Kintbury, Inglaterra
Terra, Julho de 1986
O investigador Ronald Cleanwood entrou na cena do sequestro. Ele era um homem alto, de quase 1,90 metros; tinha seus cinquenta e tantos anos; cabelo grisalho, assim como o bigode farto sobre o lábio; o rosto quadrado, os olhos azul-escuros e o chapéu caqui, como o terno, eram característicos do inglês que era. Ele não era um cara magro, era troncudo e forte, mas não gordo, pois costuma malhar todos os dias. Ronald é pai de família, têm três filhos, dois deles, homens, com mais de vinte anos, estavam casados. Sua filha mais nova tinha apenas dezessete anos. Ronald vivia um casamento de vinte e oito anos e era feliz. Nunca traíra a esposa, nem nunca foi traído.
Fazia quase trinta anos que estava no departamento de desaparecidos da Scotland Yard e nunca tinha visto um caso como aquele. Três mulheres tinham desaparecido em três dias e em três lugares diferentes. Três características conectavam os casos: os nomes, o perfil das vítimas e do sequestrador. Esse foi visto por testemunhas no local usando um casaco de chuva bege sobre um terno marrom de grife, calça na mesma cor, camisa branca sem gravata e sapatos de couro com o bico cinza, cor do metal que era revestido e um chapéu coco sobre a cabeça. Esse homem foi visto pelos arredores de onde as vítimas foram vistas pela última vez.
A primeira vítima desapareceu na cidade de Maidenhead no condado de Berkshire. Seu nome é Sarah Pennyworth; pelo arquivo, soube que ela era uma mulher alta, 1,70 metros de altura, loira, olhos azuis, trinta anos, Doutora em Odontologia pela Universidade de Oxford. Ela nasceu em Maidenhead mesmo; é solteira; não tem filhos; morava sozinha em uma pequena casa nos subúrbios. Desapareceu no dia dois de julho, uma quarta-feira. Última vez que foi vista foi em uma rua do outro lado da cidade, próximo ao consultório do qual era dona.
A segunda chama-se Sasha Priest. Ela desapareceu em Reading, também em Berkshire. Como Sarah, ela era loira de olhos azuis, tinha a mesma altura, idade e estado civil. Sasha, porém morava com o namorado, Oliver Fisher no centro da cidade, próximo à central administrativa. Ela trabalhava como garçonete em uma lanchonete local. Foi vista pela última vez saindo com um homem de chapéu coco de onde trabalhava. Nenhuma das testemunhas soube dizer quem era o homem ou o que queria, mas a descrição batia com a anterior.
Ronald estava no local onde uma nova vítima com as mesmas características das outras desapareceu, uma rua residencial onde pelo menos três casas estavam à venda. Seu nome é Susannah Perrin, solteira, profissão: correntista. Cuidava da mãe, uma senhora de mais de sessenta anos, que teve um infarto quando soube do sequestro da filha. A data era dezessete de julho, a mulher havia desaparecido há vinte e quatro horas. Sete dias exatos do segundo sequestro, que, por sua vez, ocorreu sete dias após a primeira vítima. Até mesmo a hora dada pelas testemunhas foi parecida.
Entretanto, havia duas novas pistas no caso de Suzy; algo que não tinha acontecido nos outros casos. O carro da vítima, um Ford Fiesta branco, foi encontrado há algumas quadras antes da cena do crime. Dentro dele foi encontrado um pedaço de papel onde estavam escritos o endereço do sequestro e o seguinte nome:
Mr. Kypper
Havia também a hora em que se encontrariam, que bate com o horário que fora vista naquela rua. Ronald, mesmo com toda sua experiência, simplesmente não encontrava uma resposta para aquilo. Nenhuma das vítimas se conheciam; não tinham parentes em comum nem amigos. Nada que as conectasse, a não ser a aparência física e as iniciais: S.P.
Um homem de chapéu coco as havia levado, e Ronald não tinha outra pista de quem poderia ser.
– Senhor. – Um oficial veio na sua direção. – Ele chegou.
– Quem? – Ronald estranhou, já que não esperava ninguém.
– O detetive particular.
