Capítulo 1
Ethan encarava as algemas que prendiam os pulsos já machucados, a corrente grossa pendia pelo corpo até a parede o dando um espaço mínimo para que se movesse, o cômodo em que estava nada mais era que uma cela caindo aos pedaços. O barulho de uma multidão gritando enquanto batiam palmas fazia com que o pó acumulado no chão levantasse. A agitação, os assobios, tudo lhe causava náuseas. Levou a mão aos cabelos longos, os fios duros de poeira e tempo, a barba grande lhe coçava a face e os olhos azuis outrora com tanto brilho estavam opacos, a porta de aço que ficava ao centro da parede oposta a sua corrente se abriu em um ruído grosso e alto.
— É sua vez. – O homem de cabelos brancos o encarava com pesar – Faça o que têm de fazer e eles o tratarão melhor.
O loiro apenas massageou os pulsos quando o mais velho lhe soltou as algemas.
— Não morrerei Lupin. – O loiro falou se levantando.
— Todos morrem um dia Ethan. – Lupin falou acompanhando o loiro pelo corredor.
— Hoje não é o meu dia. – Ethan segurou o escudo e empunhou a espada que lhe era oferecida, mas recusou o elmo olhando novamente para os pequenos portões de madeira que se abriam revelando uma gigantesca arena onde uma multidão gritava pedindo sangue olhou para o lado vendo o corpo de alguns homens, ao menos seis conhecidos do loiro, lembra-se dos rostos no pátio de treinamento diário.
O loiro rodopiou a espada em sua mão sentindo o peso do aço. Ah! Como amava a espada, passara a vida sendo treinado como guerreiro por seu pai, um forjador que vivia apenas para fazer sua mãe feliz. A família morava em uma pequena aldeia que servia ao país do fogo nos arredores de Kaesilyum, uma das principais vilas da nação, mas a guerra alcança todos e quando os soldados bem treinados de Santara atacaram as casas vizinhas, Minouro e Helena, pais do rapaz, se viram em meio a uma carnificina, os três empunharam espadas e lutaram chegando a matar mais de meia dúzia de soldados, mas quando Helena fora atingida fazendo com que seu crânio se partisse em frente aos dois homens que mais a amaram no mundo não houve palavra que descrevesse o que aquilo causou a ambos, Minouro acertou o homem que a havia matado na altura do coração enquanto Ethan deixava um rastro de corpos enquanto abria caminho até os pais. Poderiam correr, mas ele sabia que o pai não iria onde sua amada esposa não estivesse e foi com o corpo da ruiva nos braços que Minouro Collins morrera em frente ao filho. Ethan Collins não fora poupado, isso não, porque ele preferia ter morrido mil vezes a ter de presenciar aquilo, seu feito não passara despercebido e logo o loiro se viu prisioneiro e apenas percebia que o tempo havia passado quando a barba passara a incomodar, foi levado a um lugar distante que parecia nunca chover, Santara. Ali ficava em uma casa comandada por algum treinador no seu caso, Severus, um homem severo e e******o que se vangloriava por seus homens na arena, sua esposa, uma mulher de cabelos castanhos e olhos verdes, Mei, abusava não apenas das escravas que lhe serviam pela casa, mas fazia questão em dar ordens para os homens do esposo que atendia a todos os pedidos da mulher sem pestanejar.
A arena ampla e clara era rodeada pelas arquibancadas repletas de pessoas sedentas por sangue. A morte de qualquer pessoa durante a luta era motivo para que a plateia fosse a loucura, as apostas a cerca das lutas principais eram altas e ganhar a torcida do povo fazia toda a diferença.
Ele sabia.
Quantas pessoas matara naquele ringue de medo e desespero? A primeira vez que pisou na arena ainda aéreo com os acontecimentos recentes acabara por vencer na sorte, mas o treinamento que recebera do pai e o fato de manusear bem a espada logo fizera com que a plateia o idolatrasse e as apostas em si eram altas ele sabia, mas não passava de um escravo. Ergueu os olhos para a estrutura na lateral da grande construção, ali o encarando estava o rei de Santara, Alejandro, causador da grande guerra que se arrastava a quatro anos. Devido a um golpe de Estado o vigarista havia matado o líder de Santara, Elion Santoro e prendido os herdeiros do mesmo em um lugar desconhecido, o homem que sempre fizera Ethan lembrar-se de serpentes astutas e venenosas tomou o poder para si ao lado de um exército de mercenários que apenas lutam por dinheiro, ao lado de Alejandro, Severus exibia o sorriso desdenhoso por apresentar seu campeão ao povo de Santara.
