Hoje, correr com Bia tagarelando sem parar no meu ouvindo, salvou-me de ficar pensando em Ian Novack, meu chefe arrogante. Ele é como um parasita em meu cérebro, que perturba até os meus sonhos.
No entanto, agora estou na frente da televisão, olhando para algo que passa, e não paro de pensar nele. Estou exausta, e nem mesmo o banho me relaxou depois daquele episódio no trabalho. O que nem foi grande coisa.
Uma parte de mim deseja ser notada, aparecer em seu escritório e dizer na sua cara linda tudo que penso, mas a outra, medrosa e tímida, grita ao meu ouvido, dizendo o quanto seria ridículo e errado chamar a atenção do chefe depois de tudo que já fiz. Não é uma boa ideia.
Não me importo se o bundão disse que não me demitiria e que não foi grande coisa o que falei a ele durante todo este tempo. Sei que se me visse pessoalmente e concluísse que a Birdpink não é grande coisa, com certeza se enfureceria e me mandaria embora.
Meu coração vai à boca quando o celular vibra ao meu lado. É ele, seu nome. Ou melhor, o apelido que o dei. Está grande e claro na tela.
Luto para não deixar a curiosidade me tomar, só que é impossível resistir quando a segunda mensagem chega.
“O que está fazendo, passarinho?”
“Se estiver de acordo, podemos sair e conversar pessoalmente.”
Ótimo! Ele quer conversar. Mas sabe qual será a minha resposta.
“Ian, não vai conseguir me convencer a mudar de ideia. Então, NÃO!”
“Odeio mulheres difíceis. Deve saber que nossa amizade pode acabar se não me der mais do que pistas. Não sou de gostar quando não sei das coisas ou com quem estou falando.”
Amizade?
“Primeiro: somos amigos? Segundo: como está acostumado a sempre estar no comando, deve saber que o mundo não gira em torno de você, bundão. Acho que vai ter que lidar com isso ou, simplesmente, pararemos de nos falar.”
A ideia é boa. Não poderíamos ser amigos porque não faço amizades com tanta facilidade. Por isso fiquei surpresa ao ver que ele me considera uma amiga. Acima de tudo, não posso me esquecer de quem é Ian Novack. Apesar de ser um cara que vive, aparentemente, estressado com tudo e que pode ser um homem legal, não é um qualquer, e sim meu chefe.
Na prática, não sou muito de falar e não gosto quando brigo com as pessoas. Portanto, eu me sinto confortável apenas em falar com ele por mensagens. Dizer na cara dele tudo que penso é algo que nunca aconteceria.
“É o que você quer? Porque não quero forçá-la a nada. E, sim, estou curioso. Mas não pense que estou exigindo nada! Todos pensam que Ian Novack é só mais um cara b****a que usa as pessoas, mas não sou sempre um i****a, passarinho. Se acha isso demais, posso simplesmente me esquecer de tudo, e nunca mais terá que se preocupar comigo.”
Merda! Não é o que quero, mesmo. Na verdade, não sei o que quero.
“Não quero ser a pessoa que te julga, Ian. Não sei como agir em relação a isso. Você não é tão b****a quanto pensei ser, mas ainda é meu chefe. E nem nos conhecemos.”
O que estou falando?! Ele não é um futuro pretendente.
“Quero dizer... Não faço amigos com facilidade e não costumo confiar nas pessoas.”
Não obtenho uma resposta rápida. Acho que ele desistiu e acabo pensando que é melhor assim. Eu não devia ter começado com essa brincadeira. Teria evitado toda essa confusão.
Quando desligo a tela do celular, sua mensagem chega.
“Também tenho dificuldade em confiar, passarinho, e entendo o que pode estar sentindo. Você é a única pessoa que realmente fala o que deseja, sem medo de ser rude ou me irritar. Gosto disso e não quero perder nossa interação interessante.”
Interessante?! Achei que ele odiasse.
“Não fica chateado quando falo essas coisas? Achei que não gostasse.”
“Se fosse com qualquer outra pessoa, eu odiaria, mas você, passarinho, tem algo que muda isso em mim. Faz eu gostar de conversar e de ouvi-la dizer o quanto sou errado.”
E, novamente, ele me surpreende.
“Então... Somos amigos?”
“É estranho, porque você é meu chefe. Então…”
“Sabe o que é mais estranho? Esbarrar em alguém, ela me achar um escroto, depois me devolver o celular que deixei cair, conversarmos um com o outro como se fôssemos íntimos e nem a conhecer.”
Estranho também é gostar de falar com você ou sorrir como uma i****a só porque quer seu meu amigo.
Tudo fica estranho a cada dia ou a cada mensagem. Ian é meu chefe e, mesmo dizendo que quer minha amizade, nada mudaria esse fato. Portanto, para que eu não seja punida futuramente por algo que venha a fazer, é melhor me esquecer disso.
“Deve estar entediado. Conversar com uma estranha em plena sexta-feira é algo quase deprimente. Quando se pensa em alguém como você, mesmo sendo um bundão, imagina-se que não estaria sentado em um sofá digitando mensagens para alguém que nem conhece.”
