O Engano - A Organização - Livro 1

27.1

Hugo

Algumas horas antes.

– Filho, preciso conversar um assunto muito sério com você.

Gusmão e Teodoro acabaram de sair da sala, não havia nada para relatar ou corrigir, mas o clima pesado foi inevitável, de uns dias para cá percebo como meu pai está mais abatido e cansado.

– Hugo, você é o meu sucessor, claro que seu irmão também, mas a responsabilidade maior sempre será sua. Preciso que saiba sobre uma notícia que tive recentemente quando fiz meus exames de rotina, estou com câncer, está em estágio inicial, vou começar o tratamento e como deve imaginar ficarei bem debilitado, a quimioterapia é agressiva, já não sou um homem jovem e com disposição como você e seu irmão. Toda essa situação com Gusmão acabou com o resto de disposição que tinha, meu amigo jamais vai me perdoar, acredito que mereça isso, mas depois do grande e terrível engano que cometi preciso tentar acertar antes de ir.

– Pai, você não vai morrer, pare de falar assim.

– Filho, a morte é um processo natural da vida, minha hora vai chegar assim como a sua, mas quero deixar tudo acertado antes de começar meu tratamento. Hugo, a partir de hoje vai ocupar seu lugar como líder dessa família, vamos oficializar na próxima sexta na reunião geral das cinco famílias. Sei que entende a importância do posto que vai assumir.

Meu pai me treinou e educou para esse momento, mas confesso que não queria assumir nessas circunstâncias, ainda mais por estar cada dia mais longe da minha esposa. Gabrielli não me permite uma aproximação e está cada vez mais displicente com Davi para ser sincero, ela despreza nosso filho apenas por ser uma parte de mim.

– Está em dúvida, Hugo? Sabe que não há espaço para interrogações na nossa família, não criei você para negar seu direito de nascimento.

– Não. Mas convenhamos que entregar seu cargo assim com tantas coisas acontecendo é aterrorizante.

Seu olhar parecia cansado, meu pai não era mais o mesmo, algo dentro dele mudou mesmo descobrindo a doença em seu estágio inicial. Ele se levantou indo até mim, depois segurou meu rosto como fazia quando era um adolescente cheio de dúvidas sobre minha vida e destino.

– Já é um homem feito, o sucessor que eu mesmo forjei com dureza e obediência, levei você a muitos acertos como também a erros, porque não sou perfeito. Quero que tente ser um homem melhor do que fui, justo e honesto, sobre as circunstâncias que me levaram a entregar o meu posto a você, estar doente é só um detalhe, já estou velho para tudo isso, agora é hora de você e seu irmão cuidarem de tudo.

– Sim, pai. Agradeço o voto de confiança, vou fazer jus a tudo que me ensinou, darei orgulho a você.

– Sei disso, agora precisamos conversar sobre sua mulher e meu sobrinho. O que está acontecendo? Não tente mentir para o seu velho pai, pois suas noites no bordel nos braços da prostituta e os olhares entre minha nora e seu primo não são tão discretos quanto tentam.

Meu pai é um homem atento e não está no lugar que está por ser um herdeiro apenas, sei que a situação não é fácil mas preciso desabafar com alguém.

– Eles são amantes. Vão fugir inclusive, mas não suporto mais viver assim, Gabrielli é diferente de Marcele que aceitou Gregório e o está perdoando, ela me odeia, bater e ser enérgico não resolveu. Ela não se importa com nada e nem mesmo Davi é sua prioridade.

Descobri da fuga deles recentemente, Teodoro movimentou a conta onde está depositada sua herança, comprou uma casa de praia no litoral do Brasil e conversavam a todo tempo por mensagem de texto. Não me orgulho de ter hackeado ambos, mas queria pelo menos ter um pouco de controle na situação.

– Eles estão trepando debaixo da minha casa, Hugo?

– Não. Ele não tocou nela, quer casar-se com ela usando os documentos falsos que criaram, ser um casal como manda o figurino.

Meu pai sente pena de mim e do meu casamento miserável, dá para ver seu olhar sob mim.

– Sabe que vão fugir e está calmo assim?

– Sim. O engano que cometemos nunca será perdoado, Gusmão nos odeia e com razão, Gabrielli nunca vai ter algum sentimento por mim além de repulsa e nojo, ela não ama nosso filho, para ser sincero penso que seja melhor que vá embora e tenha a vida que tanto deseja.

– Você ama essa menina. Deveria ter deixado se casar com ela desde o momento que percebi como a olhava, mas quando se é líder se precisa tomar decisões que muitas vezes não são as mais agradáveis, não se sinta como um perdedor, a culpa não é toda sua, mas minha por ter sido tão leviano em acreditar em provas forjadas contra alguém que muitas vezes foi fiel a mim antes da Organização.

Conversar com o meu pai sempre me dava essa sensação de estar com alguém sábio ao extremo, ele tinha seus defeitos que não eram poucos, mas também possuía um dom com as palavras.

– Vai deixar a mulher que ama ir embora?

– Ela não me ama, mantê-la ao meu lado é fazê-la infeliz e consequentemente trazer infelicidade para o nosso filho. Davi vai superar, é pequeno e vou inventar uma história de que a mãe morreu ou algo do gênero, mas não vou prender Gabrielli. Já fiz de tudo para fazê-la mudar de ideia, mas nada adiantou.

De repente Gusmão entra no nosso escritório com um semblante apavorado avisando de um acidente envolvendo vários carros na rodovia próxima ao nosso prédio comercial. Saímos todos juntos para ver os estragos, foi uma sequência de batidas com um carro capotado, foi uma visão terrível, vi Vagner sangrando muito e sendo amparado pelos socorristas que tentavam auxiliar os outros ao redor.

Mais a frente reconheço o carro capotado, corro na direção do veículo encontrando Teodoro sangrando do lado de fora, minha primeira ação é me aproximar dele, meu primo está perdendo muito sangue, mesmo assim me aproximo dele acabando por manchar todas minhas roupas.

– Primo, o que houve?

– O carro... estava sem freio, alguém...queria me matar. Hugo...proteja Gabrielli...mexi com pessoas perigosas para provar a inocência dos Gusmão...agora eles vieram cobrar.

– Pare de falar Teodoro, poupe suas energias. O socorro já está aqui!

Ele segurou minha mão sorrindo, como se soubesse que nada poderia ser feito para salvá-lo.

– Lamento... ter entrado no seu caminho... mas quero que saiba ... Não foi intencional, amo Gabrielli desde muito tempo... cuide dela, diga a ela que a amo...

Teodoro sorriu antes de fechar os olhos e morrer em meus braços, seguro seu rosto sentindo a terrível constatação de sua morte e de como tudo que houve hoje terá um efeito devastador em toda nossa família.