Capítulo 04: Desejos

2608 Words
Floresta da Infinita Escuridão Terra Elena Treagus sonhou com Leonard naquela noite. Sonhou com primeira noite que passaram juntos, em seu quarto, antes de sua viagem das férias de Julho de 2009. Reviveu aqueles momentos durante aquela noite e, quanto abriu os olhos, ela ainda não estava acordada. Sem querer, ela estava vendo-o no Paraíso. Leonard dirigia uma moto em uma estrada retíssima e sem nenhum buraco. Sem dúvida não estava no Brasil. Então, onde estaria? Da última vez que o vira, ele estava preso em um lugar escuro, sem ter o que comer; e apenas Elena sabia disso e, por isso, tinha de salvá-lo. Contudo, ele estava livre e em algum lugar desconhecido. Foi quanto notou, no horizonte, o formato de uma cidade com uma roda gigante absurdamente grande. Era a maior que existia no mundo. Ele estava indo ao lugar favorito dela: Londres. Desejou do fundo do coração estar com ele, porém mesmo com todo o poder que tinha dentro de si, não podia vê-lo, falar com ele, tocá-lo, beijá-lo. Muito menos trazê-lo de volta para si. Havia uma forma. E a resposta estava em suas mãos, mas ilegível. Estava a uma floresta de distância de recuperar seu amor. Forçou-se a voltar à realidade. A luz branca da lua ainda dominava a Floresta da Infinita Escuridão. Ela fazia jus ao nome, pois apenas a pequena clareira que estavam, onde o vilarejo vitoriano curtia a passagem de tempo abandonado, era iluminada. Se eles adentrassem poucos metros na floresta, não enxergariam nem a um metro distância. Seus companheiros, Jonathan e Melanie, dormiam profundamente, enquanto Anúbis fitava o luar com um olhar saudoso, como se a lua trouxesse assim memórias de uma época distante. Um passado esquecido por toda humanidade. Sua pele cinzenta com hieróglifos tatuados em alguns pontos, como no ombro, antebraços e topo da mão, não brilhava; era como seu ele absorvesse a luz da lua para si e, egoísta, não dividia com os outros a sua volta. Apesar da sua cor diferente e do rosto constantemente lembrando um chacal, ele era bonito. Ela se perguntou se o professor Collor, de quem o deus tinha possuído o corpo, se parecesse com este diante dela quando jovem. – É um belo luar, não? – Ela disse, quebrando o silêncio que ele carregava sozinho. Devagar ele baixou os olhos para fitá-la: – Sim. É noite de lua cheia. De acordo com o professor aqui, essa lua também é chamada de “a lua dos lobos” ou, até mesmo, “a mãe dos lobos”. Interessante, não? – Eu não sabia que você tinha acesso às memórias de Collor. – Eu tenho, mas apenas quando quero. É como se tudo que ele soubesse fosse um livro gigante que eu posso ler quando bem entender. Mas Collor mesmo morreu. Foi para o Inferno. – Os mortos egípcios não vão para outro lugar? – Não mais. Desde o banimento, o Duat está fechado para almas humanas. Há algumas pessoas que vivem por lá, mas eles descendem do Egito antigo. Um grupo de pessoas, magos em sua maioria, gostavam de viajar ao Duat e, quando houve o banimento, eles ficaram presos por lá. Ela sorriu em resposta: – E o que esse luar te lembra? – Perguntou, imaginando que as palavras de Anúbis tentavam esconder algo a mais. – Do que está falando? – Olhou-a nos olhos. – Você fitava a lua como se estivesse com saudade. – A sim. Foi numa noite de luar assim que eu conheci uma mulher chamada Maggie. Ela era hebreia. Ela foi a única mulher quem amei e me envolvi. Foi antes de Moisés e do banimento. Enfim, isso não é importante. O que faz acordada? – Perdi o sono. Sonhei com Leonard. – Você o viu, não? – Sim. É estranho pensar que tudo isso começou com uma pequena estátua. Ele deu uma risada. – Vá dormir. Amanhã temos um longo dia. – E você? – Eu não preciso