Nova Jerusalém, Paraíso
Miguel observava os anjos reunidos em pelotão. Mais de uma semana havia se passado desde seu encontro com o Criador. Levara aquele tempo para reunir todas as almas que puderam encontrar nas cidades-refugio principais, que também eram as Passagens que podiam abrir a porta para a Sala do Trono de Deus: Moscou, Dubai, Istanbul, Nova York, Sidney e Buenos Aires. Os outros querubins também estavam nessas cidades. No momento, os quase cem mil anjos que compunham as sete Legiões recém-formadas estavam conectados através de uma espécie de vídeo conferência feita com a Magia Celestial. Era o momento do primeiro discurso de Miguel como General das Legiões.
Ele estava no topo mais alto de Nova Jerusalém, um prédio de seis andares decorado com pedras preciosas de todos os tipos. Sua Legião estava ali. Os anjos mais velozes que existem. Era a maior Legião, pois eram os que combateriam efetivamente os Filhos do Abismo, enquanto as outras, menores, protegeriam as cidades. Para proteger Nova Jerusalém uma equipe com anjos de várias Legiões foi formada.
Havia, então, apenas sete cidades nas mãos dos anjos. O resto do Paraíso estava totalmente tomado pelos Filhos do Abismo.
Fitava seu reflexo no espelho flutuante diante de si. Era chegado o momento. Em poucos minutos ele iniciaria a transmissão e, oficialmente, iniciariam a Segunda Guerra Celestial. Sebastiam, que estava em Dubai, surgiu na tela, o primeiro querubim a iniciar a transmissão. Ele não tirava os olhos de Miguel; obviamente não gostava da ideia de um anjo mais novo que ele e com menos experiência comandando todos os outros. Depois, surgiu Alev, de Buenos Aires e Salazar, falando de Nova York. Por último os três membros restantes, Valentine, que comandava a tropa em Sidney, Galadriel, que guardava a entrada de Moscou, e Constantine, que mantinha a segurança de Istambul, a cidade que conecta o Oriente ao Ocidente. Todos os querubins estavam reunidos. Então, discursou:
– Nós lutamos durante milênios para defender nossa casa das mãos de inimigos. Nós combatemos o m*l, os Filhos, deuses, anjos e demônios para manter a paz que reina aqui no Paraíso e em toda a Criação do Senhor, que, em sua perfeição, é incapaz de destruir qualquer coisa. Cabe a nós, seus filhos, seres imperfeitos e de natureza mutável a combater por Ele. E mais uma vez, nossa casa está em perigo. O primeiro inimigo dos anjos, a razão de termos nos tornado guerreiros indo contra o propósito de nossa criação, retornou. Um inimigo chamado Sephiroth invadiu nossa casa, nossas fronteiras, e libertou esse inimigo. – Então Miguel contou o que acontecera no Abismo; como eles descobriram no píer o desaparecimento do barco Mensageiro; contou como enfrentaram Sephiroth; e Nathanael expulsando-o do Paraíso. – Infelizmente não pudemos mandar ninguém atrás dele, pois a guerra aqui demanda que cada anjo fique no Paraíso. Nós perdemos Roma, uma das Passagens. Temos que proteger as outras a todo custo. Não podemos permitir que eles cheguem à Sala do Trono. O Senhor nos deu um novo poder; um poder capaz de selar os Filhos com mais facilidade que o Fogo Celestial. Ele o chamou de Fogo Leve. Kýklus Sīl, na Língua de Prata. – Ele notou que vários dos subordinados usaram a palavra, invocando o poder; Miguel aprovou; quando terminaram e voltaram à posição original, acrescentou: – Vamos proteger o Pai e nosso lar!
Urros e vivas ecoaram tanto da praça com sua Legião diante de si, assim como nas Legiões que o via pelo espelho. Miguel sorriu. Não era o melhor discurso de guerra, mas bastou. Os outros seis querubins olhavam-no com aprovação na tela. Miguel havia conquistado o coração deles, apesar de que Salazar, sempre desconfiado, tinha dúvidas em relação à escolha do Criador; Miguel chegava a se perguntar se algum dia aquele querubim o aceitaria nele como líder.
