CAPÍTULO 04

2058 Words
AURORA JOHNSON Olhei para a figura pálida no espelho, com alguns arranhões e uma marca na bochecha devido às agressões de Gustavo. Ontem, tarde da noite, Gustavo me ligou e me mandou encontrá-lo na porta da minha casa. Eu disse que não iria, Gustavo não gostou do que ouviu e disse que cumpriria o que prometeu caso eu não fosse vê-lo. Sem alternativa, eu fui. Ele estava dentro do seu carro, e assim que entrei, recebi um tapa forte e estalado no rosto, seguido de um puxão de cabelo e uma mordida forte na bochecha. Senti as lágrimas descerem pelo meu rosto, absorvendo todo o peso do mundo em cima de mim. Minha vida deu um giro de 360 graus. Antes eu tinha um relacionamento bom e uma família feliz, sem dívidas. Apesar da indiferença com que éramos tratados pelas pessoas da nossa cidade, ainda assim éramos felizes, mas de um dia para o outro, tudo mudou. Meu namorado se mostrou ser um verdadeiro monstro, dívidas sem fim aparecendo, uma acusação mentirosa contra o meu irmão, minha irmã que pode ser tirada de nós e um homem que, em troca de me ajudar a salvar minha família dessa droga toda, quer que eu faça Deus sabe o quê. Penteei meu cabelo e joguei-o para o lado direito do meu rosto, no intuito de tentar esconder um pouco das marcas. Olhei para a minha roupa sentindo-me satisfeita. Vesti uma calça jeans escura, uma blusa branca de mangas 3/4 e, nos pés, calcei uma sapatilha preta. Olhei para a maquiagem em cima da minha estante e ponderei usar algo, mas desisti. Depois de tudo que tenho passado, não sinto tanta vontade de me arrumar como antes, minha vida perdeu a cor; meus olhos cinza, que antes viviam brilhando e alegres, agora estão sem vida e tristes. Peguei a minha bolsa em cima da cama e me dirigi até onde todos estavam tomando café da manhã. Minha casa não é uma mansão, mas é grande, localizada em um bairro de classe média em Dallas. Sem as dívidas, conseguíamos mantê-la; meu irmão com o trabalho de segurança em uma boate de luxo, meu pai na empresa Del Frari e eu como garçonete. Embora eu não ganhe muito, é algo que ajuda, mas de todos aqui quem ganha mais é meu pai, que até me ajudava no p*******o do curso de Administração. Porém, com tudo o que aconteceu, tive que abandonar o curso e fazer horas extras na lanchonete. Nossa vida era apertada, mas com jeitinho, a mantínhamos bem. — Bom dia, família. — Disse tentando disfarçar toda a minha angústia. — Bom dia, filha. — Minha mãe respondeu e assim que olhou meu rosto, dilatou o olhar. — Filha, o que é isso no seu rosto? — Eu caí ontem voltando para casa. — Menti, Rubens me encarou e o vi fechar as mãos em punhos. — Quer que eu cuide disso, meu amor? — Não, mãe. Foi algo bobo, logo passa. — Joguei mais o cabelo para esconder. — Mamãe, vamos nos atrasar para a reunião do colégio. — Resmungou minha irmã. — Oh, claro. Eu já vou. — Ela deu um breve beijo no meu pai e em seguida, em mim e no meu irmão. Quando ela saiu, meu pai se levantou. — Eu também já vou. — O vi se virar para sair sem se despedir. — Pai! — Ele me olhou. Encarei a figura de um homem sério e com um olhar triste, seus olhos castanhos estavam sem nenhum brilho por trás dos óculos. Seu rosto ficou mais envelhecido e seus cabelos mais grisalhos, assim como a barba, que está um pouco maior do que de costume. Meu pai está no seu limite. — Tudo vai dar certo. — Eu disse; ele me lançou um sorriso morto e saiu, fechando a porta atrás de si com lentidão. — Nosso pai não aguenta mais essa situação. — Falei. — E eu também não. — Rubens levantou e me encarou. — Você