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Oxford, Inglaterra
Desde criança, ele considerado “menino de inteligência superior” por todos os pediatras que visitou e por todos os professores de quem fora aluno. Aos quatro anos já era capaz de ler um livro de Shakespeare sem dificuldade. Aos dez concluíra o ensino fundamental. Com treze, o ensino médio. Tinha acabado de completar dezesseis anos quando conseguiu seu primeiro diploma em Ciência Forense. Antes mesmo de concluir o curso, já era chamado para trabalhar para polícia, mas, apesar de sempre ajudá-los, nunca quis entrar efetivamente na corporação. Preferiu a carreira de detetive particular, pois assim não estaria limitado aos recursos oficiais e a uma jurisdição, em outras palavras, poderia atuar em qualquer parte do país ou, até mesmo, da Europa.
Desde que se formara, há quatro anos, ele morava em Oxford, próximo ao campus da faculdade que cursou. Não apenas porque gostava, mas por que sua namorada e colega de quarto, Clarisse, estudava ali. Atualmente, ele não estuda, e vive apenas dos casos que a Scotland Yard não consegue resolver.
Naquela manhã de verão, ele cozinhava ovos e bacon – um café americano para sua namorada americana. Clarisse estava tomando banho. Ela saiu usando uma camisa social e calcinha, enquanto colocava um brinco.
– Você acha que devo colocar uma saia ou uma calça? – Ela perguntou com sua voz fina, porém agradável de ouvir.
– Eu não sei. Se for apenas à aula, use calça. Se for a alguma entrevista de emprego, de saia.
– Calça, então. – Ela voltou ao quarto; ele não tirou os olhos dela até que ela saiu de vista.
Voltou alguns minutos depois. Tomou o café da manhã com um sorriso, apesar de ter comentado que não estava exatamente como o dos Estados Unidos, mas estava gostoso. Depois de sair, o rapaz iria limpar a cozinha e lavar a louça, mas o telefone tocou escandalosamente.
– Alô? – Atendeu.
– Bom dia. Estou falando com o detetive particular? – Uma voz masculina, um tanto rouca e experiente.
– Sim. E eu falo com quem?
– Aqui é o Tenente Baltimore da Scotland Yard. Precisamos de sua ajuda em um caso de desaparecimento.
– Ah! Sei de qual está falando. É aquele de Sarah Pennyworth e Sasha Priest, né? Vi na televisão que elas são muito parecidas, e que as iniciais batem.
– Sim. É por isso que estamos chamando o senhor, pois é um caso que envolve condados diferentes, e a burocracia para uma investigação federal é grande, levando em conta que pode haver outras vítimas.
– Com quem irei trabalhar no caso?
– No momento, um dos meus agentes chamado Ronald Cleanwood está trabalhando no caso. É o único dos meus detetives com reputação e autorização para uma investigação entre condados.
– Estou indo. – E acrescentou o horário do seu trem e quando chegaria.
– Estarei esperando. – Concluiu o tenente.
Ele arrumou uma mala rapidamente, apenas com o essencial para passar alguns dias fora. Se fosse preciso, voltaria até Oxford e pegaria mais roupas, ou simplesmente compraria mais pelas cidades por onde passar, isso era indiferente. Antes de ir para a estação de trem, ele passou na sala de Clarisse e avisou que iria viajar a trabalho. Ela concordou; nunca se importara com essas viagens dele, pois eram elas que pagavam as contas e as roupas dela.
Pegou o trem por volta das dez horas da manhã. A viagem longa durou horas demais, pois não gostava de ficar tanto tempo sentado no mesmo lugar. Chegou à Maidenhead no horário combinado com o Tenente, que ofereceu um almoço assim que entraram no carro de polícia descaracterizado. Apenas a comida oferecida no trem não foi o bastante para m***r a fome do detetive, que sempre comia mais do que as pessoas com o mesmo peso e tipo físico, então, aceitou a oferta do policial.
Depois de se satisfazer em um restaurante muito gostoso e de preço baixo – que o Tenente afirmou ter o melhor custo-benefício da cidade – eles partiram para o local onde Sarah Pennyworth, a primeira vítima havia desaparecido. O consultório da dentista era pequeno, pois havia sido aberto a pouco mais de dois meses. A rua era um tanto deserta, um lugar perfeito para um sequestro desse nível. Os pais de Sasha estavam mortos; não tinha namorado e morava sozinha. A única pessoa com quem podiam falar era uma mulher gorda, porém simpática, que trabalhava como secretária da vítima. Infelizmente, ela não tinha nenhuma informação sobre Sasha, muito menos sobre o sequestrador. Conseguiram algumas informações com dois vizinhos, que, de acordo com o relatório, viram-na conversando com um homem usando chapéu coco.
