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O zumbido da lasca de diamante n***o o retirou do transe de memórias e o trouxe de volta a realidade. Algo estava errado. Algo muito errado.
Havia uma distorção na energia que sentia dela através daquele laço que os conectava, como se ela estivesse sendo puxada para fora de seu alcance, para algo perigoso. A dor familiar de um presságio assombrava sua mente. Khaos se sentou em um sobressalto, suas íris indo de encontro a janela cuja noite perpetuava ao lado de fora.
Ela está em perigo.
Um calafrio lhe percorreu a espinha. Foi então que o corvo entrou pela janela. O pássaro n***o, com seus olhos profundos e penetrantes, parecia mais uma sombra que se desmaterializava no ar antes de se materializar sobre o ombro de Khaos. Ele não precisou de palavras.
O corvo, como um servo leal, transmitiu a mensagem em silêncio, uma imagem que entrou diretamente na mente de Khaos como uma lâmina afiada: Luce sendo arrastada por um homem desconhecido. A figura era imponente, com olhos escuros e uma aura densa, e ela estava levando Luce para longe da segurança da festa, para um lugar isolado, para as sombras.
Khaos não perdeu tempo. O corvo havia mostrado o caminho, e agora ele sentia a urgência pulsando em seu corpo, uma sensação de fúria antiga e de medo que se misturavam em sua alma. O vento noturno lhe cortava o rosto enquanto ele "atravessava" pelas ruas desertas, seus passos rápidos e pesados.
As estrelas acima pareciam girar em um ritmo frenético, como se o próprio céu estivesse refletindo o turbilhão dentro de sua mente. Ele não sabia ao certo quem era o homem que havia levado Luce, mas algo dentro dele dizia que não era alguém comum, nem alguém que deveria ser subestimado.
À medida que se aproximava do local, Khaos podia sentir a presença de Luce mais intensamente. O fio dourado entre eles pulsava com força, como se estivesse vibrando com a energia da situação. Ele sentia o medo dela, a dor, e, ao mesmo tempo, a tensão em seu corpo. Mas, o que mais o incomodava era o vazio que se estendia à sua frente. Ele sabia que algo havia acontecido ali, e o ar estava carregado de um presságio sombrio.
Quando finalmente chegou ao local, os ecos do que havia ocorrido ainda estavam frescos no ar. Luce estava sozinha, as vestes lhe caindo pelos ombros deixando parte de seu tronco exposto, seus olhos arregalados, seu corpo tenso como se ainda estivesse sob o impacto de algo terrível. Mas o homem — aquele ser que a levara — já havia desaparecido, como se ele tivesse se desfeito nas sombras, ou como se nunca tivesse estado ali.
Khaos parou a alguns metros dela, sentindo a energia dela de perto pela primeira vez desde que a sentira ser puxada para longe. Havia algo errado em sua aura, algo que não deveria estar ali. Ele a observou, seus olhos penetrando profundamente em sua essência, tentando entender o que tinha acontecido. Ela estava inteira, mas não completa. Algo se perdia dentro dela, e Khaos não sabia o que era.
Com um passo ágil, ele se aproximou, sua presença envolvente e intimidadora, mas carregada de uma preocupação que ele raramente mostrava. Ele estava ali, agora, para protegê-la, custasse o que custasse, mesmo sem compreender tamanha necessidade para tal.
── Luce... ── Sua voz saiu grave, mas suave, como se quisesse acalmá-la, mas também como se estivesse tentando se certificar de que ela estava bem.
Ele se abaixou diante dela, seus olhos fixos nos dela, estudando seu rosto. Seus dedos, que antes eram sempre firmes e implacáveis, agora hesitaram por um momento, quase como se temessem tocá-la, como se o toque de suas mãos pudesse quebrar algo ainda mais frágil dentro dela. Luce notando seu real estado, desesperadamente ajeitou o vestido sobre o corpo, voltando a cobrir os s***s, sentindo as bochechas queimarem.
Khaos ignorou os detalhes, ele apenas queria saber o que havia acontecido, mas ao mesmo tempo, não queria forçar respostas de uma mulher que claramente estava marcada pela experiência que acabara de viver.
── Você está bem? ── Ele perguntou, mas a preocupação em sua voz era inconfundível. Ele sabia que não podia deixar de perguntar, mas também sabia que ela provavelmente não entenderia o quanto sua resposta significava para ele.
Luce olhou para ele, os olhos brilhando com uma mistura de confusão, constrangimento e medo, mas algo mais, algo que ela não podia definir, estava ali também — uma espécie de conexão profunda e incertezas que pareciam emanar de cada palavra que ela queria dizer, mas que se perdia na garganta.
