O sinal para término das aulas ecoava por todo colégio, barulho de carteiras se arrastando e passos apressados só não eram mais altos do que o conjunto de vozes que falavam entre si quase que ao mesmo tempo, fazendo do lugar outrora silencioso e pacato, agora tomado por um completo alvoroço.
O que definitivamente não era o caso de Luce Anarom. ─ uma doce garota de estatura mediana, longos fios loiros ondulados, pele levemente bronzeada pelo Sol, lábios naturalmente avermelhados e olhos de um azul tão profundo quanto o próprio oceano ─ que vivia perdida em seu pequeno mundo da lua.
─ Ei, Luce! O que houve? Parece tão nas nuvens hoje... ─ Questionou uma das colegas de classe que agora se aproximava da carteira onde Luce estava a trazendo de volta para órbita terrestre.
─ Uh, Sei lá... venho tendo uma sensação estranha e angustiante no peito esses últimos dias. ─ A respondeu de forma simples logo tratando de juntar os pertences para por na bolsa.
─ Ah! Qual é... deve ser porquê está aproximando o dia do seu aniversário. Não é todo mundo que nasce no Halloween. Isso deve ter seu peso... ─ disse com ar descontraído e brincalhão, ajudando a garota no processo de guardar todos os materiais e logo trataram de seguir rumo a saída. ─ mas planejamos sua festa, de novo...
─ Ah não! Sarah... ─ Exclamou parando no meio do caminho ao que a própria garota que a acompanhava retrocedia alguns passos para a puxar pelo braço e continuarem andando.
─ Ah sim!!! E não aceitamos que falte esse ano como no passado. Dessa vez nos superamos, vai ser temático pois né, é Halloween. Então capriche na fantasia, aniversariante... ─ a menina de cabelos castanhos e pele morena sorriu dando um abraço de despedida na garota, agora seguindo um caminho contrário ao de Luce. — Te mando mensagem mais tarde! Se cuida! — completou ao que Luce sorria meio sem jeito acenando para a colega, logo soltando um suspiro pesaroso murmurando um "Droga!", logo seguindo caminho de volta para casa.
Luce odiava o dia de seu aniversário e não era pra menos. Por mais que fosse uma data que muitos ansiavam para comemorar e festejar ao lado dos mais queridos, a garota desgostava pelo simples fato de achar ser uma data amaldiçoada, ao menos para si mesmo. Já que foi justamente em seu aniversário de treze anos que perdeu seus pais e avô em um acidente de carro.
Também teriam acontecido vários outros acidentes inesperados e desastrosos antes e depois disso, todos em seu aniversário. E toda vez que a data se aproximava, era como se algo apertasse em seu peito esperando somente pelo pior.
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─ Vovó! Cheguei... ─ Avisou como que com um cantarolar alegre assim que passou pela porta de madeirite da simples casinha que se localizava no final da rua. Mas a casa estava com um silêncio descomunal, nem os passarinhos que a doce senhora possuía estavam a cantar. ─ Ue, que estranho... Vovó! ─ chamava em alto e bom som enquanto andava pelos cômodos da casa a procura da mulher. ─ Dona Martha?!
Quando chegou na cozinha notou um bilhete na porta da geladeira. Típico da mulher que ainda se recusava a usar da tecnologia atual para coisas assim, preferindo o bom e velho hábito da escrita. Curiosa, se aproximou tirando o imã de cima enquanto segurava parte do papel para finalmente o ter em mãos e ler o que estava escrito ali.
"𝒪𝓁𝒶 𝓂𝒾𝓃𝒽𝒶 𝓆𝓊𝑒𝓇𝒾𝒹𝒶, 𝐸𝓈𝓅𝑒𝓇𝑜 𝓆𝓊𝑒 𝓈𝑒𝓊 𝒹𝒾𝒶 𝓉𝑒𝓃𝒽𝒶 𝓈𝒾𝒹𝑜 𝒷𝑜𝓂. 𝒯𝒾𝓋𝑒 𝓊𝓂 𝒾𝓂𝓅𝓇𝑒𝓋𝒾𝓈𝓉𝑜 𝑒 𝓅𝓇𝑒𝒸𝒾𝓈𝑒𝒾 𝓋𝒾𝒶𝒿𝒶𝓇. 𝒱𝑜𝓁𝓉𝑜 𝓃𝒶 𝓈𝑒𝑔𝓊𝓃𝒹𝒶 𝑒 𝓅𝓇𝑜𝓂𝑒𝓉𝑜 𝒸𝑜𝓂𝓅𝑒𝓃𝓈𝒶𝓇 𝓂𝒾𝓃𝒽𝒶 𝒶𝓊𝓈𝑒𝓃𝒸𝒾𝒶 𝓃𝑜 𝓈𝑒𝓊 𝒶𝓃𝒾𝓋𝑒𝓇𝓈𝒶𝓇𝒾𝑜...[•••]"
─ "Te amo, beijos de sua querida vovó Martha. Ps: levei os pequeninos para que não morram de fome com você aí..." ─ um sorriso surgiu a partir dos lábios da garota que logo franziu a testa indignada ─ Credo, nem sou tão irresponsável assim. Eu ia saber tratar deles...