— Dandara, Dandara, Dandara, !!!!!!!!
A plateia urrava enquanto o loiro caminhava a passos curtos e decididos. O apelido do temível lobo demônio de dourado das lendas antigas o precedia após lutar contra nove homens de uma só vez e, apesar de machucado, conseguira sair caminhando da arena deixando o corpo dos homens ao redor de si. O loiro levantara a cabeça e um homem de cabelos brancos o encarava, o homem tinha os dentes finos e parecia ter algum tipo de deformidade no crânio, pois um longo caroço parecia brotar no ombro formando algo que parecia uma outra cabeça.
— Pronto pra morrer? loba.... – A voz parecia feminina e o loiro apenas franziu o cenho após soltar um baixo rosnado e partir pra cima da criatura que insistia em sorrir. As espadas chocavam-se produzindo um som fino e estridente e a plateia não parou de gritar em um só segundo, nem quando Ethan recebeu um golpe na barriga, nem quando a cabeça da criatura rolou para o lado do corpo e o loiro baixou a cabeça, não acreditara mais em Deuses e se eles existiam, o odiavam.
A água escorria por sua cabeça descendo pelo ralo rubra de sangue, uma das regalias de ser campeão é o fato de se ter água para o banho, poucas pessoas ali tinham a mesma sorte e ainda que voltassem da arena cobertos por entranhas tinham que se virar com uma esponja úmida o que deixava o ar com cheiro de podridão e piorava naquele calor infernal. De olhos fechados o Collins ainda ouvia a multidão o incitar a matar o último combatente. Como se ele tivesse escolha em deixa-lo vivo, as lutas tinham um único objetivo: sangue. Não importa de que lado ele fosse derramado. Terminou o banho e caminhou para a cela, diferente das celas das arenas a sua tinha uma estrutura de cimento com um fino colchão, duro, porém melhor do que os que perdiam as lutas, apenas quatro pessoas ali dentro tinham celas daquela maneira. O campeão, o professor que era Lupin e dois guardas que ficavam sempre a espreita dos escravos. Deitou-se cobrindo o sexo com apenas uma cueca feita com tecidos finos, levantou-se assustado e atento quando a porta se abriu.
— Um presente do senhor. – O guarda ruivo falou logo empurrando uma pessoa para dentro do cômodo. A pessoa era uma mulher, Ethan conhecia bem esses presentes.
— Não o quero. – Respondeu friamente e o guarda lhe sorriu de lado.
— Não têm escolha. Minhas ordens são de deixá-la aqui caso não a queira, mas os guardas ficarão felizes amanhã. – Dito isso saiu fechando novamente a porta de aço que dava para o pátio onde os homens treinavam. O loiro olhou para a mulher que se levantava, o vestido era de escrava, a mulher deveria servir a senhora da casa, pois não parecia uma prostituta, mas estava limpa o que significava que era de alguma importância.
— Como se chama? – a voz saiu mais rouca do que o esperado e a mulher que ajeitava o tecido de modo a esconder as partes certas não o encarou. – Posso mandar levá-la para os guardas se acha melhor.
— Nã... não – A voz baixa e suave o fez franzir o cenho. – Por favor.
— Como se chama? – Perguntou novamente, sério e frio como era seu comum. Mas não esperava aquilo. Quando a morena ergueu o rosto encarando o loiro não esperava aqueles olhos diferentes, não esperava aquele rosto emoldurado pela franja e alguns fios soltos que caiam pelo coque que ela usava, ele não esperava por uma mulher assim. Não ali. Não no inferno em que ele estava e por alguns segundos naquele silêncio ele se perguntou como seria se aquela guerra não o tivesse tirado tudo.
— Feyre. – O anjo falou baixo e o inferno em que se encontrava ficou mais quente.
-A mulher mexia na barra do vestido nervosamente enquanto Ethan a olhava, não era i****a a ponto de não a achar bonita. Bonita? Quem estava querendo enganar, aquela mulher era linda, parecia um anjo. O loiro suspirou e voltou para cama se deitando.
— O chão é serventia da casa. – Disse seco enquanto a morena apenas assentiu em silêncio antes de ir ao canto do quarto oposto a cama de Ethan, sentou-se no chão frio enquanto encarava as costas do campeão. Como sentira medo enquanto aquele guarda a levava ali, mas ele poderia estar brincando, não poderia? Poderia ataca-la enquanto ela dormia e estupra-la. Suspirou reprimindo o os pensamentos, não seria a primeira e com certeza nem a última que aqueles trogloditas lutadores se achavam donos. Feyre nunca fora muito, mas não era escrava, era livre e vivia bem com sua família antes de tudo, fechou os olhos lembrando-se de tudo o que acontecera antes, em outra vida.