Agora precisavam discutir a estratégia de combate. O que fariam a seguir. Depois que a conexão se fechou, deixando apenas os querubins conectados, Miguel falou:
– Precisamos de mais informações. Estamos combatendo praticamente às cegas.
– As almas estão dizendo o que podem, possuem algumas informações. Sabemos que apenas três cidades estão sendo usadas como QG, e neles moram os Filhos que se juntaram em exércitos, como aquele que atacou Roma. – Salazar comentou.
– Quais cidades? – Valentine perguntou.
– Roma, é claro. – Salazar respondeu. – Bucareste e Paris. Mandei alguns anjos para espionar as cidades, e eles me disseram que apenas Roma está cem por cento murada. Nas outras, os muros ainda estão pela metade. E, pelo que pudemos notar, em Bucareste a concentração deles é menor. Em um ataque, essa é nossa melhor chance.
– Parece um plano. – Miguel afirmou. – Temos alguma informação sobre Kifo?
– Ele foi visto aos arredores aqui de Buenos Aires. – Alev respondeu. – Não sabemos seu objetivo e preferi não arriscar mandar alguém atrás dele. Seria perigoso demais.
– Há quanto tempo isso aconteceu? – Miguel perguntou, quase o interrompendo.
– Há menos de vinte quatro horas.
– Ele deve estar buscando aliados. Ele não tem controle sobre nenhum dos Filhos e, pelo jeito, perdeu os aliados que conseguiu para combater em Roma. – Miguel afirmou, ele parecia certo do que falava.
– Acha que devemos mandar alguém atrás dele?
– Não, é melhor não. Apenas se nós sete lutarmos juntos é que poderemos derrotá-lo.
– Ele é tão forte assim? – Galadriel perguntou.
– Ele matou Rafael brincando. E Rafael não estava sozinho.
Miguel notou as caras de surpresa nos rostos dos três anjos que pertenceram a Guarda. Os outros três conheciam o poder de um Filho da Morte.
– Durante a Primeira Guerra Celestial, eu e Lucy-El apenas conseguimos derrotá-lo trabalhando juntos. E ela era um Anjo de Metal. – Salazar afirmou.
– Nós conhecemos a história. – Alev afirmou. – Se pelo menos eles estivessem aqui.
– Mas não estão. Não precisamos ficar remoendo os fantasmas do passado. – Valentine reprimiu. – O que temos que fazer é vencer essa guerra.
– Ouvi dizer que a filha de Lucy-El herdou as habilidades e a armadura da mãe. – Constantine disse. – Ela poderia ser de alguma ajuda.
– Ela não se lembra de suas habilidades ou de sua vida. – Miguel respondeu. – E o Senhor proibiu que qualquer alma se lembrasse de como era a vida na Terra; de suas tentações.
– Qual será o plano, Miguel? O que irá fazer em seguida? – Salazar perguntou.
– Limparemos os arredores de Nova Jerusalém; ampliaremos, aos poucos, o nosso território.
– Não creio que essa é uma boa ideia. – Valentine retrucou. – Chegará uma hora em que não conseguiremos defendê-lo.
– Não há necessidade de defender. Será uma limpeza apenas; diminuiremos a quantidade de soldados. Temos de começar por uma área que não seremos atacados por trás, o que seria fatal. – Miguel retrucou. – Se por acaso os outros Filhos da Morte forem libertos, nós teremos um exército muito maior para combater. A melhor ideia é combatê-los enquanto estão desorganizados.
– Ele está certo. – Sebastiam concordou.
Os outros querubins concordaram; Valentine mais contra sua vontade que os outros.
– Eles não podem nadar. – Alev disse de repente. – Não acredito que irão cruzar o mar com barcos. Seria arriscado.
– Senhor Miguel! Senhor Miguel! – Um anjo veio gritando em sua direção.
– O que foi?
– Um homem chegou ao portão da cidade carregando um anjo, que está acabado.
– Um homem e um anjo? Um homem que salvou um anjo? Como isso é possível? Quem?
O anjo deu um sorriso de canto de boca, sabendo de algo que o querubim ignorava.
– O Rei Davi.
