Kate parou em frente aos portões da prestigiada faculdade de Stanford e suspirou. Agora era a hora de ser feliz e de certo modo ela sentia que tudo estava prestes a mudar na sua vida, até mesmo mais do que já havia mudado. Torcia para que essas transformações fossem boas e por isso sentia-se confiante.
A faculdade era composta por vários prédios, algumas torres com telhas em um formato de cone e pátios enormes, poderia até ser comparada a um castelo; seus prédios eram divididos em várias alas e ao canto haviam os dormitórios, tudo parecia muito antigo ao mesmo tempo que era novo, como um antigo moderno.
Antes de criar coragem para finalmente atravessar os portões da faculdade, Kate observou os jovens universitários caminhando a sua volta e aos poucos analisava as pessoas, havia sido uma dica da psicóloga da sua última escola para que se sentisse segura em um lugar. Havia uma morena com óculos Gucci pretos passando ao seu lado, com um ar superior e parecia ser mais velha que Kate. Em outro canto, um cara com óculos de grau e muitos livros em mãos derrubou todos e ao se abaixar apressadamente para apanhá-los acabou deixando cair o resto deles, o que o fez bufar de raiva, ela tinha vontade de rir da cena, mas resolveu que apenas o ajudaria.
Deu dois passos na direção do garoto antes de esbarrar em alguém, com a força do impacto ela cambaleou um pouco e isso fez com que derrubasse a bolsa e alguns livros que tinha nas mãos. Era a vez dela de bufar com raiva.
Levantou o olhar prestes a reclamar com quem esbarrou nela, mas ficou sem palavras ao ver um homem de terno, do tipo que parecia ter saído de um filme de romance, Kate o encarou por um tempo enquanto os olhos azuis penetrantes do tal homem a olhavam com a mesma intensidade. Quando se deu conta de que já estava o encarando há muito tempo, decidiu se abaixar e recolher os livros, mas ele se agachou ao mesmo tempo e acabou que os dois bateram as cabeças, rindo em seguida.
Ela encarou novamente seus olhos e por um momento permitiu-se ficar perdida neles enquanto avaliava seu lindo rosto, que mais parecia ser esculpido por anjos. Ao perceber os pensamentos insanos que tinha em sua mente, ruborizou e olhou para baixo pegando os livros apressadamente. Quando foi pegar o último livro as suas mãos se encontraram e como reflexo os dois as puxaram para trás, evitando o contato.
Kate pegou rapidamente o livro e ajeitou a bolsa no ombro antes de levantar, ele ficou em pé ao mesmo tempo e falou baixo:
— Desculpe-me por isso, eu estava olhando o jornal e acabei não vendo você no caminho. Eu te machuquei? — perguntou, falando rápido, parecia estar com pressa.
— Tudo bem. — Kate sorriu brevemente para o homem, não estenderia uma conversa com um completo estranho.
— Mesmo? — ele perguntou sem parecer convencido.
— Sim, não precisa se preocupar. Acho que os únicos que sofreram algum dano foram os meus livros — ela fez uma brincadeira e ele sorriu.
— Desculpe-me, de verdade. Preciso aprender a olhar por onde ando. — O homem parecia constrangido.
— Acontece. Se você não os derrubasse, com certeza eu os derrubaria logo, logo. — Ela sorriu abertamente. Queria continuar escutando a voz daquele homem, por mais estranho que isso fosse. Ele sorriu também, seu sorriso era maravilhoso.
— Bem, já que está tudo em ordem, eu já vou — ele falou ainda constrangido.
— Ok.
— Até mais, senhorita. — Ele piscou.
— Até o próximo esbarrão. — Só depois de pronunciar a frase que ela viu como isso soou ridículo, mas havia conseguido arrancar outro sorriso dele.
