Capítulo 24

1814 Words
— FIQUE À VONTADE, Maitê. Aposto que você se dará muito bem com todos aqui. Alguns concordam com Alex exceto a loira, que sequer havia me encarado desde que cheguei na sala dos professores. Meu olhar ainda estava preso ao de Adrien que não mostrava emoção nenhuma. Ele parou de me olhar no momento em que me deu as boas-vindas, e nosso reencontro pareceu indiferente para ele. E eu também deveria me comportar igual, mas a vergonha estava instalada em meu imo. Alex se retira da sala e eu não sei o que fazer, fico petrificada no mesmo lugar em que me deixou. Ouço uma professora falar comigo e acordo do meu pesadelo; mas quem eu quero enganar? é somente o meu primeiro dia e isso vai ser interessante pelo restante da minha existência aqui. Ela me mostra um armário vazio onde eu posso colocar minha bolsa e eu caminho até ele. Noto que o armário da loira que aparentemente odeia todo mundo é ao lado, e percebo que isso não dará muito certo. Pego a chave e agradeço pela ajuda, vendo a mesma se retirar em seguida da sala. Abro o armário e coloco minha bolsa, retirando dela somente um caderno e caneta, que eu possa precisar depois. Ajeito tudo direitinho quando ouço a voz dele novamente. — Vai ficar parada aí? Os alunos não gostam de esperar muito, senhorita González — diz sério, enquanto tem uma pasta preta em suas mãos. Olho ao redor e noto que estamos somente os dois no cômodo. Não falo nada, não consigo. Fecho a porta do armário e passo a tranca, coloco a chave no bolso da minha calça branca juntamente a caneta e sigo-o, pois ele já havia se retirado, ouço o barulho de meus saltos baterem estridentemente contra o piso do corredor e pergunto-me se foi uma boa idéia vir de salto. Seguro em meu peito o caderno e levanto meu olhar. Ele está na minha frente me dando uma visão privilegiada de suas costas. Não imaginava que ele tivesse uma bundinha tão redonda. Balanço minha cabeça com esses pensamentos e abro um sorriso fraco, assim que chegamos em uma sala repleta de crianças. Ele faz um sinal para que eu não entre e fico levemente confusa por isso, mas obedeço. Ok, hora de tirar ele da sua mente e fazer o que você faz de melhor e que ama, Maitê. — Boa tarde, criançada. Tenho uma pessoa para apresentar a vocês. — Boa tarde, tio Adrien — as crianças gritam empolgadas por sua presença e eu posso dizer que talvez eu também esteja. Ele mexe em seu dedo em uma forma falha de me chamar e eu dou dois passos, entrando timidamente na sala repleta de crianças felizes. — Essa é a senhorita Maitê González. Ela será minha assistente e me ajudará com vocês. Dêem as boas-vindas a ela. — Bem-vinda, professora Maitê — falam em uníssono, e isso aquece tanto meu coração, por mais que eu ainda não seja uma professora formada. — Podem me chamar de tia Ma, crianças. — Ótimo, como já foram apresentados, vou deixar a tia Ma com vocês iniciando a aula, enquanto vou resolver umas coisas na orientação — fala com as crianças e se vira para mim, que estou um pouco distante e me chama. — Você pode ir fazendo a chamada com eles, assim há uma interação melhor entre vocês enquanto vou buscar a prova do quinto ano. Tudo bem, professora González? Ele coloca a lista de chamada visível em sua mesa para que eu não procure em suas coisas. — Tudo sim, Adrien. — Levanto meu olhar e encaro seus olhos por cima das lentes de seu óculos. — Me chame de professor Alencar, por favor. — Sua voz soa seca e se volta para as crianças com um sorriso. Uma mudança de humor extrema. — Não assustem a professora González, crianças, é o primeiro dia dela e não queremos que seja o último, não é? As crianças dizem um "não" juntas e ele sai da sala me deixando sozinha com a classe. Abro um sorriso na direção delas. É impossível você não gostar dessa profissão quando se há tanto a se fazer por esses seres pequenos. Coloco meu caderno sobre a mesa e puxo a cadeira para trás, dando-me um espaço para me sentar. Pego a folha da frequência e uma caneta azul, logo direciono meu olhar para os pequenos presentes. — Vamos lá. Irei fazer a chamada e logo após teremos alguns segundos para nos conhecermos melhor, tudo bem? — Assentem e eu desço meu olhar para o primeiro nome da chamada. — Alice. — Presente! Ouço a voz ao fundo e levanto minha cabeça para ir conhecendo os rostos que eu irei conviver por um bom tempo. Assim espero. Mostro um sorriso para a garota de cabelos lisos e volto à frequência. — Ana Beatriz. — Presente. Tia Ma, a senhora é muito linda, sabia? — a garotinha de cabelos cursos e olhos brilhantes diz quando levanto meu olhar para reconhecer quem era a dona da voz graciosa. — Obrigada, meu anjinho. Você também é muito linda, viu? Lhe mando um beijo no ar e continuo a frequência. Quando marco a ausência do último aluno da lista, volto-me para eles: — Vocês querem me conhecer, não é? — Todos dizem sim e eu me levanto da cadeira, pego somente minha caneta e deixo a folha no mesmo lugar. — Quem quer ser