Nenhuma pista a mais em Maidenhead foi encontrada.
Ele foi para o hotel onde tinha um quarto reservado por volta das sete horas da noite. Jantou e foi para o quarto reler os arquivos das duas vítimas e os depoimentos das testemunhas, procurando algo que podia ter deixado escapar. Sua busca foi sem sucesso e, quanto passara três da manhã, ele dormiu.
No dia seguinte, após o café da manhã, ele partiu em um trem para Reading, onde a segunda vítima desapareceu. Quem o recebeu na estação foi o oficial Wilson, que o levou até o hotel onde tinha um quarto reservado. Como estava na hora do almoço, comeram no restaurante do hotel. Em seguida, foram para a lanchonete onde Sasha Priest trabalhava. Apesar de conhecer os depoimentos nos relatórios praticamente de cor, ele conversou com todos os colegas de trabalho da moça, que confirmaram o que haviam dito antes: ela saiu, pela porta lateral, com um homem de chapéu coco. O que era estranho, já que clientes não costumam passar pela cozinha.
– Se importa se eu for até lá? – Perguntou a simpática gerente.
– De maneira alguma. Por aqui.
Eles saíram em um beco entre dois prédios; terminava em um muro, ou seja, havia apenas uma entrada e saída – sem contar à porta que ia a lanchonete; o outro prédio não tinha porta naquela lateral. Havia entulho, um daqueles lixões verdes imensos – que estava meio torto, diga-se de passagem –, latas de lixo de metal e algo que parecia ser a casa de um mendigo.
Pensando nas possibilidades, decidiu que o homem não teria saído dali andando com ela; ou seja, devia estar de carro. Não havia muito espaço para isso. De fato, havia apenas um espaço onde ele poderia colocar o carro: logo atrás do lixão.
– Quando é que passa o lixeiro?
– Às terças a noite. – Respondeu a gerente. – Por quê?
– Isso significa que ainda não passou hoje. E essa lixeira de ferro é pesada demais para que qualquer pessoa possa mexê-la sozinho.
Andou em volta e viu na parte de baixo dela, quase no chão, um amassado. E nele um pouco de tinta automobilística azul. O sequestrador, na pressa de ir embora, batera na lixeira.
– Oficial. – Disse ao policial. – Temos que voltar para a delegacia e iniciar uma busca em todos os carros azuis que existem no país. Sei que é uma lista longa, mas é tudo que temos. O homem que procuramos está viajando de carro.
Eles ficaram até tarde da noite listando todos os homens que tinham um carro azul naquela região, pois, como não houve sequestros na parte norte do país, era capaz dele estar agindo apenas na parte sul. O oficial Wilson ofereceu uma carona até o hotel, que era um tanto longe, mas ele recusou. Precisava pensar e, quando caminhava, fazia-o melhor.
Ouviu uma música tocando alto. Era uma batida que ele conhecia muito bem, pois estava entre suas músicas favoritas. Encontrou uma discoteca, onde vários adolescentes – que deviam ter entre dezesseis e vinte anos – faziam fila do lado de fora para entrar. Notou que todos eles usavam máscaras. Deduziu, então, ser uma festa de aniversário ou alguém havia fechado o local para dar uma festança.
A música mudou para uma que ele gostava ainda mais. Uma que era impossível de ouvir sem dançar. Uma que estava tanto tempo na moda, que todos sabiam a coreografia de cor: Thriller de Michael Jackson. Ele tentou entrar na discoteca, mas foi impedido por um grandalhão gigante que disse que sem convite não podia entrar. Deu as costas para ele e ia indo embora quando uma garota uma cabeça mais baixa que ele o agarrou pelo braço, parando-o.
– Vista isso e entre na festa comigo. – Ela disse entregando uma máscara igual o d’O Fantasma da Ópera, uma peça muito famosa que estava estreando naquele ano. – Você é meu acompanhante.
Sem dizer uma palavra além dessas, ela o puxou para dentro da discoteca. Todos, literalmente, lá dentro estavam dançando a coreografia de Thriller. Sem exceção. Ele e a benfeitora entraram na dança um pouco antes do primeiro refrão. Iam de um lado para o outro com os braços levantado e suas mãos imitando garras, como no clipe.