Ethan abriu os olhos quando ainda era escuro, sentou-se na cama e não pôde evitar sorrir minimamente ao olhar a pequena figura que dormia encolhida no chão, se dona Helena sonhasse que deixou a menina ali com certeza o xingaria, quase podia ouvir a voz dela “Não criei filho pra isso ”. Balançou a cabeça e deu um pequeno soco no concreto despertando a morena que pareceu alerta enquanto o olhava, o loiro permaneceu como estava encarando o mesmo olhar perolado que na noite anterior o impressionou tanto, ela franziu o cenho em reprovação e o loiro achou engraçado como as bochechas coravam.
— Espero que tenha aproveitado o seu presente. – Um guarda sorriu abrindo a porta e a morena se encolheu mais diante a presença do homem, Ethan apenas o olhou e não se moveu enquanto o homem a empurrava para fora da cela deixando-o novamente sozinho com seus pensamentos, se vestiu em silêncio e em seguida saiu para o pátio onde um boneco de madeira estava posicionado para treinamento, sozinho começou a usar a espada de treinamento que era igualmente de madeira no boneco a sua frente desferindo golpes que soavam ocos para os demais, aos poucos os homens igualmente musculosos começaram a encher o pátio para treinarem, duplas eram formadas e o loiro mantinha-se em dupla com o boneco de madeira que nunca revidava seus golpes.
Feyre havia se lavado da melhor maneira possível com uma tina de água que lhe fora fornecida, entrou nos aposentos da senhora Mariana em silêncio e com a cabeça baixa.
— Oras Feyre. – A voz fina a fez levantar o olhar. – Diga-me se o loiro bronzeado é bom na cama como na arena.
A morena sentiu as bochechas quentes no momento em que a senhora fechou a boca, como diria que ele não a tocou? E se a castigassem por isso?
— E... eu... – a voz não queria sair e arranhava a garganta a possibilidade de lhe castigarem.
— Deixe a pobre menina – a voz de Severus ecoou pelo espaço e a morena apenas baixou o olhar. – Ethan merece ter quantas mulheres lhe for necessário, graças a ele nossa casa volta as glórias na arena.
— É apenas curiosidade feminina. – Mariana rodeava o pescoço do marido. – Senti sua falta na cama. – Falou manhosa e Feyre fez uma pequena reverência antes de sair do aposento. Sabia o que aconteceria ali, sem nenhum tipo de pudor os dois começariam a copular como dois loucos e caso não estivessem satisfeitos pediriam a alguma criada para os ajudar, não imaginava aquele tipo de relação, que esposa sentiria prazer em ver o marido com outra mulher? Foi até a varanda preparando a mesa para o desjejum dos senhores da casa, observou o pátio onde os homens treinavam e demorou o olhar um pouco mais sobre o Collins, de certo havia sido rude consigo, mas em relação a todos ali ele fora o que melhor lhe tratara, sabia que na cela de qualquer outro homem teria sido tomada sem nenhum tipo de pudor ou arrependimentos, aqueles homens não eram feitos pra isso, eram forjados no aço entre sangue. Saiu de seus pensamentos quando o olhar azul foi de encontro ao seu e a morena corou como uma i****a, como a menina que fora antigamente e desviou o olhar sem ver o rosto de Ethan se contrair em uma careta.
— Parece que tem uma nova conquista. – Lupin falou próximo a si e o loiro o encarou desviando o olhar da varanda por onde a morena acabara de entrar.
— Ela não é nada. – Falou ríspido.
— Ela pode ser tudo, mas nada não está entre eles, eu ficaria feliz se Severus a desse pra mim. Acho que passaria uma semana sem sair do quarto. – O grisalho falou e Ethan apenas deu um pequeno sorriso.
— Então é melhor que ele tenha dado pra mim a morena. – O loiro falou e logo os portões foram abertos.
— Iniciantes para treinar. – Lupin falou e soltou um suspiro.
Pelos portões recém abertos uma leva de homens entrava caminhando presos a correntes. Ethan sabia o que aquilo significava, ele mesmo havia chegado ali daquela maneira, provavelmente os homens haviam sido presos em um novo ataque ou algo do tipo e agora eram irmãos de espada.
— Homens. – O grito de um guarda fez com que todos entrassem em formação e logo Severus estava na varanda sorrindo para os novos homens.
