— Kagami...
O ruivo ouviu o chamado preguiçoso e não se abalou. Apenas esticou a mão esquerda, pegou o controle remoto e aumentou um pouco o volume da televisão. Sequer desviou os olhos do caderno ou parou de escrever com a mão direita.
Estava sentado no chão da sala, reclinado sobre a mesinha de centro, resolvendo as lições de inglês de Aomine, o folgado deitado no sofá jogando vídeo-game.
— Kagami...
Dessa vez largou o lápis e levantou-se. Foi até o quarto pegar um segundo travesseiro, voltou para a sala e ajeitou sobre o que Aomine já usava, assim que o rapaz ergueu-se um pouco. Dois travesseiros eram melhores do que um.
Sentou-se no chão e retomou a lição. m*l respondeu duas questões e o silêncio foi quebrado.
— Kagami...
Sem reclamar levantou-se outra vez. Foi até a janela e puxou as cortinhas escuras, diminuindo consideravelmente a claridade na sala, não a ponto de atrapalhar a leitura do caderno, mas o bastante para dar certo “clima” ao ambiente.
Sentou-se no chão e concentrou-se nas respostas. Conseguiu virar a página (wow) antes de ouvir seu nome.
— Kagami...
Girou os olhos usando toda sua concentração para não perder a paciência. Ergueu-se e foi até o canto da sala pegar o aquecedor de ar portátil. Ligou o aparelho na velocidade mediana e assim que o ar mais quente se esparramou pela sala voltou ao seu lugar resolvendo exercícios.
Por quase dois minutos.
— Kagami...
Engoliu um palavrão, não ia adiantar perder a paciência de qualquer jeito. Foi até a cozinha buscar uma garrafinha de água gelada, mesmo com o clima cada vez mais frio. Ao voltar para a sala arremessou para Aomine que a pegou no ar, com um sorriso muito satisfeito.
Agora sim! O ritual estava completo. Fazia quase uma semana que estavam naquela rotina. Depois de dois dias Taiga pegara o jeito. Cada chamado era sempre para uma coisa específica, e geralmente vinha em ordem: volume da televisão, travesseiro extra, cortina semicerrada, aquecedor de ar no médio e água gelada. Então ganhava como prêmio a paz para que resolvesse as tarefas de casa até que tivesse que improvisar algo para comerem e então Aomine ia embora. Já se acostumara.
Apesar de chato e inconveniente, quando entrava na rotina podia seguir o fluxo sem se estressar ou irritar. Além disso, Taiga tinha outro assunto mais sério em mente...
— Kagami...
O ruivo soltou o lápis sobre o caderno e fez menção de se erguer, mas parou. Franziu as sobrancelhas, confuso. Aquele chamado fora inusitado!
— O que você quer, Aomine? — hesitação de dois segundos — SAMA!
— Nada. É que esse é o nome da febre que estou criando. O que acha: Kagami1 N1? Vou dizimar o mundo com ela.
Taiga fez uma careta.
— Faça como quiser — baixou os olhos para o caderno.
— O que você prefere: contágio pela água ou pelo ar?
— Pela água — respondeu sem dar muita atenção ao caso.
— Os sintomas... as pessoas contagiadas com Kagami1 N1 vão se encher de bolhas de pus e sangrar ou sofrer degeneração cerebral?
— Que jogo nojento! — Taiga resmungou — Eles deviam ser Aominezados. Isso!! Todo ser humano Aominezado vai ficar chato pra c****e, daí um mata o outro e fim.
Daiki riu da resposta.
— Não tem essa opção no menu ainda. São as bolhas ou a degeneração.
— Faça como quiser, inferno — deu de ombros.
— Oe, Kagami. Vou começar o contágio pelos Estados Unidos. Faz de conta que você ta lá ainda, o que acha?
— O máximo. Mas devia começar pelo Japão e se m***r no processo.
— Olha o respeito, e*****o. Melhor contagiar o Sudão.
Ao ouvir isso Kagami ergueu a cabeça e olhou a tela da TV.
— Por quê? Eles já têm tanto problema por lá... devia jogar algo mais útil.
Daiki observou o outro rapaz. Estava estranhando aquela passividade toda. Pelo jeito Kagami resolvera ser o melhor e*****o do mundo, sem reclamar ou criar caso. Não vira a menor chance de aumentar o castigo. Jogariam a revanche no dia seguinte.
— Isso que é levar um jogo a sério — se viu dizendo sem poder controlar, um pouco impressionado.