Uma vez que a música terminou, eles, sorrindo, pegaram um refrigerante de uma garçonete que passava por ali e beberam praticamente em um gole.
– Obrigado pelo... Convite. – Ele gritou em meio à música alta e deixando o copo vazio na bandeja de outro garçom. – Qual o seu nome?
– Ei! Ally! – Ouviram uma garota chamando.
Ele podia ver os olhos da garota pela máscara. Eram de um tom um tanto escuro de azul. Eram penetrantes e confiantes. Ally virou-se para a moça que vinha. Assim que esta se aproximou, gritou:
– Oi Tiffany! – Sorriu sarcasticamente. – Este é meu namorado, Steve. – Ela inventou o nome num segundo, afinal, ele não tinha se apresentado.
– Aquele mais velho que você nunca disse o nome? – Retrucou. – Achei que ele era imaginário! – Deu as costas e saiu rindo como se tivesse ofendido o d***o.
– Como eu odeio essa v***a! – Xingou. – Vamos. – Ele confirmou com a cabeça. – Vamos lá encontrar meus amigos de verdade.
Andaram até uma mesa em um canto do salão, onde dois casais e duas meninas estavam sentados, rindo e bebendo sucos e refrigerantes. Ally apresentou o detetive a eles, e vice-versa. Ele cumprimentou a todos com sorrisos, apesar de não se sentir muito confortável com uma garota desconhecida dizendo que ele era seu namorado. Principalmente por que ele era um rapaz muito bem comprometido e apaixonado.
A noite passou um tanto rápido e, quando deu quatro da manhã, eles decidiram ir embora. Durante toda a festa ele conversou com Ally e dançou; descobriu que ela não morava naquela cidade, que estava ali apenas por que conhecia a aniversariante e estava dormindo na casa de uma amiga. Foram embora e, no caminho, deixando um a um em suas casas. Todos moravam naquela região. Os últimos que ficaram foram o detetive, Ally e Sadie, a amiga em cuja casa ela estava hospedada.
Sadie entrou em casa, deixando os dois sozinhos. O coração dele acelerou, mas não por vergonha ou timidez, mas por medo de fazer algo que ele tinha certeza de que se arrependeria.
– Obrigada. – Ela disse. – Faz tempo que inventei uma história de namorado mais velho... Foi uma sorte você estar sendo expulso na hora que eu entrava. E por fingir também.
– Que isso. Foi divertido. Seus amigos são bem legais e bons de conversa. – Depois de uns segundos de silêncio constrangedor ele acrescentou: – Será que eu posso ver seu rosto?
Ela sorriu: – Vamos deixar essa parte um mistério. – E o beijou na boca.
Ele não retribuiu, pois apenas daquela forma já se sentia culpado por estar traindo Clarisse. Imagine se fosse de propósito. Foi um beijo um tanto longo, considerando que ele não retribuiu. Ela se afastou e, olhando em seus olhos, disse meio corada: – Bye, bye. – E entrou.
De volta em sua cama, o investigador não parou de pensar em Ally e em Clarisse, torcendo para que essa última nunca descobrisse o que acontecera. Acabou dormindo e sonhando com o dia que conheceu a namorada.
O telefone despertou bruscamente. Foi como tomar um soco no pulmão.
– Alô. – Atendeu m*l humorado e sonolento; olhou no relógio, era meio dia e trinta e dois minutos.
– Senhor, aqui é o oficial Wilson. O senhor precisa imediatamente partir para Kintbury.
– E por que isso?
– Outra vítima desapareceu.
Ele foi imediatamente.
Uma vez na cidade, ele se dirigiu imediatamente ao local onde Susannah Perrin desapareceu. Um homem de bigode farto o recebeu com um aperto de mão. O detetive particular o reconheceu Ronald Cleanwood assim que viu seu rosto.
– Muito prazer, detetive Cleanwood. – Ele disse, apertando a mão do homem de bigode. – É uma honra conhecê-lo. Estudei muitos dos seus casos durante a faculdade.
– É bom saber que alguns jovens se interessam por casos antigos. Desculpe, mas acho que não sei seu nome.
– Desmond, senhor. Desmond Chepken.