— Sejam bem vindos a nossa casa de gladiadores. – Falou encarando os homens. – A partir de agora vocês servirão a nossa casa e faremos de vocês campeões. Vejamos nossas promessas.
— Ethan! – Lupin falou de modo que todos escutassem e o loiro caminhou até o grisalho. – Algum novato tem a coragem para enfrentar o atual campeão?
Ethan os olhou, como odiara o campeão no primeiro dia que entrou ali, agora era ele o adiado, era ele que matava outras pessoas na arena apenas para divertir a multidão. Um moreno com duas tatuagens vermelhas em ambas as bochechas caminhou para frente com um sorriso presunçoso no rosto.
— Campeão? – Falou sorrindo. – Parece mais um fracote.
O loiro nada disse, olhava para o moreno a sua frente em silêncio, quando o moreno avançou os movimentos de Ethan eram praticamente automáticos, desviou do ataque e o derrubou com tanta facilidade que chegava a achar aquilo um tédio, os outros homens apenas gritavam em zombaria como se já soubessem o resultado daquilo, da varanda Mariana gargalhava e Feyre olhava para o loiro assustada.
A porta da cela foi aberta novamente e o mesmo guarda trazia a morena segurando-a pelo braço.
— Seu presente. – Falou para Ethan que sequer o olhou, o campeão se achava muito e a maioria ali m*l podia esperar por seu fim. O homem sorriu de lado a puxou a morena contra o próprio corpo, Feyre baixou o olhar e comprimiu os lábios virando o rosto quando o homem a encarava. – Sabe, Dandara. – Ela o chamava pelo nome da fera, pelo nome da fera que habitava seu interior. O desdém na voz era notável. – Essa pele branquinha merecia ser tocada por alguém mais experiente. Quem sabe eu possa ensiná-la a...
A voz do homem se perdeu quando encarou os olhos azuis que faíscavam de raiva, o Collins o prendia entre a parede com o antebraço forçando o pescoço do homem, a morena estava no mesmo lugar que antes encarando os dois.
— A única coisa que poderá ensinar a ela é como um homem vive sem um p*u. – Ethan falou seco. – Não fique no meu caminho ou deixo sua pele da cor desse seu cabelo de merda.
O homem soltou uma risada quando o loiro o jogou de lado.
— Vou acabar com você, Dandara e quando estiver morrendo eu vou mijar nessa sua maldita cara e vou f***r com essa morena enquanto ela estiver viva.
Novamente, o chamando pelo nome da loba que morava em seu interior.
Feyre estremeceu ao ouvir aquilo, o coração que antes batia acelerado agora parecia desconhecer qualquer ritmo humano, o medo que a dominava era sem igual.
— Sabe.... – A voz do loiro a fez o olhar. – É melhor certificar-se de que eu realmente esteja morto porque juro que não descanso enquanto não ver a vida esvaindo desses seus olhos miseráveis.
O guarda apenas saiu da cela a passos duros enquanto Ethan trancava a mesma e bufava com raiva.
— Obrigado. – A voz da morena veio baixo e ele respirou fundo e a olhou. As bochechas coradas, o cabelo ainda preso em um coque, a pele clara e os olhos...
— Não fiz por você. – Falou sentando-se na cama e Feyre o olhou até que o loiro se deitasse.
— Você é bem i****a. Ethan. – A morena falou com raiva. Ele era um grosso, e******o, mas ainda assim a havia ajudado e ela sabia que ser ajudada ali era uma dívida, sentia raiva por tudo o que estava acontecendo, mas não era estúpida a ponto de achar que alguma coisa voltaria ao normal, pois sabia que nada mais seria como antigamente e rezava aos deuses para que morresse ali, a qualquer momento, pois não havia vida naquilo, não havia como sorrir ou como querer acordar no próximo dia. Era como se vivesse em modo automático, sobreviva dia a dia, mas não sentia qualquer outra coisa a não ser medo.
Ethan a escutou sentar-se no chão ao lado da parede, apenas a olhou quando a respiração da morena tornou-se regular e calma denunciando que ela dormia, é claro que havia feito por ela, não havia se dado conta, quando Ren a segurou daquela maneira... Ninguém tinha o direito de lhe obrigar a nada. Pelos modos sabia que a morena havia sido bem criada, o jeito como andava enquanto organizava as coisas, ou como ele se permitiu segui-la com os olhos durante todo o dia, como ela conversava com os outros ou como escutava em silêncio o que a menina de coques na cabeça falava sempre e talvez fosse isso que o fizesse se sentir estranho com relação a ela, Feyre lhe lembrava seu lar, a vida que teria se não fosse aquilo.