dormir. – Como o poder funciona? Digo, como eu consigo vê-lo propositalmente? – Você tem todo o conhecimento mágico dentro de si, e ainda não tem essa resposta? – Anúbis zombou. – Bem, é uma viagem de Ba, ou seja, seu espírito sai deste plano e passa para o outro. Você não pode fazer a viagem várias vezes seguidas, é preciso de um espaço de tempo, que varia de acordo com o tempo que permanece no Reino dos Mortos. Mas, se usar os sonhos, como fez agora, pode vê-lo com mais frequência. Se você tentar de novo agora, provavelmente vai conseguir. – E como faço isso propositalmente? – Você precisa desejar de coração. – Mas eu já fiz isso e não deu certo antes. – Desejar de coração é diferente de pensar. Quando se deseja do coração não se pensa, se sente. Apesar destas palavras, Elena não tinha entendido completamente o que o deus queria dizer, mas voltou ao seu saco de dormir. Deitou a cabeça pensando em todos os momentos que passou com Leonard. Reviveu aqueles momentos como se estivessem acontecendo. Conseguiu. Ela estava vendo ele de novo. Arrependeu-se no mesmo segundo. Leonard estava deitado em uma cama de casal lendo um livro, As Crônicas de Nárnia: O Sobrinho do Mago, de C.S. Lewis, se ela conseguira ler direito à capa. Então, aquela garota entrou no quarto apenas de toalha e com um sorrisinho que misturava v***a e timidez. Ela, então, simplesmente tirou a toalha ficando nua para Leonard, que ficou vermelho como um pimentão. Aqueles olhos verdes eram impossíveis de resistir para qualquer homem. Elena xingou-a de todos os palavrões que sabia e mais alguns. Quis matá-la; e faria, se ela pudesse ser sentida e se a garota já não estivesse morta. Ele levantou e andou até ela; Elena pensou que ele diria para que colocasse a toalha, mas, ao invés, beijou-a decidido. Não, Elena pensou, o vendo deitá-la na cama e ela tirar sua roupa. Lágrimas de raiva, ódio, traição e tristeza escorreram de seus olhos e tudo ganhou tom de lilás. Ela percebeu que em todas as paredes e móveis havia símbolos como aqueles no livro entregue por Novaselik. Era a Sr̥ṣṭi, a Língua da Criação. Andou até a janela para ver que todo o Paraíso, até onde sua vista alcançava, era daquela forma: cheia de palavras desenhadas. Elena virou os olhos para os amantes. Notou que apenas os dois não tinham a Sr̥ṣṭi em seus corpos. A raiva cresceu dentro de si e ela desejou se vingar, e sabia exatamente com quem faria. Elena fechou os olhos e, no segundo seguinte, voltou à realidade. Ainda era noite e seus olhos estavam lilases. Levantou e trocou passos decididos em direção a Anúbis. Que estranhou quando ela sentou em seu colo de pernas abertas e de frente para ele, e o beijou. – Ei, Ei... O que você está fazendo? – Ele disse, afastando-a. – Eu quero você. Durma comigo. – Disse de uma vez, tentando beijá-lo outra vez. – O que? Não! – Ele a afastou e notou que ela estava chorando. – O que aconteceu? O deus levantou, obrigando-a a ficar de pé. – Eu o vi com aquela garota que tem viajado com ele. Se ele pode t*****r com outra, eu também posso. – Eu já disse que ele não se lembra de você. – Anúbis teve a coragem de defender o rapaz. – Ele não tem a intenção de te magoar. – E dai? Eu também quero s**o. Também sou humana. Também tenho necessidades. – Mas, se você fizer isso, por que então está atravessando o mundo, arriscando sua vida e fazendo favores a um dragão para trazê-lo de volta? Elena arregalou os olhos de surpresa, mas ao mesmo tempo de raiva. No entanto, seu coração desacelerou e seus olhos voltaram ao tom castanho que sempre tiveram. Ela desabou. As lágrimas escorreram até ela soluçar. Anúbis abraçou-a e a consolou. – Me desculpe. – Ela soluçou. – Não se preocupe. – O deus