o primeiro a fazer alguma pergunta? Alice, a primeira garotinha da chamada, levanta a mão e eu caminho até sua mesa, ficando ao seu lado. — A senhora é daqui? Mamãe sempre me ensinou os outros idiomas e sobre os sotaques daqui, e a senhora tem um sotaque diferente. — A sua mãe é muito inteligente em lhe ensinar isso desde cedo, Alice. — Aliso seus cabelos lisos. — E não, eu não sou daqui, está certíssima. Eu morava antes de vir pra cá na Costa Rica e lá falamos o espanhol. — Lá é bonito? — O espanhol é difícil? — Porque a senhora saiu de lá? — Tá gostando daqui, professora? Ouço as diversas perguntas e dou uma pequena risada com a empolgação de todos presentes. Saio da fileira de Alice e vou até o meio da sala. — Calma, crianças. Teremos muito tempo para que eu possa responder todas as curiosidades de vocês. Coloco minhas mãos na cintura ainda com um sorriso nos lábios. E sinto como se eles fossem rasgar de tanta felicidade sentida. Olho para o lado e Adrien está parado na parede de fora da sala da professora de matemática (a loira que odeia todo mundo, mas pelo visto não ele), enquanto conversa com ela. Pela proximidade, provavelmente são íntimos. E como se soubesse que eu lhe observava, seu olhar vem até o meu e eu viro meu pescoço, voltando-me para a turma. — O que a senhora vai passar hoje? — um menino de cabelos escuros e lisos me pergunta, e eu abro a boca sem saber o que responder. — Hoje, em virtude da presença da tia Ma, teremos uma atividade especial, Mateus — é Professor Alencar quem responde, adentrando a sala e fechando a porta atrás de si. Arqueio uma de minhas sobrancelhas pelo apelido. Gritos eufóricos agitam a sala e eu sorrio quando a curiosidade vem em forma de questionamentos. Visualizo-o caminhar até seus materiais e chapéus feitos artesanalmente de duas cores: azul e vermelho. Ele coloca um azul acima de minha cabeça e me entrega um combo na mesma tonalidade em minhas mãos. — A sala será dividida em dois times: o vermelho e o azul. Quem for do time vermelho ficará comigo e quem for do time azul ficará com a tia Maitê, combinado? Todos concordam e nós começamos a distribuir os chapéus de forma igualitária para os alunos. Essa é uma sala do terceiro ano e no meu tempo livre, pesquisei o que o Ministério da Educação planeja nessa fase. Trata-se de um período do ensino da leitura e fico feliz que Adrien não estejam lhe entregando apenas textos, mas sim construindo um ambiente de aprendizagem mais divertido e interativo. No final, voltamos para frente da classe. Ele está posicionado atrás da mesa e eu ao lado, mantendo certo nível de distância. — Estão vendo essas caixas? — São duas caixas pretas decorada com letras de jornal e com o centro feito de tecido, provavelmente TNT. — Dentro delas tem algumas palavras, eu vou separá-las em sílabas na lousa em uma ordem qualquer e vocês terão que adivinhar quais palavras são, ok? Vence o grupo que marcar mais pontos. — E o que acontece se o grupo errar? — Boa pergunta, Mônica. O outro grupo marca ponto. Podemos começar? Um extenso e longo "sim" ecoa pela sala e eu rio, sentindo as borboletas em meu estômago dançarem em festa e meu coração bater feliz em minha caixa torácica. Adrien e eu fazemos jokenpô para ver quem começa e como a boa jogadora que sou, eu perco. — Boa sorte para vocês — cantarolo, retirando da minha caixa uma palavra e não deixando que ninguém a veja. Caminho até a lousa com um giz branco em mãos e escrevo em letra de forma "va ca lo". — Eu já mencionei que tem prêmio para o grupo vencedor? — pergunta Adrien em tom brincalhão quando vê as crianças com pontos de interrogação em suas festas. — Eu sei o que é, eu sei — uma das crianças grita animada, levantando as duas mãos. — Ei, esse tipo de incentivo não vale — intervenho, fingindo estar brava. Ele não se contém e sorri ladino. Foco, Maitê, foco. — Pode falar, Carla. — Cavalo. — Sua resposta está… — inicio fazendo uma pausa de suspense e semicerrando os olhos — certa! Mostro o papel para a turma, e o Professor Alencar desenha o quadro de pontuação na lousa e marca um ponto para seu grupo. — Eu não queria dizer assim, mas essa competição está no papo, tia Ma. — Nós ainda nem começamos. Nós trocamos um olhar e por um instante, me imagino novamente em seus braços, seus lábios pelo meu corpo, sua língua na minha. Balanço a cabeça para afastar meus pensamentos e vejo as novas sílabas espalhadas na lousa: io pa ga pa. Mais difícil logo na minha vez? — Papagaio! — Henrique responde e eu dou saltinhos de felicidade antes mesmo de ser anunciado que estava certo. — Certa resposta, Henrique. Vou saltitante até a lousa e marco um ponto para o meu grupo. Coloco-me atrás da caixa novamente e enquanto puxo um papel de dentro dela novamente, olho para meus alunos. Cada um dos rostos esperançosos e contentes. É, neste momento não há nenhum outro lugar que eu queira estar que não seja aqui.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD