Abro meus olhos assim que sinto os raios de sol tocarem meu rosto, os encontrando saindo pelas pequenas frestas da cortina azul que se abre suave conforme o ônibus se movimenta. Se fossem em outros tempos ficaria extremamente brava por acordar tão cedo, mas tudo o que sinto é alegria. Abro a cortina com um enorme sorriso, deixando que a manhã me dê um devido bom dia. A paisagem silvestre do outro é tão linda e acolhedora que me faz suspirar. As cores são tão vívidas que pareço estar vendo um quadro animado.
Enquanto admiro a vista, meus pensamentos vagueiam pela vida que deixei para trás. Não que fosse bem uma boa vida para se recordar, pois ficar em Ourinhos, interior de São Paulo, já não era mais opção há muitos anos, ainda mais com tudo o que aconteceu.
O divórcio dos meus pais foi um verdadeiro divisor de águas minha vida. Não que tivesse me traumatizado, muito pelo contrário, foi um grande alívio para mim e ainda mais para minha mãe. Eu cresci em uma rotina que muitas crianças tivemos em comum na infância e até na vida toda: alcoolismo.
Perdi as contas de quantas vezes vi minha mãe, Vera, indo aos bares do bairro, ou até mesmo em outros, em busca do marido dela e meu pai, Pedro, alcoólatra irreversível. Quantas vezes aquela mulher, minha mãe, de quarenta anos que aparenta ter um pouco mais por conta daquela vida, passou as noites sem dormir, pois o marido saiu de casa na terça e já era domingo a noite e nem ao menos uma notícia lhe dera? Quando voltava era sempre uma desculpa esfarrapada: o carro quebrou, precisou fazer hora extra, ficou preso na firma, teve de viajar, etc. e sem dinheiro. Essas "sumidas" sempre aconteciam no dia do p*******o , quando tínhamos sorte de Pedro estar em um emprego, o que era outro problema.
Desde o começo do casamento, meu pai não conseguia se manter em um emprego e sempre colocando a culpa nos patrões, funcionários, no sistema, mas a culpa nunca foi dele, nem do fato de sempre estar bêbado, ou sempre atrasado por estar no bar. Enquanto em casa, minha mãe passava necessidades básicas, mas nunca teve coragem de ligar para sua família e pedir ajuda. Foi quando ela passou a fazer pequenos b***s como doméstica para sustentar a casa. Porém , com dois anos de casamento estava grávida de mim , sua única filha e as coisas voltaram a piorar, apesar dela ter acreditado que Pedro poderia mudar quando tivessem um filho. Um grande erro, ele apenas se afastou ainda mais, a deixando enfrentar a gravidez sozinha.
E assim foi durante os próximos dezoito anos , quando finalmente passei no vestibular de Letras na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, um estado desconhecido, mas que mostrou apenas o mesmo sentimento que nós nutrimos : recomeço... Vida Nova. Foi pensando nisso, que minha mãe pediu o divórcio surpreendendo Pedro que se revoltou e fez de todo o processo uma grande tortura para todos nós. O divórcio foi tão perturbador e assustador que minha mãe decidiu ir embora para Belo Horizonte, morar com uma prima. A única coisa que pode fazer por mim foi me embarcar na rodoviária. Fecho os meus olhos lembrando seu rosto aflito me olhando entrar no ônibus, nada em sua vida foi mais doloroso do que aquele momento, em que ficamos separadas depois de tantos anos. Para mim também, mas eu não sabia naquela época que algo poderia doer mais que ver minha mãe ficar para trás e de certa forma, não fazer parte da minha vida dali em diante.
Como ela aguentou viver esses vinte anos? Pergunto-me pensando nela. Então percebo que a paisagem muda, e aos poucos, surgem casas, estamos chegando a cidade. Assim que entramos em Campo Grande faço uma promessa: A partir de agora, aquilo ficará para trás e não cometerei aqueles erros
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Campo Grande, capital do estado de Mato Grosso do Sul, fundada por mineiros, que vieram aproveitar os campos de pastagens nativas e as águas cristalinas da região dos cerrados. Por causa da cor de sua terra (roxa ou vermelha), recebeu a alcunha de Cidade Morena. A cidade está localizada em uma região de planalto, em que é possível ver os limites da linha do horizonte ao fundo de qualquer paisagem,ao menos era isso que dizia em um dos vários sites pesquisei, mas nada conseguiu descrever a realidade vista pelos meus olhos enquanto o vento bagunça os meus cabelos castanhos ondulados até a cintura. Assim que desço do ônibus, a primeira sensação que tenho é de estar livre.
Em poucos minutos já estou dentro do táxi em direção à nova moradia a qual eu não tinha a menor ideia de como era. Sei que é um pensionato e a sua distância da universidade é menos de quinze minutos a pé. Seguro firme entre as minhas mãos o papel amassado com meu novo endereço enquanto me recordo da coisa mais impensada, insensata e ousada que já fiz em toda minha vida.
Assim que vi meu nome na classificação para o curso de letras, comecei a procurar um lugar para morar, mas para minha frustração as locações ultrapassaram qualquer orçamento que pudesse projetar, ainda mais depois do divórcio, me deixando sem opção além de ir para um pensionato, assim aliviar também as finanças da minha mãe que gastou quase todas as suas economias para comprar nossas passagens e conseguir me manter sozinha por um tempo, até que eu arranje um estágio ou emprego. Depois de muito procurar em vários grupos de universitários, finalmente encontrei um pensionato, com internet, luz, água e almoço inclusos. Além de estar dentro do orçamento da minha mãe. Mas o que fez minha mãe aceitar aquela ideia absurda, foi o fato de ser um pensionato só para garotas.
O táxi para em frente ao destino, que não era muito longe da rodoviária, em um enorme portão de metal enferrujado com o muro apenas cimentado. Depois de pagar o taxista, aperto o interfone e fico aguardando alguém aparecer. Não demora muito e escuto o portão estalar se abrindo e então surge uma senhora de sessenta anos, que tenho certeza que é a Dona Ester, proprietária do pensionato.
— Olá, sou Catarina – me apresento recebendo apenas um aceno da senhora que abre o portão que eu possa passar.
Sorrio ao ver o enorme quintal com vários quartos individuais em tons de salmão, enquanto atrás de mim, Dona Ester repassa algumas regras:
— A lavanderia é comunitária, então você deve acertar com as outras garotas os dias em que poderá lavar as roupas. Eu mesma faço o almoço, porém a janta fica por sua própria conta.
— Quantas meninas moram aqui? – pergunto, notando que alguns quartos parecem estar vazios.
—Hoje temos sete garotas, incluindo você. O quarto já foi limpo esta manhã, então não precisa se preocupar com a limpeza. Porém, a partir de agora fica sob sua responsabilidade limpar o quarto– responde Ester abrindo um dos quartos que agora é o meu. O quarto já vem mobiliado com uma cama de solteiro, guarda roupa, geladeira, microondas, uma mesa e duas cadeiras. No canto, a porta do banheiro que tem uma ducha, vaso e pia brancos — Não é permitido dividir o quarto com outra pessoa. E o que me lembra... Nada de garotos... Ou garotas. Eu sei que isso já foi falado com sua mãe, mas é sempre bom reforçar.
Sorrio em sua direção enquanto me recordo da longa conversa por telefone que minha mãe teve com Ester e da reação dela quando a senhora disse a respeito da última regra.
—Não precisa se preocupar com isso. Minha filha não é dessas, ela é muita centrada e o objetivo dela é estudar, apenas estudar. – responde minha mãe, orgulhosa sorrindo para mim enquanto termino de guardar minhas coisas na mala.
O que de fato era verdade, eu não era dessas garotas, não sentia orgulho disso, pelo contrário, sinto tristeza e arrependimento. Nunca havia me envolvido com ninguém. Durante todo aqueles anos eu apenas me dedicou exclusivamente aos estudos, pois sempre sonhei em ter uma vida diferente da minha mãe e dar orgulho a ela. Essa dedicação acabou não dando espaço para relacionamentos. Claro que eu saía com as minhas amigas e tinha alguns rolos, mas nada sério a ponto de desistir do meu sonho, afinal , fazer minha mãe sentir orgulho de mim era minha prioridade. Nada no mundo valia tanto a pena do que aqueles olhos brilhando quando falava de mim para alguém, bem como agora, ao telefone.
Sento na cama sorrindo, enquanto Ester me observa dos pés a cabeça, como se os seus olhos tirassem raios-X e conseguisse ver o que há dentro de mim e até dos meus pensamentos:
— Todas as mães dizem isso... Minha filha é um anjo... Minha filha jamais irá se envolver com alguém... Você não tem a menor ideia do quanto eu já escutei isso por aqui. Então vocês ingressam na universidade, começam a ir para as baladas e quando vê, já estão escondendo o parceiro debaixo da cama ou no banheiro, mas eu sempre descubro, sempre. – finaliza me encarando de tal forma que me intimida — Continuando, roupas de cama, mesa e banho, ficam sob sua responsabilidade. Achei que sua mãe viesse com você.
—Não. Ela está morando em Belo Horizonte agora – respondo analisando cada canto do quarto
—Achei que fossem de Ourinhos- indaga Ester, desconfiada da minha resposta vaga.
—E somos... Éramos. – respondo triste. Sorrio para ela e continuo— Uma longa história.
— Fique à vontade, pois eu tenho o almoço para fazer para esse batalhão– comenta Ester saindo do quarto.
Assim que Ester saiu, começo a ajeitar as coisas em seus devidos lugares. Com o passar do tempo o quarto passa a ter mais vida com o lençol florido, mural com fotos com todos os meus amigos e da minha mãe, as roupas devidamente guardadas. Estou colocando minha mala em cima do guarda roupa, quando escuto alguém bater de leve em minha porta me fazendo virar. Uma garota de cabelos longos de um lado e raspado do outro, com várias tonalidades de azul e grandes olhos castanhos. Veste um macacão jeans curto e uma camiseta amarela de um desenho animado, o tipo de garota de atitude que eu sempre quis ser, mas que a minha mãe insistia em dizer que só garotas que não queriam nada na vida se vestiam assim. "Maloqueiras se vestem assim, Cat. E eu não criei uma filha maloqueira" disse uma vez quando cogitei a hipótese de pintar as pontas de rosa. Ela sorri para mim e então pergunta:
—Olá, quer dizer então que você é a novata?
— Sim, me chamo Catarina – apresento –me estendendo a mão para a jovem.
— Prazer, meu nome é Betina – corresponde a garota — Mas pode me chamar de Be, ou Beti.
— Okay, Be – digo curiosa em saber mais a respeito da jovem parada em minha frente. — Qual curso você faz?
—Psicologia. Estou indo para o terceiro semestre. Pretendo seguir a psicanálise. E você?
— Letras, primeiro semestre. Não tenho a menor ideia em que irei me especializar– respondo, animada — Você sabe me dizer se a faculdade é longe daqui?
— Ela bem perto, seu bloco é bem perto do meu também. Se quiser, mais tarde levo você para conhecer o campus, que tal? – sugere Be.
—Ótima ideia.
— Eu vim chamar você para o almoço, Dona Ester não gosta muito de atrasos. – explica Beti — E as meninas estão famintas, você não vai querer começar a viver aqui tendo a ira de seis garotas.
—Não mesmo – respondo sorrindo. Caminho em direção a porta, sendo seguida por Betina — É melhor irmos então, antes que eu vire o prato principal.
— Elas são legais, tenho certeza que irá gostar de todas nós – garante Beti andando ao meu lado.
Assim espero, penso fechando a porta.
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A enorme mesa de madeira na varanda de Ester parecia não ter espaço para acomodar Betina e eu que chegamos para o almoço. Acomodamo-nos no banco de madeira no meio das meninas que conversavam animadas diversos assuntos ao mesmo tempo, sendo impossível de acompanhar e até mesmo compreender. Ester pega um prato e o enche de macarronada para mim, então uma das meninas, uma descendente de japonesa, que estava toda de branco, se levanta , chamando atenção de todas:
—Ei, meninas, acho que agora hora das apresentações. Nada mais digno que todas nós nos apresentamos para a nossa mais nova colega de casa.
— Eu começo – fala a morena de cabelos cacheados envoltos por um turbante. Ela olha para mim e diz sorrindo — Meu nome é Alissa, faço medicina veterinária e estou no quinto semestre.
— Meu nome é Jennifer – revela outra menina de cabelo Chanel — Faço engenharia Ambiental, estou no terceiro semestre.
— Claudia - apresenta a mais baixinha delas, usa óculos que escondem seus olhos verdes e tem os cabelos loiros — Faço Economia e no momento estou apenas pagando matérias.
— EU já me apresentei – comenta Betina, pulando a vez para a Japonesa.
— Meu nome é Tiemi, faço medicina e faltam apenas 100 dias para a minha colação, bitches! — grita Tiemi, animada, enquanto recebe um olhar reprovador de Ester. — Agora sua vez novata.
—Meu nome é Catarina, e estou aqui para fazer letras. – digo sendo observada com curiosidade por todas.
Então elas começam a interrogar sobre tudo, como onde nasci o que gosto, o que me fez escolher viver ali, namorado ou namorada e, ao mesmo tempo, elas revelavam um pouco mais sobre elas. Claudia era do interior do Estado, Aquidauana e apesar da cidade dela ser apenas duas horas dali, estava economizando mais morar em Campo Grande a ficar indo e vindo de casa. Betina veio da Capital de Mato Grosso, bem como Alissa. Jennifer veio de Presidente Prudente e Tiemi veio da capital de São Paulo. A estudante de medicina estava super empolgada, pois hoje seria sua festa de 100 dias e a turma dela fez com todo a polpa como manda a tradição, inclusive o local do evento é a boate mais cara da cidade, afinal:
—Esse é o segundo maior evento de toda a Universidade, ficando atrás apenas da Calourada, daqui alguns dias – informa Tiemi — E é claro que eu tenho convite para todas vocês... Incluindo você, Cat.
— Ah, obrigada. Mas eu não sei se poderei ir – respondo, sem graça. Estou quebrada e a última coisa que desejo é cama. — Hoje a festa irá rolar no meu quarto.
— Para tudo! – grita Cláudia, chocada com a minha atitude — Como assim, você não vai? Nem bem entrou na faculdade e já vai cometer suicídio social?
—Suicídio social? Não, eu só estou cansada da viagem – explico muito envergonhada — Estava pensando em conhecer a faculdade e depois descansar.
— Você está louca? – pergunta Jennifer fazendo uma careta inconformada — Querida, essa é uma oportunidade única! Você tem ideia de quanto tempo eu esperei por esse convite? Você tem ideia do quanto essa festa é exclusiva e só o fato da Tiemi ter pensado em suas colegas de casa, já causa inveja em muita gente? As pessoas estão se matando para ter esse convite e você recusando.
—Não, estou recusando... – me defendo. Como um almoço se tornou um verdadeiro julgamento e eu sou a ré? Por que elas estão em choque com o fato de eu não querer ir? De alguma forma isso me incomoda. Talvez eu não esteja pensando direito e elas estejam certas, por que não ir à festa? Uma boa forma de conhecer pessoas, aliás, aquela é uma nova vida, uma nova oportunidade, então por que irei persistir fazendo as coisas que fazia em Ourinhos?
—Cat, você não precisa ir se não quiser, eu não irei também – diz Betina me tranquilizando.
