Oito meses antes
Gabrielli
Mamãe está agitada hoje.
Festas da Organização a deixam assim, por ser esposa de um m****o importante ela se cobra muito, também aproveita para nos encher de cobranças também. Jorginho com apenas dois anos observa nossa mãe indo de um lado para outro enquanto está no meu colo, ele ria em alguns momentos e até pedia o colo dela, mas a distinta Rute Gusmão está ocupada demais para dar atenção ao seu filho.
– Gabrielli, veja se Marcele está pronta. Não podemos atrasar, seu pai quer ser pontual, sabe como ele é com essa questão de horário.
Papai é repleto de regras e disciplinas que segue a risca, portanto, temos que seguir tudo que é imposto por ele a nós. Vou até o quarto de Marcele encontrando a minha irmã usando uma coroa de flores colhidas do nosso jardim enquanto rodopia pelo quarto, cantando como um lindo rouxinol. Ela é nosso anjo bom, doce e meiga carrega consigo uma pureza que nos encanta.
– Sonhando acordada de novo?
– Não estou sonhando acordada, estou inspirada. Vamos a um noivado, na realidade dois, portanto, estou entrando no clima do momento.
Rezo todos os dias para Marcele ser prometida a um homem bom, que entenda sua inocência e doçura. Talvez um dos vários rapazes acostumados a lidar com os números da Organização, minha irmã não suportaria se casar com um homem igual papai ou um libertino sem escrúpulos.
– Entendi, mas agora voltando para o mundo sem inspirações açucaradas, venha que vou ajudá-la a se arrumar.
Coloquei Jorginho sentado em cima da cama enquanto arrumava Marcele, sabia o que mamãe gostava e como deixar meus irmãos apresentáveis para essa noite. Hugo Assis e seu irmão, Gregório, vão noivar com duas primas, Giovana e Jacinta, o nosso meio é constituído de relações comerciais e o casamento não seria diferente. Eles as compraram para firmar um acordo, foi o necessário para evitar uma guerra, e acredito que nesse caso foi o certo a se fazer.
Com 19 anos eu sabia tudo que era pertinente e coerente saber, ouvia atrás das portas e mamãe me contava algumas coisas para me manter informada e ciente que logo eu e Marcele seríamos as próximas.
– Irmã, quer se casar?
– Eu? Mas é claro, fadinha do jardim dourado, você não quer?
– Sim, mas eu tenho medo. Se ele for bruto e me machucar, sei como ser uma boa esposa, mamãe nos ensinou e está nos orientando bem, mas e se fizer tudo errado.
A verdade é que nunca quis me casar, queria estudar e viajar pelo mundo, mas não nasci homem para me aventurar como uma perdida, portanto, o casamento é a única opção que tenho.
– Você se sairá bem quando chegar a sua hora. Veja você no espelho, parece uma fada com os cabelos loiros e os olhos verdes como as mais belas florestas do mundo, qualquer homem que tiver o privilégio de se casar com você será feliz, irmã.
Marcele é a cópia perfeita da nossa mãe, tão linda e pura, enquanto eu me pareço com a família do meu pai, cabelos castanhos escuros e olhos da cor verde. Jorginho já é a junção da beleza dos nossos pais, loiro como nossa mãe e com as sobrancelhas grossas do nosso pai. Termino de arrumar Marcele já levando meus irmãos para a sala principal de nossa casa, nosso pai já está do lado da nossa mãe, orgulhoso e imponente como sempre.
– Me entregue Jorginho, quero que todos vejam meu herdeiro nos meus braços.
Mamãe se ressentia pelo fato de não ter dado mais filhos homens para o meu pai, mas todas as vezes que ela via a interação entre pai e filho seu coração ficava cheio de alegria. A sensação plena de dever cumprido era visível em seus olhos, nosso pai a cobrava de maneira indireta e mamãe sofria com cada tentativa falha, quando soube da gravidez e que esperava um menino foi feito uma festa em comemoração.