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Roma, Paraíso
Vizard observava os dois Senhores de Guerra seguirem seus caminhos pelo horizonte com a luz baixando, tornando o céu vermelho. Ele estava sobre o muro recém-reconstruído. Uma sensação nostálgica tomou conta dele, mas o sentimento não pertencia a ele e sim a Caleb. A imagem veio à mente dele, mas sabia que nenhum dos outros Filhos podia ver.
Ele estava com uma garota no topo de uma torre feita de aço. É a Torre Eiffel, Caleb informou, e essa é Rouen. Vizard fitou a garota com quem Caleb estava abraçado. Ela, sentada, era uma cabeça mais baixa que ele; ela tinha os olhos azul-esverdeados, como o mar. A pele branca e macia, o nariz fino e meio arrebitado, os cabelos em um tom de castanho tão claro quanto a luz. Caleb sentiu saudade dos cabelos lisos, volumosos e cheirosos.
As memórias de Caleb eram meio confusas, como se misturando sonho com realidade. Não era exatamente como os outros Ryaks que libertaram suas verdadeiras formas. Eles sabiam quais memórias eram pós-morte e quais pertenciam a Terra. Mas ele era diferente; Vizard não sabia diferenciar uma das outras. Algumas pareciam memórias de sonhos de tão confusas.
Eu nunca estive na Terra, Caleb respondeu, eu nasci aqui no Paraíso.
Do que está falando?
Bem, eu não, literalmente, nasci aqui, pois aqui não temos corpo, somos apenas espirito. Na Terra, porém, mulheres ficam grávidas o tempo todo e, às vezes, o feto ou bebê morre antes de ter a chance de viver. Mas eles ainda têm almas e elas são mandadas para cá; ficam e crescem em hospitais, que na verdade são maternidades e orfanatos. Foi onde cresci.
Cresceu? Sem um corpo?
Nós, aqui, podemos ter a idade que quisermos. Mas, por exemplo, se estou aparentando trinta anos e quero parecer ter vinte, tenho que rejuvenescer durante dez anos. Então, para que uma alma de um bebê tenha aparência adulta é preciso esperar anos.
Vocês são muito complexos. Eu prefiro ser um Filho do Abismo. Somos como somos e pronto. Nunca mudamos. Nunca morremos.
Deus não criaria algo tão simples assim.
De repente, dentro da mente que compartilhavam, um sorriso surgiu. Mas apenas um sorriso no ar, como o Gato de Alice no País das Maravilhas. Caleb já estava ficando forte o bastante para fazer surgir uma parte de si dentro deles. Quanto tempo levaria para que pudesse lutar efetivamente pelo controle de si mesmo?
Senhor, Jeremy está acordado, Decebal disse dentro da memória, Toriaine está isolando-o da memória coletiva. Ele também não parece ter controle sobre as habilidades herdadas de Thunroryak, por isso Norie está mantendo a eletricidade sob controle para evitar que ele machuque algum dos nossos. Não que o ele tenha poder para isso, pois nós os Filhos somos durões e...
Estou indo, interrompeu não querendo ser rude, mas sendo. Se deixasse, ele ficaria falando durante horas.
Quando cruzou o pátio onde enfrentara Aws, o Heartless, notou que um grupo de almas não possuídas passaram por eles no sentido oposto. Eles estavam acorrentados e usavam um pedaço de pano para cobrirem o corpo. Havia homem e mulheres. Vizard evitou olhá-los por mais do que alguns segundos cada, até que um grito chamou-lhe a atenção imediatamente.
– CALEB! – Era uma voz feminina.
Vizard deu um giro de cento e oitenta graus bruscamente em direção à mulher que estava atrás dele. Ele sentiu duas surpresas em sua mente: uma sua e outra de Caleb. Os olhos da mulher tinham todos os sentimentos possíveis. Raiva, ódio, medo, felicidade, rancor, esperança. Uma mistura complexa que apenas os humanos são capazes de fazer.
Rouen, Caleb disse.