caiu, não é? — Mano, eu... — Eu o quê? Por que foi ver esse cara? Ele te bate e mesmo assim você vai vê-lo? Eu vi você sair de casa à noite e entrar no carro dele. — Não diga o que não sabe. — Reprimi uma vontade muito grande de chorar. — Eu só não quero ver um i****a covarde bater na minha irmã, e eu, por estar sendo acusado de algo que não fiz, não poder fazer nada. — Antes que eu dissesse mais alguma coisa, Rubens saiu deixando-me sozinha na sala. Ele não precisa saber da ameaça. — Pensei. Respirei fundo e engoli o choro; neste momento preciso me manter forte, pela minha família. Saí de casa e, ao invés de ir para a lanchonete, fui para a empresa. Sei que posso perder meu emprego, mas o Del Frari me garantiu que me ajudaria se eu fosse hoje cedo a sua empresa para discutirmos sobre isso sem que meu pai soubesse. Não sei se foi pena por me ver ajoelhada ou porque gosta de ver as pessoas comendo na sua mão, mas ele aceitou me ajudar. Não importam os motivos ou o que ele proponha, eu vou aceitar. Novamente, quando cheguei na empresa, percebi que os funcionários me olharam com certo nojo, porém, naquele momento, não estava nem um pouco a fim de arrumar barraco. Vi Valéria abrir um sorriso quando me viu, mas algo em seu sorriso estava diferente, não sei o quê, mas não era igual aos outros dias. — Bom dia, Val. — Bom dia, Aurora, o senhor Del Frari te espera na sala dele, fica no último andar. A secretária te levará até ele, basta se identificar. — Disse rapidamente e em tom profissional. — Obrigada, mas está tudo bem? — Não. — O que houve? — Perguntei preocupada. — Você está se enfiando em um lugar muito r**m, menina. — Valéria, você sabe que... — Eu sei sobre a situação da sua família, mas se submeter a algo assim é contra seus princípios... Seu pai ficaria louco se soubesse. — Como assim “se submeter a algo assim”? — Indaguei confusa. — Algo sujo e baixo. — E como sabe disso? — Trabalho há dez anos nesta empresa, e vejo como o Del Frari resolve as coisas. É sempre da mesma forma, suja e baixa. — Pensei em dizer algo, mas desisti ao constatar que ela estava certa. Eu estava me humilhando para conseguir ajudar a minha família, porém naquele momento, estava jogando o famoso “f**a-se” em tudo. Saí do elevador sentindo todo o meu nervosismo aumentar a cada passo que dava até a mesa de madeira envernizada que ficava a alguns metros de distância. Olhei em volta e notei que, assim como no hall, há uma parede inteira de vidro, dando um ar melhor para o ambiente. O espaço é grande e só havia uma pessoa aqui: uma mulher alta, n***a, de cabelo liso e curto, olhos verdes e vestida com um traje que mostrava sua importância, como as demais mulheres que trabalham aqui. As cores de suas roupas são sempre escuras, assim como as dos homens. Acho que deve ser alguma exigência do Del Frari. — Bom dia, me chamo Aurora Johnson. Tenho hora marcada para às 08h30 com Matteo Del Frari. — Ela abriu um sorriso simpático. — Sim, ele está te esperando. Está um pouco atrasada, são 08h45 e o senhor Del Frari odeia atrasos. — Oh sim, me desculpe. Eu sequer vi a hora antes de sair de casa. Eu simplesmente saí assim que meu pai saiu. Como ele costuma deixar a casa às 08h00 em ponto eu… — Parei de falar quando percebi que estava falando demais. — Desculpe, é que eu estou nervosa. — Ela riu. — Tudo bem, eu entendo. Me chamo Lídia. — Estendeu a mão para me cumprimentar. — É melhor entrar, Aurora. A sala dele é aquela de porta dupla. — Claro… Claro, desculpe. — Disse indo em direção à enorme porta dupla de madeira escura. Respirei fundo