02. Lua Narrando
Não foi fácil chegar até aqui. Cresci nesse morro, vi cada esquina se transformar em território de guerra, e hoje, sou eu que comando essa p***a toda. Mas, por dentro, ninguém sabe a tempestade que é viver nesse trono. Eu sou cercada de gente, mas sou sozinha nesse mundo com meu filho.
Lucas, meu moleque, tá dando trabalho demais. Tá na idade do capeta, 13 anos e já pensa que é o dono do mundo. Eu sei que ele sente falta do pai, e não tem dia que eu não me culpe por isso. Mas também não posso deixar ele se perder, se deixar levar por esse ódio que ele carrega. O Urso, pai dele, morreu num tiroteio, tentando proteger a gente, o morro. Agora, tudo que eu faço é pra honrar a memória dele, mas também pra proteger o que é meu, o que é do Lucas.
Hoje, a escola chamou de novo. “Boa tarde, o Lucas se meteu em mais uma briga, dona Lua. Gostaria de conversar com a senhora.”, a diretora sempre vem com esse tom de voz, como se eu não soubesse o que tá acontecendo. Eu sei, conheço meu filho melhor do que ninguém. É o reflexo do pai, só que mais revoltado. Ele quer brigar com o mundo inteiro, mas no fundo, o que ele quer mesmo é o pai de volta. E isso, ninguém pode dar. Se eu pudesse, eu teria ido no lugar do Léo, por que ai eu sei que o Lucas hoje não seria desse jeito todo. Eu também sinto falta do Léo, eu tambem queria ele aqui comigo, mas infelizmente eu não posso trazer ele de volta.
Cheguei na escola já preparada pro que vinha. Toda vez é a mesma coisa, e eu já tô cansada desse papo furado. Lucas aprontou de novo, e quem tem que vir resolver? Eu. Não tem um dia de paz. Quando passei pelo corredor, vi um cara diferente, meio deslocado ali. Nem parecia professor. Estava de kimono, falando com o Lucas, e, pra minha surpresa, meu moleque tava ouvindo. Fiquei de longe, tentando entender qual era a desse sujeito, mas não dava pra parar e perguntar, tinha que ir direto pra diretoria.
Eu passei e fui direto pra secretária, ouvir mais uma bla bla bla da diretora. Que inferno! Nem eu to mais com paciência. Entrei na sala da diretora sem bater, porque, sinceramente, quem tem tempo pra isso? Já sabia que ela ia começar a lenga-lenga de sempre.
—Dona Lua, precisamos conversar sobre o comportamento do Lucas.
Revirei os olhos, sentando na cadeira com um suspiro pesado.
— Dona Marta, já não sei quantas vezes a gente teve essa conversa. Que que foi dessa vez?
Ela ajeitou os óculos, num gesto que me irrita mais que tudo. Toda certinha, toda profissional. Mas na real, ela não entende p***a nenhuma do que é criar um filho sozinha, ainda mais num lugar como a Nova Holanda.
— O aluno se envolveu em mais uma briga. Ele tá cada vez mais agressivo, e isso tá prejudicando o ambiente escolar. As outras crianças têm medo dele, e os professores já não sabem mais o que fazer.
— E o que você quer que eu faça, Marta? Que eu tranque ele em casa? Você acha que eu não falo com ele? Que não tento botar algum juízo nessa cabeça dura? Só que ele tá revoltado, e você sabe bem o motivo. Não é só questão de birra. To achando que vocês estão tratando o meu filho como um animal, ele não é bicho pra ninguém ter medo dele aqui. — eu soltei de saco cheiro
Ela suspirou, meio sem paciência, mas tentando manter a postura.
—Eu entendo que a situação é difícil, dona Lua, mas o Lucas precisa de orientação, de limites. A escola tá aqui pra ajudar, mas ele tem que colaborar também.
— Colaborar? Marta, o pai dele morreu num tiroteio defendendo esse morro. Desde então, ele tá sozinho, só tem a mim e eu só tenho a ele. Você acha que ele vai ouvir alguém daqui? A escola não tem o respeito dele, vocês tratam meu filho como se ele fosse um vagabundo, mas ele não é. Eu luto pro meu filho não ir pelo nosso caminho. E eu tô aqui pra ouvir a mesma ladainha de sempre. Mas me diz, o que vocês tão fazendo pra ajudar o aluno?
Ela hesitou um pouco, como se escolhesse as palavras.
— Então dona Lua, nós trouxemos um novo professor, o Thales, que tem experiência em trabalhar com crianças com comportamentos desafiadores. Ele é um professor de luta, e acreditamos que a disciplina e a responsabilidade que ele ensina podem ser boas para o Lucas.
— Thales, né? — Eu pensei na figura de kimono que vi antes de entrar aqui — Esse é o sujeito que tava conversando com o Lucas no corredor?
— Sim, é ele mesmo. Ele começou a trabalhar conosco recentemente e já mostrou um bom resultado com outras crianças. Acredito que pode ajudar o Lucas a canalizar essa raiva de uma forma mais produtiva.
Dei um sorriso meio cínico. — Vamos ver, então. Mas vou te falar uma coisa, Marta. Eu conheço meu filho. Se esse Thales conseguir fazer Lucas ouvir, ele vai ganhar mais que meu respeito. Mas se for só mais uma tentativa furada, você sabe onde me encontrar. E não espere que eu venha aqui de novo pra ouvir o mesmo discurso, por que na boa? Eu ja to de saco cheio. E eu tenho que pagar as aulas né? — eu falei mexendo no bolso e tirando o dinheiro
Ela assentiu, meio aliviada que eu não fiz mais escândalo. — Espero que possamos trabalhar juntas para o bem do Lucas.
— É o que eu mais quero, Marta. Mas, às vezes, parece que eu tô lutando essa guerra sozinha. — eu peguei o valor e entreguei pra ela
Saí da sala e fui atrás do Lucas. O professor Thales ainda tava por ali, conversando com os outros alunos. Dei uma última olhada pro meu filho, tentando imaginar se esse Thales realmente conseguiria ajudar o meu filho. Porque, se não conseguir, vai sobrar pra mim, de novo. E eu não sei quanto mais eu aguento ver o Lucas se perder nesse mundo.
E com isso, fui embora, sabendo que o próximo round ainda tava por vir.