sussurrou. – Além disse, eu só dormi com uma mulher durante toda minha existência, e pretendo continuar assim. – Ele deu um sorriso confiante. – Maggie? – Sim. – Se ela estiver no Paraíso, talvez possamos trazê-la de volta para você. Anúbis ficou pensativo; não tinha ainda considerado aquela possibilidade. Ele era um deus da morte, violar um tabu assim não era algo que fizesse parte de sua natureza original; mas, ouvir Elena dizer aquilo tornou o tabu menos pesado. Sorriu ao pensar que, mais uma vez, poderia abraçar e beijar a amada. – Se ela estiver lá, a traremos. _____________________________ Nerja, Espanha Terra Pelas paredes de tijolos pintadas de branco e o som de ondas quebrando do lado de fora, Sephiroth sabia que estava no esconderijo de Nerja, na Espanha. Seu feitiço de Pulo Espacial, o Viṇveḷi tāval, o levou para seu esconderijo mais próximo, afinal, sua magia ainda estava sob efeito da fumaça usada pelos lobisomens que resgataram Melanie. Ainda se sentindo humilhado por ter sido obrigado a fugir de seres inferiores como aqueles, ele decidiu que se vingaria. Mataria todos que encontrasse pelo caminho. Ele precisou se banhar, para aliviar o cansaço, e se alimentar, afinal sem sua magia ele não era tão diferente de um humano. Vestiu uma roupa leve que havia ali para casos como aquele, já que o clima estava agradável. Saiu para cidade, a fim de comprar algumas coisas que poderiam ajudar a recuperar seus poderes. O principal critério para escolha de seus esconderijos era, basicamente, os ingredientes mágicos que ele pode adquirir nos arredores. No caso de Nerja, havia uma pedra que, se conjurado um feitiço especifico nela, era capaz de absorver os males de um corpo. Ele andou pelas ruas atraindo olhares por causa de seus olhos bicolores. Normalmente, ele passaria invisível pelos moradores, já que, quanto menos atenção atraísse para si, melhor. Todavia, com a toxina de Melanie em seu sistema, ele m*l conseguira conjurar o feitiço que o levou até ali. Acredite ou não, algumas pessoas pessoa costumam colecionar pedras. Portanto, existem algumas lojas que vendem pedras de todos os tipos. Encontrou uma dessas em um pequeno centro comercial afastado, mas não tinha a pedra que procurava. Continuou até chegar numa rua bem movimentada e cheia turistas. Encontrou outra loja de pedras, e essa, sim, tinha o material que ele procurava. Voltou ao seu esconderijo. Observou o pedaço alaranjado de rocha admirado. Já usara aquela mesma pedra várias vezes antes, mas nunca em si mesmo. Sentia que estava ficando mais forte de pouco em pouco, que poderia até mesmo usar um Bán Kính sem problemas. Pegou uma lata de tinta branca em um dos seus armários, e com um pincel desenhou um círculo alquímico no chão. O feitiço que precisava conjurar era um pouquinho complexo e dolorido. Sephiroth lembrava-se de quando o usou em um companheiro de viagem para salvar sua vida do veneno de uma serpente que o mordera mais de uma semana antes. A dor que ele sentiu fora h******l. Entretanto, Sephiroth estava acostumado com a dor. Apenas de invocar suas asas, ele sentia sua pele rasgando, seus ossos quebrando e seus músculos esticando. Fizera isso por tanto tempo, que quase não sentia mais a dor. Ele sentou de pernas cruzadas, como um índio, e posicionou a pedra diante de si. Começou a recitar as palavras em Húngaro, como um mantra. Sentiu pequenos buracos abrirem por todo seu corpo. Ele não viu, mas uma fumaça esbranquiçada saiu deles e foi, aos poucos, sendo absorvida pela pedra. Levou algumas horas para completar o processo, mas ele finalmente se livrou da toxina. Estava exausto; fazia muito tempo que não se sentia exausto assim. Deitou ali mesmo, respirando fundo o oxigênio