É assim na Organização, homens tem mais valor, são mais bem vistos e toda atenção é para eles, o que para as mulheres não é bem assim. Não que esteja reclamando, até porque uma mulher não deve reclamar da “vida maravilhosa” que tem, mas queria poder não viver sobre essas regras estúpidas.
A maior mansão da região, assim era descrita a casa Assis, o lugar realmente é enorme com uma quantidade de quartos, banheiros e outros cômodos que acredito que nem mesmo os donos conhecem. Aprendemos sobre as famílias desde crianças, a Assis é a última, mas isso não quer dizer menos importante, muito pelo contrário.
Meu pai cumprimentava a todos conosco ao seu lado, os elogios eram feitos, mas eu estava mais concentrada em não fazer nada de errado, mamãe vivi ao redor do nosso pai como se sua vida só tivesse sentido por causa dele, mas ela foi educada assim, não dá para julgá-la. As noivas apareceram na entrada, são bonitas, na verdade parecem até princesas com seus vestidos, com certeza de uma marca famosa e joias lindas que ninguém conseguia tirar os olhos.
Tem muito tempo que não vejo os irmãos Assis, acredito que a última vez foi no aniversário de 15 anos de Marcele, depois não tivemos oportunidade de estarmos no mesmo lugar, as tradições aqui também são seguidas à risca. Eles vão até as suas futuras noivas fazendo um cumprimento formal as famílias delas, depois saem de braços dados com elas até a mesa de jantar, com certeza a maior mesa que já vi até hoje em uma festa.
Nos sentamos todos após eles, Marcele olhava para mim como se quisesse fofocar, com certeza queria falar sobre as novas mulheres da família, mas o jantar seria servido, portanto, ficaria para mais tarde essa conversa. Tudo estava delicioso e saboroso como tudo feito pela cozinha Assis, tradicionalmente conhecida como a melhor em grandes festas.
O clímax da noite foi o pedido formal de noivado, as jovens estenderam suas mãos onde os anéis foram colocados, os irmãos depositaram beijos castos nas mãos delas. Uma dança como manda a tradição começou, Marcele e eu acompanhávamos com o olhar nossos pais dançando, enquanto Jorginho dormia em meus braços, meus pais são bonitos juntos apesar do meu pai ser bem mais velho que nossa mãe.
Observei a grande sala que agora estava repleta de casais dançando, algo me chamou a atenção, o jeito que Hugo olhava para mim. Nunca fomos próximos, não por minha culpa, porque durante um bom tempo quis ser uma amiga, mas o problema é que nasci mulher, portanto, se não fosse sua futura esposa ou parente não poderíamos nos aproximar, mesmo meu pai tendo treinado Hugo por muitos anos.
– O que achou delas, irmã?
– Elas são bonitas, mas isso não importa tanto se não tiverem filhos homens nos primeiros anos, mas com certeza são perfeitas para ocupar o lugar da senhora Assis, não que pense que ela vai largar a coroa tão facilmente.
Agora a senhora Assis dançava com o senhor de todas as famílias, o senhor Assis, que está apenas aguardando o filho se casar para se aposentar de vez, mas não sei com certeza se fará isso. O poder é viciante, papai sempre disse isso, quando se tem poder se faz o que quiser com qualquer pessoa.
– Imagine viver aqui com a senhora Assis? Ela deve ser pior que o próprio d***o, já estou com pena delas.
A tradição exigia que todos vivam juntos, mas só a família Assis insiste nessa tradição, muitas famílias já não seguem mais isso pelos motivos óbvios.
– Sim. Mas elas podem ser demônios também, não as conhecemos, quem sabe serão elas que vão fazer a senhora Assis sofrer como se estivesse no inferno. Mas isso não é da nossa conta, vamos para o jardim? Esse lugar está quente demais, além do barulho, Jorginho vai acordar se continuar aqui.
Saímos em direção ao jardim e novamente o olhar de Hugo estava sob mim, mas logo ele desviou, deve ser impressão minha, Hugo sempre foi estranho parecendo vigiar a todos ao seu redor, por isso estava me olhando, eu não chamaria a atenção de alguém como ele.