—Até por que eu nem te convidei, Beti. Então fica na sua. – alega Tiemi quase ajoelhando nos meus pés — Catarina, eu sei que não se importa, mas seria muito importante para mim. Além do mais você não quer começar sendo a única anti social da sua turma. Tem ideia do quanto essa noite será importante para o resto do seu ciclo social? Até os veteranos sentirão inveja de você.
—Mas eu não tenho roupa para esse tipo de lugar – argumento, usando meu último recurso e também o mais verdadeiro. Eu saía com as minhas, mas nunca entrei em uma boate, mas para comer. Embora cansei de ver as garotas da minha cidade com belos vestidos, cabelos arrumados, maquiagens perfeitas, coisas que eu nunca teria por conta da minha situação financeira e também minha mãe jamais me aceitaria ver vestida daquela forma.
— Oh, querida, não se preocupe, você ganhou seis fadas madrinhas, tenho certeza que encontraremos um vestido para você. É só dizer sim... Eu escutei um sim? – pergunta Tiemi sorrindo, me pressionando
— Sim – respondo tímida enquanto as outras meninas gritam alegres. Todas, menos Beti que me encara, séria. Sinto que a decepcionei, sendo comprovado como a forma que ela saiu da mesa, sem ao menos falar comigo.
De repente as meninas correram para o meu quarto, vasculhando minhas coisas a procura de algo que pudesse ser usável. E como imaginei, não encontraram nada. Mas elas não desistiram, cada uma foi até seu quarto e pegou algo que eu pudesse usar para aquele grande momento. Senti-me aliviada e grata por estar no meio de meninas tão legais e prestativas. Sinto que seremos grandes amigas.
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— Então, já está instalada? Como é a casa nova? — pergunta minha mãe do outro lado da linha.
— Sim, já arrumei tudo, conheci as meninas. Mãe, aqui é tão legal. Não vejo a hora de a senhora estar aqui. – comento indo em direção ao banheiro com meu secador, o colocando na tomada.
— Que barulho é esse, Cat? — pergunta curiosa.
— Estou arrumando meu cabelo.
— Para?
— Hoje é a festa de 100 dias da Tiemi, uma das meninas daqui, então eu irei comemorar com elas – explico nervosa. Estreito os olhos aguardando o sermão da montanha sobre responsabilidades, algo que escuto desde a quinta série quando fui escondida a uma excursão da escola.
— Tudo bem. Juízo, mocinha. Nada de aceitar carona de estranhos, fique sempre de olho em sua bebida e nada... Nada de rapazes. Não quero A Dona Ester me ligando para falar de você. E não vai esquecer que segunda você tem que fazer sua matrícula presencial.
— Só isso? – surpresa com a versão resumida do sermão. — Nada de brigas... Ou de não?
— Bom, você já é adulta e sabe arcar com as suas responsabilidades. – argumenta Vera — Só quero que saiba que não importa o que aconteça, estarei sempre aqui para você. Está bem?
— Obrigada por confiar em mim, mãe. Não irei decepcionar a senhora – garanto
— Assim espero Cat. Agora preciso desligar, tenho ainda muito que fazer por aqui – explica minha que agora trabalha de faxineira junto com a prima em várias casas na parte rica de Belo Horizonte. — Juízo. Eu te amo.
— Eu te amo – respondo desligando o telefone e voltando a me arrumar.
Depois de meia hora, finalmente olho no espelho e encontro uma bela mulher em um vestido rosa chá até o meio da coxa, emprestado de Jennifer, salto preto de Cláudia, maquiagem carregada, ideia da Alissa e os cabelos soltos, bem lisos, ideia da Tiemi. Como tinha de falar com minha mãe antes de ir e Tiemi e as meninas tinham marcado de ir para o salão de beleza e depois ir fazer seu cadastro biométrico para entrarmos na boate, a quase médica deixou seu número de telefone e o endereço para que eu as encontrassem depois.
— É só chamar o táxi e dizer que está indo para a Valley Tai. Lá você me liga que eu saio da boate e te coloco para dentro. Não tem erro, só não demore muito, ou irá perder toda a diversão. – disse Tiemi antes de ir.