── Eu... ── Ela respirou fundo, tentando se recompor, mas a tensão ainda estava em seu corpo, a sombra daquele homem estranho a tocando e dizendo coisas sem sentido ainda pareciam pairar sobre ela, mesmo que ele tivesse desaparecido. ── Eu não sei... ele... estava... ── Ela balbuciou, como se as palavras estivessem presas em sua mente, incapazes de sair com clareza enquanto envolvia o próprio corpo em um abraço, sentindo-se imunda aos olhos dourados daquele que a observava agora.
Khaos franziu a testa. Ele sabia que a experiência dela havia sido terrível, podia ver as marcas invisíveis pelo corpo dela, cada canto tocado de forma repulsiva, mas havia algo mais. Algo que não estava visível para ele, mas que ele podia sentir com a mesma precisão com que sentia a energia das estrelas.
O homem, aquele ser que a havia levado, deixara algo em Luce, algo que não podia ser ignorado. Khaos se aproximou mais, e dessa vez, tocou seu braço, com uma leveza que contrastava com a força de sua presença. Seu toque era suave, mas impositivo, como se ele estivesse tentando conectar-se mais profundamente com ela, sondando o que restara após o encontro com aquele ser.
── O que ele fez com você, Luce? ── A pergunta saiu carregada de uma urgência que ele não podia esconder. Ele sabia que não era o momento de ser tão direto, mas a sensação de que ela estava em perigo, de que algo havia sido retirado dela, o impelia a agir sem hesitação. Talvez aquilo estivesse ligado ao fio que os unia, talvez pudesse ter alguma resposta.
Luce finalmente olhou para ele, seus olhos marcados por uma mistura de incredulidade e cansaço, como se ela não soubesse em quem confiar, mas algo dentro dela dizia que Kiernan estava sendo sincero. Algo na intensidade de seu olhar a fazia acreditar que ele não a deixaria sozinha, não importava o que acontecesse. Ela abriu os lábios, mas antes que pudesse responder, algo em seu peito doía. Ela não sabia como explicar, como colocar em palavras a sensação de que algo havia mudado ali, algo que não voltaria mais.
── Eu... não sei.── Ela disse, e sua voz vacilou. ── Ele falou sobre você, Kiernan... ── A última palavra saiu com um tom de dúvida, como se ela não tivesse certeza se deveria continuar. Khaos franziu o cenho. ── ou... não é assim que eu realmente deveria chamá-lo?
A voz de Luce havia mudado, bem como seu semblante. A dúvida e inquietação ardendo em seu peito a medida em que via a hesitação no ser a frente.
── Luce... eu... ── Ele podia ver o medo e a confusão emanando dela, mas não sabia ao certo como poderia salvar a situação.
Ele sabia que ela não compreendia, que ela não sabia o que ele representava, mas algo, algo dentro de si, dizia que se ele não interviesse, perderia Luce para sempre e com ela, todas as respostas.
Khaos não podia permitir que isso acontecesse. Não agora. Não sem entender tudo o que se passava entre eles. Mas havia algo mais importante do que as respostas. Ela estava em perigo, e ele faria o que fosse necessário para mantê-la a salvo. Até mesmo a verdade.
── Khaos. Esse é meu verdadeiro nome. Não sou um demônio como vive me chamando, sou algo mais antigo... o primeiro e único. Há muito mais que precisa saber, mas aqui não é o lugar certo pra isso. Não é seguro.
Luce balançou a cabeça, tentando afastar o nó em sua garganta, e, finalmente, ela se forçou a olhar para Khaos, seus olhos cheios de incerteza, mas também de uma nova consciência.
Ele não parecia estar mentindo e Ela não sabia o que o futuro reservava, mas algo dentro dela sentia que a verdade estava mais próxima do que nunca. O problema era que ela não sabia ainda como lidar com ela. E, por mais que desejasse ter as respostas, ela temia que talvez fosse tarde demais para voltar atrás.
Khaos permaneceu em silêncio, sentindo a energia ao seu redor pulsar com uma intensidade que lhe dizia que a noite ainda não havia terminado. Algo estava prestes a acontecer, e ele não permitiria que Luce fosse arrastada para mais um jogo de sombras.
── Sei que é pedir de mais, mas... confie em mim Luce. Precisamos ir... ── Ele disse, sua voz baixa e firme, como uma promessa. Ele não sabia o que o destino ainda reservava para eles, mas sabia que ela não estava mais sozinha.
Nunca mais.