E, mais uma vez, fico sem uma resposta imediata. O pior é que não quero parar de conversar com ele, embora saiba quão estranho é esse desejo.
“Já faz um tempo que não saio para me divertir, passarinho. Com meu pai em coma e com todas as responsabilidades em cima de mim, é difícil achar um momento só meu. É difícil até ir ao escritório, porque sempre espero uma ligação me dizendo que ele não resistiu.”
“Sinto muito, Ian. Sei sobre o acidente, só que de nada além disso.”
“Eu deveria estar no lugar dele agora, mas me recusei a ir ao evento. E, como ele não poderia deixar de comparecer lá, foi. Mas queria tanto que eu tivesse ido. Agora, por minha causa, meu pai pode não resistir.”
Eu não faço ideia do porquê Ian está me contando essas coisas, mas ver um pouco mais do homem arrogante e descobrir que ele não é isso tudo, está sendo bom, mesmo que no meio dessa história toda haja algo tão terrível.
“Aposto que ele não pensará assim quando acordar. Você não queria que aquele acidente tivesse acontecido. Ninguém poderia adivinhar. Então, deve parar de se culpar. Coisas assim acontecem.”
“Por que está me falando essas coisas? m*l me conhece. Acha que sou a pior das pessoas e, mesmo assim, está dizendo algo para fazer eu me sentir melhor?”
Não sei se esse é o Ian arrogante ou o que não acredita no que falei, por não se achar merecedor daquelas palavras. Fico em cima do muro, sem saber o que responder com exatidão.
“Apesar de não confiar muito nas pessoas, sempre tento dar a melhor parte de mim. E não acho que alguma força superior tenha causado tal acidente para lhe punir. Espero que possa acreditar em minhas palavras.”
“Não se ofenda, passarinho! Só não estou acostumado a ouvir alguém dizer algo ao meu favor. Não sou a melhor pessoa do mundo, e muitos que estão ao meu redor só querem se aproveitar. É por isso que estou gostando de você: não é assim.”
Acho que ele não soube se expressar. Sim! Quis dizer que gosta da minha sinceridade.
“Gosto de conversar com você.”
Claro. Agora sim.
“Ok, Ian. Já está tarde e ainda tenho que trabalhar.”
“Trabalhar? É sexta à noite. Como vai trabalhar?”
Um sorriso sai da minha boca ao ler sua mensagem, que chegou em poucos segundos. Se eu falar o que irei fazer, logicamente ele ligará os pontos. E eu não darei tudo de mão beijada ao meu chefe bundão.
“É um projeto pessoal. Nada de tão importante.”
“Sabe, passarinho? Esse seu mistério só me deixa ainda mais curioso e motivado a te achar.”
“Não entendo como não pode deixar isso para lá e seguirmos com nossa “amizade” em anonimato. Sinto-me mais confiante para dizer as verdades na sua cara se eu não correr o risco de você aparecer do nada na minha porta ou me demitir no trabalho.”
“Vou repetir mais uma vez, passarinho: não quero demiti-la, somente acabar com a fantasia que minha cabeça insiste em criar. Se eu não soubesse que a minha secretaria é tão medrosa, pensaria que seria ela querendo me enlouquecer por tudo que já fiz.”
“Não fantasie! E, eu não sou a Mia. A coitada morre de medo de ser demitida quando você chega na empresa como um vilão da Disney, buscando uma desculpa para ser grosso com todos.”
“É o que todos pensam de mim? Ótimo! Já não bastava meu pai me achando um i****a, os funcionários acham que sou um bosta.”
“Bem... Confesso que também achei isso quando me derrubou outro dia. Mas, fique tranquilo! Você é um bundão que não gosta de ser tão bundão e tenta mudar quando as pessoas reclamam.”
“Fico feliz que não me odeie totalmente, estranha. Mas, ainda assim, sou uma péssima pessoa. E isso irrita a mim mesmo. Na verdade, só percebi graças a você. E não acho que conseguirei a confiança deles após meus ataques de fúria.”
“Um dia de cada vez, Ian. Só precisa ser mais educado e menos babaca.”
Eu deveria desligar o celular e deixar para falar com ele em outra hora, porém não consigo tirar os olhos da tela, esperando por uma mensagem sua. Sinto essa necessidade como se o cara fosse alguém importante ou algo do tipo.
“Boa noite, passarinho! Pode ir trabalhar no seu projeto pessoal enquanto eu tento, de alguma forma, contentar-me com a ideia de nunca saber quem é você.”
“Boa noite, Ian!”
Foi difícil desligar o celular. Nas outras vezes em que conversamos, terminamos as conversas com alguma provocação, briga ou com ele ameaçando me achar de alguma maneira, mas sua última mensagem de hoje me deixou pensativa.
Em um buraco escuro dentro do meu peito, sei que quero dizê-lo quem sou, só para que ele olhe para mim sem ser como um chefe bravo ou apressado, e sim como uma amiga.