Narrado por John
Tudo começou com uma aula de música, uma garota pálida e diferente, de cabelos cor de cenoura e um sorriso torto, olhos azuis e sardas por todo seu rostinho de boneca.
Ela era doce e mais jovem, e mesmo assim parecia mais madura que eu.
Ela era péssima com instrumentos, eu nem fazia ideia de como ela teria entrado ali, mas eu só sabia que adorava admira-la.
Eu sempre à via praticando, e mesmo após o fim das aulas, aquela garota era persistente, sempre ali naquele piano tentando tocar aquela bendita cantiga de criança que o professor passava aos iniciantes.
Errava as notas e batia no teclado, era engraçado de assistir, menos quando ela começava a chorar.
Depois disso, eu fiquei uma semana sem ver ela nas aulas, até concluir que ela tinha desistido, o que para a minha sorte, foi um pensamento equivocado. Na semana seguinte ela voltou a praticar, com aquele mesmo sorriso tortinho do início das aulas, eu admirava sua persistência.
(...)
Um dia não muito incomum da semana, cheguei em casa mais cedo e notei que as coisas estavam reviradas.
Corri até o quarto de meus pais e vi que papai acalmava minha mãe com uma xícara de chá.
—O que houve aqui? - Perguntei assustado, mas em voz baixa.
—Sua mãe teve outro ataque. - Meu pai respondeu com voz cansada.
—Tá tudo bem? - Eu perguntei preocupado.
—Sim, mas acho que ela fez algo ao Nicolas. - Ele me encarou sério, ele sabia o quanto aquilo era inaceitável para mim.
Corri até nosso quarto e Nicolas estava no canto da parede sentado em posição fetal. Seus olhos brilhavam e seu rosto tinha marcas de lágrimas que secaram.
Me sentei ao seu lado, e senti que não precisava dizer nada no momento, pois ele estava triste demais para aceitar palavras de consolo naquele momento.
—Ela fez de novo... - Ele disse encarando o vazio, e eu apenas respirei forte prendendo o choro.
Nicolas era forte, mas era um pouco mais novo que eu. Ele entendia muito, mas isso não significava que ele deixasse de sentir aquele medo constante dos ataques dela.
Olhei seu braço e notei um vergão vermelho, mais abaixo em sua mão, notei um roxo.
Acariciei levemente olhando seus ferimentos, e olhei para os meus, deixados pelo último surto em que eu estive presente.
—Ela disse que eu era um demônio. Tentou me morder e arrancou algumas mechas do meu cabelo. - Ele alisava levemente os cabelinhos dourados.
—Eu... Sinto muito por não chegar a tempo. - Falei com uma voz forçada, que trancava meu choro.
—Eu, nem sei mais se é r**m, desejar que ela... estivesse morta. - Ele disse deixando as lágrimas caírem e deitando sua cabeça em meu ombro.
Naquele momento eu também desejei que ela estivesse morta, mas não por falta de amor, e sim por que eu já não aguentava mais, ver ela sofrendo tanto e nós sermos atingidos daquela maneira, todos vítimas de uma doença tão severa.
Assim que Nick adormeceu, eu o coloquei em sua cama e saí para fora para aliviar a cabeça.
Me sentei na calçada na frente de casa, mas fiquei encarando meus pés por longos minutos. Até que a ouvi.
—Você tá bem? - Aquela voz suave.
Levantei meu rosto levemente, e vi que era ela, a garotinha cabelos de cenoura.
—Eu... estou sim. - Respondi com um sorriso fraco.
—Você é bom contando mentiras, eu até acreditaria se não soubesse que você sempre faz isso após uma briga com sua família. - Ela sorriu fraco e se sentou ao meu lado, como se fizesse o meu papel de irmão.
—Porque você acha isso? - Fingi que não me importava.
—Moro na casa da frente há duas semanas, e como não tenho amigos, gosto de tirar fotos. Algumas vezes quando vou fotografar seu jardim, ouço umas discussões. Depois vejo seu pai na janela com sua mãe e um copo de chá e remédios. Depois te vejo sentar aqui e respirar forte por cerca de 40 minutos. - Ela olhava as fotos na câmera enquanto falava.
Eu não sabia o quanto isso era repetitivo, mas com ela contando nos mínimos detalhes, tudo parecia ainda pior.
—E desde quando você se intromete na vida dos outros? - Eu corria um risco de ser arrogante.
—Acho que, desde que você me vigia nas aulas de música. - Touche, ela era pior do que pensei.
Dei um riso leve e continuei encarando meus pés. Como ela poderia ser tão estranha e ao mesmo tempo interessante?
—Você tem a língua afiada. - Falei quebrando o silêncio que havia se instalado.
—Já que somos amigos, você pode me ensinar a tocar piano? Eu sou péssima, mas amo muito aquelas teclas. - Ela tinha expressões faciais para tudo que falava.
—Primeiro, nós não somos amigos, eu acabei de te conhecer, e segundo, saber tocar é diferente de saber ensinar. - Eu falei a encarando.
—Primeiro, se somos amigos ou não, é tudo uma questão de pontos de vista, por que eu te conheço de uma certa maneira, e você também me conhece, somos vizinhos, poxa! - Ela bufou, e seguiu —E depois, você pode tentar me ensinar, e eu posso ficar te devendo favores. - Ela era persuasiva.
—O que eu poderia querer de você? - A olhei sério, tentando lhe mostrar que eu não tinha vantagens nisso.
—Eu sou boa em matemática e sei fazer cupcake de micro-ondas! - Ela sorriu forte, me fazendo rir.
—Tá, agora... Só me deixa sozinho. - Falei a empurrando levemente.
—Ok, John, e a propósito, eu sou a Megan, Megan Altovski. - Ela estendeu a mão.
—Como sabe meu nome? - Apertei sua mão meio assustado.
—Seu pai falou com meu pai, sei seu nome e o de Nicolas.
—Entendi, Megan o primeiro favor é: Pare de investigar minha família, ok? - Eu falei com uma cara de deboche.
—Desculpe, farei o possível. - Ela sorriu e se virou, saindo lentamente.
—Megan Altovski. - Repeti baixinho.
O nome da garota que não sabia tocar piano.
Obs.: Estou sem o travessão do meio, daí estou usando essa seta incompleta nos diálogos, espero não causar estranhamento.