Nunca mais o veria, estava certa disso. Esse era o carma da sua vida, coisas interessantes aconteciam apenas por alguns minutos e depois nunca mais. Suspirou antes de voltar a andar em direção aos prédios principais, por sorte tinha um pequeno mapa que indicava onde ficava a ala de cada curso. Depois da aula, Kate iria para o seu dormitório, segundo a reitora da universidade, ela iria dividir o quarto com mais uma garota, Tracy Fell, e o número de seu quarto era o 7 c. Ela havia pego as chaves no dia anterior, pois perdeu-se com os horários e acabou esquecendo-se das aulas inaugurais e como não queria incomodar a colega de quarto pela tarde do dia anterior, preferiu passar a noite em um hotel e deixou a mudança para o dia seguinte após a aula. Esperava não estar encrencada por ter perdido a aula inaugural.
Ela andou por poucos minutos até encontrar uma placa que indicava o local das salas.
MEDICINA
MEDICINA AVANÇADA
ANATOMIA
BIOLOGIA
Além dos nomes, haviam setas enormes apontando para várias direções, a de Medicina apontava para cima, ela subiu as escadas chegando ao segundo andar e pouco depois viu um corredor, seguiu por ele por alguns minutos até encontrar a sala cuja placa estava escrita Medicina, entrou no local onde quase não havia ninguém.
Poucas pessoas estavam sentadas nas carteiras e escrevendo no quadro n***o estava uma mulher já de idade, ao canto estava escrito Srª. Carther.
Kate tomou o cuidado de sentar-se em uma das cadeiras que ficavam no meio da sala. Na sua concepção quem sentava nas cadeiras do meio queriam dizer "Eu sou descolada e ainda sim estudo", assim como quem sentava nas da frente queria dizer “eu sou uma nerd" e como quem sentava nas do fundo queria dizer “eu não quero nada com nada". Ou talvez não, ela só estava pensando como era no colegial, só por terem chegado ali na faculdade e estarem onde estavam já queria dizer que estavam dispostos a estudar. Ou no caso dos jogadores de futebol americano, chegaram ali por serem bons atletas, mas isso não se via em Medicina, ou pouco se via.
A sala rapidamente ficou cheia, todos calados, uns olhando e rabiscando algumas coisas em seus cadernos, outros mexendo em seus celulares e alguns apenas parados olhando para professora, que se levantou e começou uma breve introdução sobre o que eles iriam estudar.
— Bem-vindos, eu me chamo Elisabeth Carther, mas vocês só poderão me chamar de senhora Carther. Nós vamos começar a estudar a Semiologia ou Semiótica, o que vocês preferirem. Alguém sabe o que significa? — ela perguntou e ao ver que ninguém responderia voltou a explicar. — Semiologia é a parte da Medicina que estuda os métodos de exames clínicos, pesquisa os sintomas, indica o mecanismo e o valor deles, apurando todos os elementos para construir o diagnóstico e deduzir o prognóstico. — Ela terminou de falar e alguns alunos pareciam meio confusos, Kate decidiu pegar o livro e marcar as partes em que ficava com dúvidas para estudar depois. A professora parecia saber decorado o livro por que as falas eram exatamente iguais.
Dando prosseguimento à aula, a senhora Carther ainda explicou sobre as divisões da semiologia e suas diferenças. Ao final da dissertação a professora falou um pouco sobre os outros professores e sobre como as aulas seriam, algumas à tarde, algumas de manhã e outras à noite.
A aula continuou por mais alguns minutos, na saída da sala, Kate acabou conhecendo alguns de seus colegas de turma e marcou com uma das meninas de fazer um grupo de estudos caso estivessem com dúvidas.
Depois que deixou o recinto, decidiu ir até o estacionamento e pegar suas coisas, que ficaram no carro, desceu as escadas lentamente com o seu celular em uma das mãos e na outra os livros, por um momento ela se distraiu com o aparelho e acabou tropeçando no último degrau e se desequilibrando, quando estava prestes a desabar no chão, sentiu as mãos de alguém na sua cintura, pena que a pessoa não conseguiu salvar os seus livros que acabaram caindo de novo, esses livros não durariam um semestre se continuasse naquele ritmo , ela ouviu aquela mesma voz rouca dizer:
— Cuidado, mocinha.
— Obrigada — respondeu Kate enquanto levantava o rosto para ver quem a segurou.
