vapor me guiou até a escola que ficava na metade do morro, uma única rua subia até o topo, o resto era cheio de corredores minimamentes apertados.
— Tem um ponto de moto táxi ali mina, pode deixar tua moto lá enquanto fica com as cria — Ele avisou e eu estacionei lá mesmo.
Com o dedo ele indicou onde era a escola e eu fui até lá.