Capítulo 22

1918 Words
UM PONTO DE interrogação está exposto na minha testa enquanto ainda estou à frente do meu pai. Ele tinha que ao menos ter me avisado. — Repete, pai. Acho que eu não entendi — peço, enquanto meus braços se cruzam em meu corpo. Meu pai sabia que esse momento era importante pra mim, por mais que não soubéssemos o resultado. Ele fez algo literalmente escondido de todos. Quando ele disse que daria um tempo pra Pilar esquecer qualquer coisa sobre compatibilidade, não sabia que eu estava inclusa nisso também. Ele sabe que eu estou chateada, não por ele ter feito  o teste, e sim por não ter me falado. — Me desculpa, filha. Eu não queria te trazer esperança ao te contar antes, eu sinto muito ter escondido de você, mas espero que você entenda. Quando eu vou abrir minha boca para rebater, repasso tudo que ele me disse anteriormente e uma luz se acende em minha mente. — Então quer dizer que... — não consigo terminar a frase pois minha garganta seca. Meus olhos marejam e uma onda de esperança se abre dentro do meu imo. Por favor, pai. Diz que sim. — Não, querida. Ainda não saiu o resultado, mas resolvi te contar para descobrir junto comigo. Ele segura minha mão e aperta-a. Seu corpo está tenso. Ele está com medo, e eu o entendo, pois eu também estou. Com medo de mais uma vez ter a esperança arrancada de mim com força, trazendo mais dor e medo. Com medo da minha mãe piorar a cada dia e por minha culpa, ela sofrer até não suportar mais. Com medo de Marjorie não me perdoar, caso isso aconteça. Com medo de tudo. — Estou com você, pai. Para tudo. Vou para cima dele e lhe abraço, aconchegando seu corpo tenso em meu aperto. Eu sempre estarei com você. [...] — Filhas — nosso pai nos chama. Minutos após termos conversado fora do quarto, ele me contou que queria que Marjorie estivesse presente, por mais que o resultado não fosse positivo. Ele não entrou novamente no quarto dizendo que queria deixar as meninas em paz, mas eu sabia que era somente uma desculpa para não deixar transparecer sua aflição e nervosismo. — Sim? — Marjorie e eu falamos juntas. Encaro minha irmã surpresa por ela não ter jogado pedrada em nosso pai. É a primeira vez que isso acontece e Otávio também nota, pois seu olhar brilhou no mesmo momento. — Vamos na lanchonete comer algo, desde que chegaram não se alimentaram, não é bom pra vocês ficarem com fome. Sua preocupação não era com a nossa alimentação e eu sei disso. Seguro a mão de Marjorie antes que ela possa se pronunciar e a puxo comigo para fora do quarto. Isabel já havia ido para sua casa assim que o dia realmente amanheceu. Ela precisava descansar e não era necessário estar no hospital conosco. — O resultado saiu? — sou a primeira a me pronunciar assim que estamos os três fora do quarto. — Que resultado? — Marjorie fica confusa e solta minha mão. Sua feição aos poucos vai mudando quando sua ficha cai e percebe de qual resultado estávamos falando. — Eu não acredito que você também fez essa p0rr4 de teste, Otávio. Maitê, eu te disse pra desistir dessa merd4, você nunca me escuta, garota. — Ei, calma, filha. — Marjorie lhe mostra o dedo do meio com sua maturidade enorme e me encara com raiva, enquanto tem lágrimas presas em seus olhos. Eu te entendo, irmã. — Maitê não sabia que eu iria fazer o teste. — Nosso pai intercala o olhar de mim para a ruiva. — Ela sabia, mas não que seria agora, Maitê também foi pega de surpresa e isso não tem nada a ver com vocês, meninas; tem a ver comigo, eu escolhi fazer. É a minha vez de fazer alguma coisa para ajudar a mãe de vocês. — Ah, simples assim, não é? Fazer o teste porque o senhor todo poderoso escolheu. Nos enchendo novamente de esperança para ela ser retalhada de nós quando vermos que deu negativo — a ruiva exaspera, e eu não a julgo, não nesse momento. — Eu estou cansada, eu sei que a minha mãe está morrendo aos poucos e eu não preciso de mais uma prova para ter certeza disso. — Marjorie... — tento chamar sua atenção quando vejo o médico de Pilar se aproximando de nós três. Ainda estávamos parados sobre a porta fechada do quarto hospitalar, e nossa sorte era que não era possível ouvir nada que acontecia do lado de fora estando dentro do quarto. — Não, me deixe falar pelo menos uma vez, Maitê. Estou engasgada com toda essa situação de vocês quererem ser os heróis da família. Você realmente teve a quem puxar, irmãzinha — diz, olhando tristemente para nosso pai. — Senhor Otávio, temos o resultado — o médico chega já falando e entrega um envelope branco para nosso pai. — Venham até a minha sala, será mais acomodativo para todos. Seu olhar vai até Marjorie. Ele ouviu tudo que a ruiva disse segundos antes de ele chegar e lhe encara com um olhar de que entende o que ela está passando. Acredito que muitos familiares reagem como minha irmã reagiu e eu nunca a julgaria por isso. Ela só está com medo. Chegamos na sala do médico e ele senta em sua cadeira, esperando que Otávio abra o envelope. As mãos de meu pai tremem e temo que ele não consiga, então mesmo que eu não esteja diferente, pego o envelope para lhe ajudar a abrir.  