Era o cara de terno em quem havia esbarrado pouco antes de entrar na faculdade, ela o olhou e percebeu que ele ainda tinha as mãos em sua cintura, de repente sentiu o rubor crescer em seu rosto, como se percebesse o homem afastou as mãos da cintura dela, meio constrangido, olhou-a uma última vez antes de se abaixar para pegar os livros, quando terminou de pegá-los, entregou todos nas mãos de Kate e voltou a olhá-la.
— Acho que há um padrão se formando aqui — ela falou sorrindo timidamente. — Sentia vontade de puxar assunto.
— Estou começando a desconfiar disso também.
— Você sempre esbarra nas calouras pelo campus? — ela perguntou com um tom de ironia e viu um lindo sorriso se formar nos lábios do belo homem.
— Só quando elas são lindas. — Ele entrou no jogo dela e a fez ruborizar.
— Licença — um rapaz falou e só naquele momento os dois perceberam que estavam impedindo a passagem na escada. Eles se afastaram para o canto, ao lado da escada.
— Touché, deixou-me sem palavras. — Ela sorriu tentando afastar a sensação estranha que havia se formado em seu estômago, como várias borboletas voando sem parar. Aquilo a incomodava.
— Eu geralmente causo isso nas mulheres. — Ele gabou-se e Kate sorriu com aquilo, tentando afastar a sensação estranha. — Tenho que pedir desculpas novamente por mais cedo, acho que não me apresentei como deveria e derrubei todo o seu material. Eu sou Thomas Wolf. — Ele não parecia sem graça, pelo contrário, parecia mais do que confortável com aquela situação.
— Ah — falou a jovem, meio perdida, olhando para os lábios de Thomas que eram naturalmente vermelhos. Ela voltou a si quando o ouviu pigarrear, sentiu as bochechas queimarem novamente. — Eu sou Kate Snow — falou e estendeu uma das mãos e ele apertou.
— Prazer em conhecê-la, senhorita Snow, o que a traz a Stanford? — ele perguntou com interesse.
— Sou aluna de Medicina, vim do interior após lutar muito por uma vaga aqui. — Ela sorriu orgulhosa, sabia o quanto havia estudado para isso.
— Olha, temos interesses em comum, vejo que a vaga foi bem merecida. — Ele sorriu, formando algumas rugas em seus belos olhos azuis. — Eu ensino Medicina Avançada na sala ao lado da sua — ele falou animado. — O que está achando da matéria?
— Pela introdução da senhora Cather, parece meio complicada, cheia de termos que levam a mais termos com ainda mais termos. — Kate sorriu sem graça.
— Vou te contar um segredinho, a velha Carther gosta de complicar as coisas, mas no fundo, no fundo mesmo, a matéria é fácil — Thomas falou com tranquilidade, já Kate estava nervosa ao lado dele.
— Bem lá no fundo, viu? — Kate falou e ele sorriu achando impressionante a espontaneidade dela. — Fácil para você falar, já deve saber todas as matérias do começo até o fim — respondeu ela, fazendo-o sorrir de novo.
— Vamos combinar uma coisa, vou te dar o meu número e se você precisar de ajuda em alguma matéria, pode ligar ou mandar mensagem — Thomas disse anotando um número em um pequeno cartão. — Estou aqui para ajudar. Todos os professores estão. — Ele parecia ter se corrigido ao falar a última frase.
— Obrigada, professor, eu preciso ir. — Ela sorriu para ele.
— A gente se vê por aí e espero que sem esbarrões da próxima vez — ele falou e ela sorriu.
Kate não respondeu nada, apenas saiu em direção ao estacionamento, meio perdida em seus pensamentos, Thomas era um cara fascinante, mas infelizmente era um professor. Em sua mente ela se perguntava se todos os professores eram gentis daquele modo, esperava que sim, já que passaria bons anos naquela faculdade.
Chegando no portão da faculdade ela avistou seu carro, um luxuoso Porsche Panamera preto, que seus pais haviam lhe presenteado pouco depois de saberem que ela entrou para Stanford, Kate achava isso um exagero, mas considerando todo o dinheiro que a família Snow tinha, era até pouco.