— Hn? — Kagami voltou os olhos em Daiki, mas logo a compreensão do que ele dissera venceu a distração. Animou-se completamente — Claro! Sempre levo meus jogos a sério. Faz uns dois dias que não estou dormindo direito de empolgação.
Aomine pausou o game.
— Dois dias sem dormir? Oe, é exagero, Kagami!
— Exagero?! É uma disputa de vida ou morte — parou e pensou um pouco — Ta, não é de vida ou morte. Mas eu não quero perder de jeito algum!
— E você acha que vai ganhar? — ergueu uma sobrancelha, desdenhando das esperanças do ruivo. p***e coitado, acreditando que ia ficar livre.
A pergunta depreciativa não diminuiu a empolgação de Taiga. Pelo contrário! Foi como se chamas se acendessem naquelas íris avermelhadas. Nunca vira o outro tão empolgado com algo! Incrível.
— Com certeza!
— Quanta esperança...
— Oe, eu sei que não será fácil. Ele já viu quase todos os nossos truques — baixou o tom de voz — E nosso último jogo terminou em empate. Mas dessa vez vou vencer com certeza!!
Daiki não compreendeu. “Ele”? “Empate”? Do que o i****a estava falando?
— Bakagami, só pra ficar claro: o assunto atual é o jogo de amanhã?
O ruivo abriu os lábios para responder, mas refreou-se a tempo. Deu a impressão de pensar, enrugando a testa. Havia um ponto de interrogação quase visível pairando sobre sua cabeça.
— Que jogo de amanhã?
— c*****o, Kagami! Nosso um-contra-um! — Daiki irritou-se.
— Ow. Verdade! Eu tinha me esquecido... é amanhã!
— E do que você tá falando afinal? — perguntou meio chocado com o que acabara de ouvir.
Taiga inclinou-se para trás e apoiou as duas mãos no piso de madeira. Abriu um sorriso tão iluminado que Daiki pensou que ia ficar cego!
— Nosa técnica conseguiu marcar um amistoso contra Shutoku. Vou enfrentar Midorima na sexta-feira! m*l posso esperar.
Daiki fez uma careta.
— Desde quando jogar contra o Midorima é mais emocionante do que jogar contra mim?
Kagami caiu de costas o chão e riu. Riu muito.
— Não fode, Ahomine! Partida séria é diferente! Nosso um-contra-um é só uma brincadeira de rua. Mas jogar pra valer contra o Midorima vai ser demais! Terminamos empatados da ultima vez. Agora eu tenho que ganhar!
— Ee? Você perdeu o sono só por causa disso?
— Claro! Estou empolgado demais, não consigo parar de pensar na sexta-feira! Aquele cara é um monstro! To contando as horas... — sentou-se no chão e lançou um olhar para Daiki que comprovava o quão ansioso o ruivo se sentia — Esqueci completamente nosso um-contra-um amanhã. Mas não se preocupa, eu vou jogar muito a sério e...
Aomine balançou a cabeça e estreitou os olhos, mirando Taiga com raiva.
— Não vai ter revanche amanhã, baka.
— O quê?! — foi a vez de Kagami ficar chocado.
— Mudei de ideia. Sem revanche pra você tão cedo.
— n******e fazer isso!
— Claro que posso — ficou em pé, deixando o joystick sobre o sofá. A v*****e de jogar desaparecera. Seu bom humor levara uma rasteira, caíra no chão e se partira em milhões de pedacinhos — Meu e*****o, minhas regras.
— Não é justo! — Taiga desesperou-se.
— Eu nunca disse que seria — pegou a mochila e colocou sobre o ombro, preparando-se para ir embora. Não se preocupou em recolher o caderno que o ruivo respondia.
— AOMINE!
— Nosso jogo não é só uma “brincadeira” de rua. Leve mais a sério.
— Eu levo! Espera! — ficou de pé enquanto Daiki calçava os tênis no genkan. Nem se deu ao trabalho de amarrar o cadarço, apenas encaixando-os nos pés cobertos com a meia grossa.
— Quando passar sua crise de menininha eu marco outra data. Mas é melhor ter foco, baka. E não pensar em mais nada além de mim — ordenou antes de sair pela porta, deixando um rastro n***o de puro mau humor.
Kagami sentiu o sangue gelar nas veias. Seu queixo foi ao chão e esqueceu o caminho de volta. Em segundos o rosto pegou fogo, enquanto corava do pescoço até as orelhas.
Aquele animal tinha a menor noção da coisa estranha que tinha acabado de exigir?!
E que diabos fora aquela cena?!