Murmurou deixando o bilhete sobre a bancada da pia, soltando um breve suspiro enquanto pensava no que poderia fazer no restante do dia. Sua avó sempre tinha essas manias de viagem, e as desculpas eram sempre as mesmas, "imprevistos". E toda vez que voltava para casa vinha cheia de plantas, ervas e coisinhas estranhas como objetos antigos, livros e pergaminhos.
Por estar sozinha e sem muito o que fazer já que a casa se encontrava organizada, achou melhor optar por assistir algo na televisão. Seguiu até a sala pegando o controle que estava em cima da mesinha de centro e então se aconchegou no sofá ligando a mesma, trocando de canal em canal até perder a paciência de procurar por algo, acabando por deixar em um onde se passava desenhos animados. Com o passar das horas seus olhos começaram a ficar pesados, e seu corpo aos poucos ia se rendendo ao cansaço.
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Luce ouve um som de passos e risos de crianças ao lado de fora da casa, a garota então se inclina um pouco olhando rumo a janela, achando não ser nada de mais tendo em vista que tinha vizinhos com filhos, logo voltou a se deitar.
Novamente o barulho ecoou, mas o grito de pavor de uma das crianças fez com que a garota por instinto se levantasse às pressas e seguisse rumo à porta de entrada da casa. Rapidamente a destrancou, não lembrava de tê-la trancado antes, mas as chaves estavam ali na fechadura então o fez.
Abrindo a porta seus olhos se arregalaram em puro terror com o que contemplava, os céus estavam escuros e a lua cheia no mais puro tom de carmesim enquanto que pessoas desesperadas saiam correndo de suas casas, ao som de choro e muita dor.
Em seu peito o ritmo acelerado dos batimentos cardíacos faziam com que engolisse em seco a visão e sensação de um tremor, não muito longe, ainda em seu campo de visão uma f***a começava a se abrir no solo.
─ Aí meu deus! ─ Teria sido a única coisa a se pronunciar antes de ter a reação de sair correndo sentido contrário a tudo aquilo. Não compreendia o que estava acontecendo, até pouco tempo tudo estava perfeitamente normal. Mas a única coisa a qual se concentrava agora era correr.
Corria como jamais tivera corrido em toda vida, podia sentir, ouvir o atrito dos passos apressados contra o chão até tudo se tornar breu a fazendo cair. Um murmúrio de dor escapou de seus lábios ao que apoiava as mãos sobre o chão se forçando a inclinar o corpo.
O cenário em preto e branco mostrava uma floresta morta envolta por uma neblina densa, a imagem nítida do lugar horripilante agora ofuscava em ruídos e falhas como de um dvd arranhado. Barulho de corvos agitados bem como suas asas batendo tomavam conta do lugar.
Assustada com tudo aquilo decide se levantar logo e fugir dali mas sentia o solo úmido, se apoiou sobre os joelhos afim de conferir-lhe as mãos que agora estavam encharcadas de sangue.
Vozes sussurravam incessantemente enquanto que a garota olhava apavorada para as mãos trêmulas, tendo a respiração ofegante: "O despertar está próximo... o despertar está próximo... O despertar está próximo... O despertar está próximo..." seguido de um zumbido que aumentava gradativamente a um nível insuportável até tudo apagar.
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Luce teria se despertado em um sobressalto no sofá, completamente ofegante e suada, ouvindo o controle cair ao chão de modo a fazer com que mudasse de canal, para um filme de terror.
─ Merda... calma, foi só um pesadelo. ─ Dizia a si mesma em tom de sussurro passando as mãos pelos fios de cabelo os colocando para trás, assim pegando o controle, desligando a Tv e indo rumo a cozinha para beber um copo d'água.
Olhando pela janela viu que já era noite. Não se lembrava ao certo em que momento teria pegado no sono, mas definitivamente não queria repetir a dose no momento. Depois de beber água seguiu para o quarto onde pegou uma muda de roupas mais confortáveis junto a toalha e assim seguiu para o banheiro, afim de um longo banho relaxante.
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