Claro que eu achei uma péssima ideia, mas ela voltou a reforçar o seu discurso sobre como queria que eu fosse e como aquilo seria bom pra mim e tudo mais que decidi ignorar o mau pressentimento que percorre meu corpo todo. Dou mais uma conferida em meu look antes de sair para curtir minha primeira noite como universitária.
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— Chegamos - avisa o Taxista parando em frente ao destino que me deixa de boca aberta. E não é para menos.
Valley Tai tem sua fachada totalmente inspirada na Tailândia, sua arquitetura lembra um palácio asiático, budas e barcos para todos os lados e uma bela iluminação digna de estréia, o que me faz entender por que aquele era um evento tão esperado. Caminho em direção à entrada, discando o número de Tiemi que chama até cair na caixa postal... Na primeira... Segunda... Terceira... Quarta vez, me deixando desesperada, ainda mais pelo fato do segurança ficar me encarando cada vez mais. Vou a sua direção, quem sabe ele pode me ajudar.
— Oi, boa noite. – cumprimento, tímida.
—Boa noite, seu nome, por favor – pede o segurança, ríspido.
— Então, eu estou esperando uma pessoa. Ela está aí dentro e o telefone dela...
— Seu nome, por favor – pede o segurança.
— Como estou tentando explicar. Eu poderia entrar rapidinho pra ver se ela está aí e ela ir me liberar...
— Se você não está no cadastro, não entra. Ordens da casa.
— Olha eu sei. Será que você teria como ir lá dentro ver se ela está aí e dizer que a Catarina está aqui fora? - peço quase chorando.
—Senhorita, não posso. A menos que esteja em nosso cadastro, peço que a senhora se retire, pois é uma festa particular. – explica o segurança
— Mas eu... – tento mais uma vez. Sabia que eu devia ter escutado meus instintos... Essa hora eu estaria em casa, tranquila e dormindo sem me preocupar com nada disso... Agora estou aqui na frente de uma boate, quase sendo presa, sem conseguir falar com uma menina que conheci há poucas e sozin...
— Não se preocupe, ela está comigo. Sou um dos formandos – fala uma voz masculina firme que me obriga a virar para ver quem é.
O dono da voz era um belo moreno de olhos castanhos bem vívidos, cabelos raspados, vestido de camisa branca social aberta até o começo do peitoral bem definido, calça preta impecável, bem como seus sapatos. Mas o que me surpreende é a tranquilidade com a qual aquele homem se aproxima de mim, passa seu braço envolta dos meus ombros, aconchegando a mão em meu braço. O toque me incendeia e o meu rosto fica vermelho imediatamente.
— Você conhece a jovem? – pergunta o segurança.
— Claro que sim – responde o rapaz sem o menor receio enquanto admira o meu rosto vermelho que mais parece um pimentão agora, coisa que eu realmente não queria que estivesse acontecendo. Ele sorri para mim, enquanto acaricia o braço devagar e então se vira para o segurança – Ela é a minha namorada.
— Seu nome, por favor – pede o segurança com ar de desconfiado para os dois.
— Claro, já ia me esquecendo – diz o homem — Meu nome é Jean. Jean Vasconcelos.
— Seu dedo, senhor. – pede o homem com um impressor digital. Jean coloca seu indicador direito e rapidamente uma luz verde aparece confirmando sua presença — Tudo bem, pode passar — finaliza o segurança liberando a passagem.
Jean caminha devagar, segurando em minha mão enquanto ainda estou sem reação tentando absorver o que está acontecendo. Em menos de um minuto eu deixei de ser uma garota sozinha e desesperada na porta de uma boate para a namorada do homem mais lindo que eu já vi ...isso é muito para se processar. A sua mão na minha, seu perfume, seu sorriso, seus olhos...
— Amor, vamos entrar? – pergunta Jean me despertando.
E agora, o que eu faço? Pergunto-me observando aquele completo estranho.