Capítulo 23

1912 Words
É SENSO COMUM que quando você está em um período contínuo de caos e as coisas parecem começar a dar certo, faz-se necessário desconfiar, ainda mais quando ocorrem tantas coisas boas em um curto espaço de tempo, como é o meu caso. Duas boas notícias em menos de duas horas? Uma luz vermelha acende em minha mente e eu entro em alerta. — Eu passei na entrevista — anuncio assim que adentro o quarto e sou recebida por rostos felizes e contentes. — Sério? — pergunta papai, aproximando-se de mim e me envolvendo em seus braços. — Isso é maravilhoso, filha, sabia que ia conseguir. Retribuo o abraço, permitindo-me aconchegar-me em seu peito por um motivo bom como não faço há um bom tempo. Desde que cheguei no Brasil, a maioria dos abraços que lhe dei foram em um gesto de consolo e é bom ver que esses tempos estão chegando ao fim, mesmo que a possibilidade de tudo começar a dar errado novamente ainda me assombre. — Eu também quero um abraço — Pilar resmunga, e eu dou risada enquanto me afasto de meu pai. Em seus lábios formou-se um bico que se desfaz assim que lanço meus braços ao seu redor, trazendo seu corpo contra o meu. — Parabéns, querida. — Caso você não saiba com o que gastar seu primeiro salário, eu tenho ótimas recomendações. — Engraçadinha — respondo Marjorie, semicerrando meus olhos. — Ainda nem comecei a trabalhar, então não tive tempo para pensar no que gastarei, mas já adianto que não será com você. — E você começa quando? — Amanhã. Durante a minha conversa com Aline, ela me disse que o início deverá ser imediato, pois o semestre letivo começou e o professor principal está lidando com tudo sozinho até o momento. Ela também explicou que os demais detalhes acertaremos amanhã presencialmente, e eu apenas concordei. — Então você tem trinta dias para mudar de ideia — a ruiva me tira de meus devaneios, e eu lhe mostro a língua em resposta. — Já que é amanhã, você precisa ir para casa descansar — alerta papai e quando abro a boca para retrucar, ele intervém: — Sem “mas”, você acabou de chegar de uma festa, está feia e fedendo. Ainda bem que esse homem não é advogado. Ouço Marjorie rir e arqueio minhas sobrancelhas. — Você não está muito diferente dela, Jo — diz Pilar, e ela revira os olhos. — Podem ir para casa, Otávio ficará comigo.  Eles fazem uma troca de olhares, e eu anoto mentalmente de ter uma conversa com meu pai sobre isso. Cada dia que passa eles estão mais próximos; os toques, os olhares são grandes reveladores disso. E apesar de apoiar a felicidade dele, falta responsabilidade afetiva com mamãe e isso eu com certeza não apoio. [...] Na noite anterior, seguimos o conselho dos dois e viemos para casa. Eu passei o restante do dia me organizando e sequer consegui dormir direito ansiosa para hoje. Acordei muito antes do relógio despertar e isso explica as enormes olheiras arroxeadas abaixo de meus olhos. Suspiro em frente ao espelho observando minha aparência horrível, dizendo mentalmente que eu nunca, nunca mais, irei beber como anteontem novamente. Tomo um banho de água fria e saio do banheiro enrolada em uma toalha com gotículas escorrendo pela minha pele. Sinto um arrepio percorrer meu corpo e caminho em direção a minha cama onde se encontra a roupa que eu separei na noite anterior, enquanto conversava com mamãe. Ontem eu liguei para ela pensando em lhe contar sobre meu real curso de graduação, porém acabou que a nossa estadia na casa de Pilar acabou sendo a pauta de nossa conversa. Devido aos dias em que estávamos indo e vindo do hospital, Pilar pediu para nos hospedarmos em sua casa. No começo, assim como eu, o papai também manteve-se relutante, mas sabíamos que era um dinheiro gasto com hotel em vão, então acabamos aceitando. Não preciso nem dizer que Agnes ficou furiosa, afirmando que dinheiro não era um problema para nós, o que de certa forma não é mesmo. Sinto que a minha mentira acabou se tornando uma bola de neve que a qualquer momento passará por cima de mim, porque agora, além de achar que estou cursando administração, ela também acha que estou estagiando na área. Suspiro, passando a camiseta esverdeada por cima de minha cabeça, e me sentando na cama para calçar os saltos. Termino de me arrumar e busco minha bolsa com meu material da faculdade. Minhas aulas ocorrerão pela manhã, enquanto o estágio ocorrerá na parte da tarde, então irei direto para a universidade. — Está pronta? — Marjorie pergunta adentrando o quarto sem sequer bater na porta antes. — A Pilar não te deu educação?  — Deu, mas eu devolvi. — Seu sorriso é cínico, e eu reviro os olhos, passando por ela. — Você tá muito m*l-humorada para quem vai começar a trabalhar. — Desde quando trabalho é sinônimo de felicidade? — retruco, descendo as escadas com Marjorie em meu encalço. — Desde que a maior parte da população está desempregada e não tem nem o que comer. Ok, um bom argumento. Assim que chego no andar debaixo, vou direto em direção a porta enquanto Marjorie dobra para a cozinha. — Ei, pra onde você vai? — Pergunta o óbvio. — Pra faculdade — giro meu corpo constatando o óbvio enquanto lhe encaro pegar uma fruta na cozinha. Milagres realmente estão acontecendo na vida da minha irmã. — Espera! Isabel e Marcos irão buscar a gente. — Assim que ela termina sua frase uma buzina se faz presente na frente da casa de