Eu não estou preparada para o que vem a seguir. É engraçado como uma simples palavra possui tamanho poder em nossas vidas. Caso dê positivo, será o dia mais felizes, do contrário, sequer sei se nossa fé sobreviverá. — Vocês podem se sentar, fiquem à vontade — diz o médico, indicando duas cadeiras à sua frente. Papai sequer hesita, arrastando-se para o assento. Acredito que faltava pouco para suas pernas falharem e sei porque as minhas não estão muito diferentes disso. — Eu dispenso — Marjorie diz quando lhe fito, questionando-a silenciosamente. — Abre logo isso. — Levo o olhar para o papel em branco e subo-o para ela novamente. Eu travo, meu corpo congela ao seu comando e sequer raciocinar consigo. Ela arqueia uma de minhas sobrancelhas e sua voz soa afastada: — Maitê? Ah, me dê isso aqui. Apenas percebo que ela está próxima a mim quando suas mãos retiram o envelope das minhas. Assisto em câmera lenta ela abri-lo com agressividade e puxar o resultado de dentro do mesmo. Seu olhar corre pelo papel e ela franze o cenho. — E aí? — ouço papai perguntar. Ela expira, indignada, dando passos em direção a ele.  — Eu não sei, eu não sou médica.  Sua frustração concretiza-se quando ela o entrega ao médico, que dá risada, trazendo-o para o alcance de seus olhos.  — O Otávio e a Pilar — sua voz soa séria e grave pelo ambiente, trazendo minha consciência de volta à realidade — são perfeitamente compatíveis.  Um sorriso se forma em seu rosto e eu quase não respiro. O quê? — Eu não entendi, você pode repetir, por favor? — Eles são compatíveis, Ma — é Marjorie quem esclarece, e sou pega de surpresa com seus braços envolvendo meu corpo em um abraço forte. Dou risada e meus olhos se enchem de lágrimas, assim como os de papai que se levanta da cadeira e entra em nosso abraço. — Já podemos dar a notícia a Pilar? — o médico questiona, levantando-se da cadeira com o resultado. Nos afastamos e eu escorrego as mãos pelo rosto, limpando as lágrimas e assentindo. — Podemos sim. Deixamos a sala com o médico em nosso encalço, seguindo para o quarto de Pilar. Encontramos-a sentada encostada nos travesseiros assistindo televisão e seu olhar é de confusão quando avista nós quatro adentrando o local. — Quem está morrendo? Espero que não seja eu — ela brinca. — Nem brinque com isso — diz Otávio, parando ao seu lado e segurando em sua mão, após dar um beijo em sua testa.  — Senhora Duarte, como está se sentindo hoje?  Fecho a porta atrás de mim, encostando-me nela enquanto aguardo o médico lhe dar a notícia. — Exausta — responde com um sorriso fraco, e fico triste em pensar que sorrisos assim se tornaram parte de seu cotidiano. — Logo, logo, isso irá acabar. O Otávio realizou o teste de compatibilidade e descobrimos que ele pode ser seu doador. — O que? — Seu tom de voz revela indignação ao invés de gratidão; uma reação inesperada por todos nós, palpável em nossas expressões. — Eu te pedi que não fizesse, eu não… não posso aceitar isso.  — Claro que pode — dessa vez, quem demonstra indignação ao se aproximar de nossa mãe é Marjorie. — Eu também não gosto da ideia, mas sei que é a única forma de sair daqui bem, então você vai fazer esse transplante. — Marjorie… — sou eu que intervenho, desencostando-me da parede para tocar seu braço. — Não. — Ela gira o copo e seu movimento brusco faz com que eu afaste minha mão. — Você não tem o direito de dar para trás quando fez nos metermos nisso tudo. — Caso eu concorde — Pilar toma a palavra, olhando para o médico que arruma sua postura para lhe responder —, como será feito? — Nós faremos a retirada de diretamente pela medula óssea. Otávio receberá uma anestesia e usaremos uma agulha para aspirar-lá de dentro dos ossos da bacia. É um procedimento simples e de fácil recuperação para o doador. Depois que aspirarmos, será colocada dentro de uma bolsa para que você possa receber através de um acesso venoso. — E quais são os riscos? — questiono, preocupada, e todos os presentes na sala voltam sua atenção a mim.  — Para o seu pai são riscos muito pequenos, ele pode sentir dores por causa da anestesia, mas os pacientes costumam se recuperar bem rápido e dentro de pouco tempo ele já terá recuperado a medula. Já para sua mãe há possibilidade de diminuição das taxas sanguíneas, podendo aumentar o risco de infecção e hemorragia; também existe a possibilidade de o sistema imunológico não reconhecer os tecidos e os atacar, o que pode ser fatal.  Por instante eu me pergunto como ele consegue mencionar fatalidades com tamanha calma e naturalidade; como se fosse o assunto de uma conversa em um bar. O silêncio paira na sala e nossas atenções estão em Pilar, que volta seu olhar a papai. — Você quer mesmo fazer isso? Consigo vê-lo olhar em seus olhos e apertar sua mão com um sorriso terno. Isso me aquece o coração em meio a tantas incertezas. — Sem sombras de dúvidas, meu amor. Ela assente, sorrindo verdadeiramente pela primeira vez em muitos dias. — Então faremos isso. Ouço meu celular tocar e o busco em minha bolsa, deparando-me com a ligação de um número desconhecido.  — Com licença — peço antes de sair da sala, deslizando o ícone esverdeado para atender. — Maitê González, boa tarde. — Boa tarde! Aqui quem fala é a Aline, recrutadora da ECM, estou ligando para informar que a senhora passou na entrevista. Você poderia… E o mundo fica turvo, eu perco sua voz, enquanto tudo que consigo pensar é: se eu estiver sonhando, por favor, não me acorde. 
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