Ela destravou o carro ainda do portão mesmo e correu rapidamente até ele com a bolsa em cima da cabeça, tentando evitar a neve que caía sobre ela. Chegando ao carro pegou, duas malas e uma caixa. Empilhando uma das malas em cima da outra e as arrastou, enquanto carregava a caixa com a outra mão.
Considerando o frio que fazia, Kate estava vestindo uma calça de tecido grosso com botas baixas, uma blusa de mangas e um cachecol, tudo preto, o único contraste era seu sobretudo, vermelho, era quase que uma vestimenta para enterros se não fosse pelo chamativo sobretudo vermelho. Era difícil demais caminhar com os saltos finos de suas botas afundando na neve e sua mala também. Nesse momento o que ela mais desejava era que a faculdade tivesse algum carregador de malas, isso com certeza facilitaria sua vida. Ou pelo menos que não estivesse nevando.
Era engaçado pensar assim, até por que quando era menina o que mais esperava durante o ano era que a neve caísse e pudesse brincar com suas amiguinhas. Agora sabia que a neve poderia ser bem chata quando queria e pior ainda, poderia dificultar a vida das pessoas.
Alguns minutos depois Kate finalmente chegou a ala onde ficavam os dormitórios femininos. A caminhada se tornou mais fácil, considerando que ela não tem que arrastar seus pés debaixo da neve. O quarto dela era um dos primeiros, mas ficava já no fim do corredor e no segundo andar, ela entrou e começou a arrumar todas as coisas na cama escolhida, sua colega de quarto ainda não havia chegado, para a grande sorte de Kate, que pode escolher a cômoda, a cama e colocar suas coisas onde quisesse.
Depois de arrumar tudo, Kate decidiu tomar um banho. A água estava quente, tão quente que dava até para pensar que lá fora ainda era verão. Quando saiu do banheiro, deu de cara com uma garota de cabelos ruivos sentada na cama contrária a que escolheu mexendo em um Iphone. A garota estava com um enorme sorriso nos lábios e assim que percebeu a presença de Kate se virou para cumprimentá-la.
— Oi, você deve ser Katherine Snow. Eu sou Tracy Fell, sua colega de quarto — ela falou rapidamente, tão rápido que Kate demorou um pouco para raciocinar o que ela havia dito.
— Pode me chamar de Kate, por favor, Katherine é meio formal demais e um tanto quanto difícil de falar. — Kate sorriu de um modo gentil, a garota parecia alguns anos mais nova que ela.
— Oh, okay. Kate então. — Tracy sorriu novamente, os grandes cabelos cacheados da jovem caiam sobre o rosto de uma forma quase mágica delineando bem o rosto marcante, ela estava usando uns óculos que não a valorizavam muito. Como os que Kate usou durante o colegial. Pelo sorriso largo em seu rosto a cada vez que ela olhava o celular parecia estar conversando com alguém interessante, talvez um namorado.
Tracy parecia muito com Kate no colegial, mas ao contrário de Kate, a menina era bonita, uma beleza meio exótica, os olhos claros entrando em contraste com o cabelo de cor forte que parecia ser natural. A pele tão pálida que a blusa preta de frio chamava atenção, mesmo com os traços marcantes do rosto ela parecia o tipo de menina inocente.
— Acho que vamos ter muito trabalho para arrumar este quarto — Tracy falou enquanto bloqueava o celular e o deixava na cômoda. — Eu vou organizar algumas compras que fiz lá na cozinha então fique à vontade para se arrumar.
— Obrigado. — Kate sorriu e foi até a cômoda pegar uma roupa, como o aquecedor estava ligado e elas teriam que arrastar alguns móveis, ela vestiu apenas uma blusa cinza, sem mangas e uma calça moletom na mesma cor.
Quando terminou de se vestir foi até a cozinha para ajudar Tracy a terminar de arrumar lá.
— Isso aqui está uma bagunça, hein — Kate falou enquanto começava a lavar algumas louças.
— Quem morava aqui antigamente praticamente destruiu o quarto. — Tracy concordou.
As duas começaram uma conversa animada enquanto arrumavam a cozinha e depois seguiram para a parte do quarto. Kate torcia para que elas se dessem bem todos os dias como naquele momento.