Pilar. — Ótimo, porque eles já chegaram. Pego na maçaneta da porta e abro-a, caminhando em direção do carro onde estavam os nossos amigos. — Hey, babys. Bom dia. — Marcos nos cumprimenta com animação na voz. Adentramos o lado traseiro do carro respondendo seu bom dia. Minha cabeça está martelando de ansiedade. Deixo minha cabeça tombar para o lado do vidro e fico assim até chegarmos na universidade. — Adrien não parou de falar de você depois que foi embora. — Marcos solta enquanto caminhamos para nossa primeira aula do dia. — Adrien? — fico confusa, buscando em minha mente de quem poderia se tratar, e ao olhar para meu lado direito, encontro meu amigo com um sorriso malicioso nos lábios que pareceu ser o remédio para minhas lembranças ousadas do dia de sua festa. — Oh, céus. Nunca mais me deixe beber e fazer o que eu fiz, ok?! Ele solta uma risada empurrando meu ombro e eu emburro os lábios. Para minha sorte, eu provavelmente não o verei nem tão cedo, ou não saberei aonde enfiar meu lindo rostinho. Adentro a sala sendo seguida por Marcos, e não demora para que a professora de Ética e Cidadania entre na sala, iniciando em seguida sua aula. [...] — Não acredito!! Que coisa maravilhosa, Maitê. — Mia grita quando termino de lhe contar sobre o meu pai ser compatível com Pilar e meu novo emprego. — Seu rostinho não está muito contente com as coisas boas que aconteceu em sua vida em menos de duas horas! O que houve? Ela me conhecia mesmo a quilômetros de distância. Minhas aulas já haviam chegado ao fim e por eu ir direto para o colégio, Marcos e Isabel deram carona de volta somente para Marjorie, e eu, estou sentada na lanchonete da universidade enquanto converso com minha melhor amiga contando-lhe as novidades da minha vida que de drástica, mudou radicalmente para aceitável. Respiro fundo e puxo meu lábio inferior entre dentes, mordendo-o. — Ah, Mia. Você sabe como minha mãe é. Agnes sonha que a filha "perfeita" está cursando o tão sonhado curso de administração e que agora, conseguiu um estágio — abaixo a cabeça mexendo os dedos na batata frita que eu havia pedido. — Não sei como contar pra ela que é mentira e novamente, decepciona-la. — Amiga, a sua mãe sabe que você sempre odiou a idéia de herdar a empresa, que você sempre quis cursar letras. É o seu sonho que você tem que realizar, não o dela. E ela terá que entender isso quando você contar. — Mia novamente está certa com suas palavras. — Eu sei que o seu medo é de como ela vai reagir, mas não tenha. Está mais que na hora de você mostrar a ela que não é a filha perfeita. Concordo com ela. Porém, darei mais um tempo para eu criar coragem de finalmente lhe contar a verdade. Minha mãe é explosiva e preciso saber o momento certo para isso, e não será esse. Não quando está próximo dela descobrir que papai irá ser o doador de Pilar. É possível a senhora Agnes vir voando para o Brasil e eu sinto cheiro de muita discussão em família. — Falando de filha perfeita, preciso ir — faço um bico enquanto enfio uma batata grande em minha boca e mastigo. — Lhe conto tudo sobre o primeiro dia quando eu chegar em casa. Te amo. — Eu sinto sua falta.  — Eu também. E me despeço de Mia para logo me levantar e ir para fora da universidade chamar um táxi. m*l via a hora de Mia vir para o Brasil em suas férias. Sem ela parece que falta uma parte minha que foi deixada em Costa Rica, e eu quero ficar completa aqui, e com ela isso ocorrerá. Entro em um táxi cinco minutos depois, e o mesmo dirige para ECM. Aproveito esse intervalo e pego meu celular, colocando ele no silencioso para que eu não fosse interrompida durante meu trabalho. Guardo-o na bolsa e pego minha carteira já deixando separado uma quantia para pagar a corrida. — Obrigada, tenha um bom dia — entrego o dinheiro em suas mãos e abro a porta de trás do carro para sair. Minhas pernas estremecem quando meus pés tocam a calçada da escola. Respiro fundo e tento me acalmar. Me identifico na portaria e eles autorizam minha entrada. Meus pés caminham pelo pátio até que um rosto conhecido vem em minha direção. — Maitê, sabia que você conseguiria — Alex levanta as mãos para cima como se estivesse agradecendo. — Bem-vinda, querida.  Diz, quando chega perto de mim com um sorriso escancarado em seus lábios.  — Obrigada, Alex. Um sorriso sem graça transparece em meus lábios e ele me puxa pelo braço para me mostrar a sala dos professores, onde conhecerei o professor que irá me ter como sua assistente. A porta amadeirada se abre e há alguns rostos presentes, incluindo o da professora loira que fora super m*l educada no dia em que fiz minha entrevista. — Olá, professores. Essa é Maitê, a nova assistente do professor Adrien. Adrien. Esse nome não me é confuso, mas quantos Adrien's existem no Brasil? Provavelmente muitos, eu não teria azar a esse ponto, não. — Seja bem-vinda, Maitê. — Uma voz masculina soa no cômodo. Mas não uma voz qualquer, é a voz dele. Passo meu olhar pela sala até um par de olhos verdes chamar por minha atenção. Ele está de óculos e com uma vestimenta muito diferente da noite de anteontem, mas ainda sim, é ele. Adrien, o amigo de Marcos com qual eu beijei depravadamente na festa agora é meu instrutor. É, eu realmente tenho muito azar. Ou o carma realmente existe e é um baita filho da put4.
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