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México, Terra
Alan Rockbell chegou ao México cerca de dois dias após seu encontro com o líder dos Espadas do Alvorecer. Ele não estava muito contente com o fato de ter que fazer um juramento na língua dos anjos, o que significaria que ele não teria como mentir. Para servir como espião para Verônica Zambrano, ele precisaria descobrir uma forma de contornar; uma forma de dizer o juramento, mas ao mesmo tempo torná-lo vazio de significado.
Ele resolveu começar sua investigação no Museu de Antropologia na Cidade do México. Uma vez lá, ele estudou tudo que havia ali sobre os Astecas, sua mitologia e crenças. A quantidade de deuses adorados por eles era muito maior do que os gregos ou dos nórdicos. Alan ouvia o guia contar sobre os sacríficos de sangue que eram feitos na época, e ele soube que essa era a base e origem de sua magia.
– Os sacrifícios executados pelos Astecas eram, em sua maioria, eram humanos. – O guia disse em espanhol.
– Eles não sacrificavam animais? – Alan perguntou em um espanhol impecável, afinal, o local de onde sua magia surgiu falava essa língua.
– Sim, mas apenas para alguns deuses menores que normalmente eram deuses de plantas ou de animais.
– E por quê? – Outro turista perguntou, parecendo que tinha adivinhado que Alan faria essa mesma pergunta.
– Porque o sangue de animais não era puro ou digno o bastante para os rituais.
Alan pôde imaginar a frustação dos sacerdotes que faziam os sacríficos durante o Império Asteca. Tentavam fazer rituais ou, até mesmo, feitiços usando o sangue de um porco, por exemplo, apenas para falharem.
O guia já levava o grupo para outra exposição, e Alan parou antes, diante de uma estátua característica Asteca de um macaco. Dentro de uma mochila que carregava estava o livro que Verônica dera para ele, aquele que pertenceu a Merlin. Abriu em uma das páginas em que ele explicava como chegar a Aztlan. O autor descrevera que a entrada de Aztlan era guardada por três guardiões: um macaco, uma águia e um touro. Pela descrição, aquela estátua tinha vindo de Aztlan.
Alan correu para se juntar ao grupo e, assim que o fez, perguntou ao guia mais uma vez.
– Aquela estátua ali atrás, de onde veio?
– Qual, senhor? – O guia estranhou, já que havia apenas pinturas no salão em que estavam.
– Aquela. – Ele apontou.
– Veio de um templo subterrâneo de Tenochtitlán. Um sítio arqueológico explorado cerca de trinta e cinco anos atrás.
– Você sabe quem a encontrou? – O guia pareceu estranhar a pergunta, mas ele respondeu mesmo assim.
– Sir Bryce Diggle. Um arqueólogo inglês renomado. – Alan nunca tinha ouvido falar dele. – Este quadro... – Ele recomeçou sua explicação, mas Alan ainda tinha uma pergunta para fazer.
– Ele está vivo? – Interrompeu.
– Mas é claro! Ele costuma vir todos os anos conferir se suas descobertas ainda estão por aqui.
– E quando ele vai estar aqui de novo?
– Infelizmente, senhor, eu não sei. – O guia estava visivelmente irritado. – O senhor poderia por gentileza parar de interromper minhas explicações?
Alan levantou as duas mãos, sorrindo como se tivesse feito uma brincadeira com alguém. De acordo com Merlin, para encontrar a cidade perdida de Aztlan era preciso tornar-se digno. Por isso, as três estátuas representavam os desafios que o guerreiro deveria enfrentar para entrar na cidade. Se aquela estátua estava ali, isso significava que as outras não estavam onde deveriam, mas sim espalhadas por aí.
Antes de se preocupar com a localização das outras duas, ele decidiu que teria que completar o desafio daquela que estava ali. O diário dizia que, para despertar a estátua do macaco, você deve usar sangue de uma pessoa conhecida por ser muito ágil, portanto, ele sabia que não poderia usar seu próprio. Onde poderia encontrar alguém ágil o bastante para servir de sacrifício de sangue?
Um clube de esportes é claro! Ele saiu do museu, chamou um táxi.
– Qual é o clube mais perto daqui? – Perguntou.
– O Club de Futebol América. – O motorista disse, com um sotaque estranho de alguma região ao norte do México.
– É para lá mesmo que vou.