da Terra. Ele não percebeu quando dormiu e, como todas às vezes, ele entrou no Reino dos Sonhos. Estava em uma sala escura, de paredes negras como a morte. Enxergava poucos passos à frente. Tentou andar, mas sentiu seus pés presos por correntes e algemas. Por mais que tentasse se soltar, não conseguia. – Não adianta. – Uma voz masculina falou vinda de longe, como se Sephiroth estivesse dentro de uma caixa e a voz do lado de fora. – Essas correntes foram forjadas de Sídero Theía. É impossível de quebrar, até mesmo aqui. Do nada, uma luz muito brilhante invadiu o ambiente, ofuscando a visão de Sephiroth. Ela não vinha de uma lanterna ou de uma janela, a luz vinha de uma pessoa, ou melhor, de um querubim. – Achei que você estava preso na Mansão dos Mortos. – A luz diminuiu aos poucos, revelando a silhueta do querubim; ele era tinha cabelos dourados e olhos azuis como o céu e cheios de luz. – Lúcifer. – Sim, minha movimentação é limitada, já que estou restrito apenas ao Paraíso, mas, desde que a Guerra Celestial começou, minha prisão está enfraquecendo. Eu consegui lançar parte minha mente ao Reino dos Sonhos para te encontrar. – O que quer? – Sephiroth perguntou, perdendo o bom-humor. – Quero que você coloque meus demônios no Paraíso. Sephiroth gargalhou alto e sinistramente: – Você quer o que? – Ele estava quase chorando de rir. – Quero que você coloque meus demônios no Paraíso. – Lúcifer falou mais sério. – Sua parte no Plano, meu querido, já terminou. – Sephiroth ironizou. – Você foi expulso do Paraíso, tentou durante milênios corromper a humanidade, mas falhou e foi preso na Mansão dos Mortos. Você fugiu, e depois foi preso mais uma vez por um humano. Um HUMANO. Você tem noção o quanto você é patético? Você nasceu com um único propósito: perder para Aaron Van Helsing. Se você desaparecer, não vai fazer a menor diferença. – Você conhece as regras desse Reino, não? Tudo é possível dentro deste Reino. Mas há uma forma de contornar essa regra, não? – Lúcifer sorria, como se não tivesse sido ofendido. – Ao criar um espaço especifico nesse Reino você pode aplicar as regras que bem entender. Assim como as passagens da Terra para o Inferno, não? Lúcifer esticou a mão, com a palma para cima. Uma chama laranja muito bela queimou. Uma chama impossível. – Eu criei esta sala. Aqui, eu posso fazer o que quiser, incluindo invocar o Fogo Celestial. – Ele explicou. – E você, bem, não tem nem ao menos força para quebrar essas correntes. – O Fogo assumiu a forma de um símbolo, uma palavra na Língua Proibida. – Conhece esse símbolo, não? Se eu marcá-lo agora mesmo com ele, os anjos irão te encontrar facilmente, mesmo que saía daqui. O rosto de Sephiroth assumiu um tom sério. Durante muitos milênios ele se escondeu facilmente dos anjos, mais especificamente, de Miguel. E agora, aquele maldito caído iria botar tudo a perder. – Quero que você coloque meus demônios no Paraíso da mesma forma que você entrou: discretamente. – O símbolo mudou. Lúcifer se aproximou do prisioneiro e queimou-o no peito. – Essa marca irá permitir que eu te traga até aqui a qualquer momento que eu desejar. Se tentar descumprir nosso acordo, te trarei aqui e garantirei que os anjos te encontrem em menos de uma hora. Então, Sephiroth, Aquele que Está Entre o Bem e o m*l. Temos um acordo?  – Sim. – Sephiroth respondeu, mas em sua mente, ele estava formando um plano para destruir a Mansão dos Mortos e garantir que Lúcifer fosse junto. – Você tem seu acordo, desgraçado. – Ótimo. Um de meus demônios está te esperando em Madri. Não demore muito. Sephiroth despertou em seu esconderijo, sentindo nada além de ódio pelo maldito Caído.
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