antes de entrar e assim que o fiz, senti completamente um olhar em cima de mim. — Está atrasada. — Sua voz rouca, alta e raivosa ecoou pela sala e entrou pelos meus ouvidos, causando arrepios pelo meu corpo. O que é isso, meu Deus? — Desculpe, eu tive que esperar meu pai sair e depois... — Está bem, que seja. Sente-se aí e vamos acabar com isso de uma vez, tenho uma reunião às 10h00. — Concordei e me aproximei. Sentei-me em uma poltrona de couro escuro. Olhei rapidamente a sala e notei que as cores escuras e a decoração eram as mesmas do restante do prédio. Havia uma parede de vidro que exibia uma visão do centro de Dallas. Vi que havia alguns quadros que não fazia a mínima ideia de quem eram seus autores. Algumas esculturas estranhas e uma porta branca que saía sabe-se lá onde. — Vejo que hoje veio menos desarrumada. — Falou olhando-me com o semblante sério e os olhos novamente transmitindo inocência. Não sei se ele é realmente assim, ou monta uma fachada para mostrar ser o que não é. Minha mãe sempre me diz que “os olhos são os espelhos para a alma”. — Obrigada pelo elogio. — Debochei. Del Frari me ignorou, foi até a sua mesa e depois voltou até mim. Observei seu andar e percebi que ele tem uma grande segurança e mostra, só em seu modo de caminhar, o quanto é arrogante e i*****l. Ele me entregou uma pasta e olhei para ele confusa. — Abra. — Ordenou. Sem hesitar, eu abri e assim que li o começo do papel, senti todo meu sangue sumir. Minha respiração falhou e meus olhos se arregalaram. — Isso é um absurdo! — Disse alto. — O que é um absurdo? — Perguntou tranquilamente. — Você quer que eu assine um contrato de trinta dias aceitando fazer todas as suas vontades. — Falei indignada. Eu vou ser uma espécie de escrava. — Pensei. — E? — Eu pensei que seria...— Não consegui terminar de falar, era muito humilhante. — Acha que eu me contentaria com uma f**a e tchau? Aurora, desculpe o que vou falar, mas eu sou rico, influente e modéstia à parte, bonito. Posso ter a mulher que quiser, a mais linda do mundo em um simples estalar de dedos. Acha que você chega à altura de cinquenta mil dólares por uma noite? Acho que não. — Senti minhas bochechas molhadas e sabia que estava chorando. — Isso é demais. — Falei baixo, sentindo uma grande raiva crescer em mim. — Quer ver seus pais debaixo da ponte, seu irmão na cadeia e sua irmã no orfanato? Pois é isso que vai acontecer se não aceitar. — O que quer dizer com isso? — Se não aceitar, eu mesmo vou me certificar de que sua família toda seja reduzida a cinzas. Dispenso seu pai e deixo que todos vivam realmente na rua. Porém, se aceitar, ajudo não só a quitar as dívidas, como também pagarei o melhor advogado do país para livrar seu irmão e, de quebra, ainda dou um jeito no i****a do Gustavo, porque sei que não o aguenta mais. — Ele colocou meu cabelo do lado direito atrás da orelha e olhou rapidamente para meu rosto. — Por que trinta dias? — Porque eu quero. Então, assine logo e o contrato ficara válido a partir de amanhã, que é o primeiro dia de junho. — Você é estanho e isso está sendo algo horrível de aceitar. — Ele travou a mandíbula. — É pegar ou lagar. — Disse bem próximo a mim — Não tenho outra opção, o senhor me ameaçou. — Falei calmamente e senti minha raiva aumentar ainda mais. — Aprenda uma coisa, eu nunca jogo limpo e muito menos faço favores sem algo em troca. — Rapidamente as palavras de Valéria passaram pela minha cabeça. Ela estava certa. — Saiba que posso te odiar. — Ele sorriu, senti medo ao ver que seu sorriso era frio e sombrio. — Nunca pedi que gostasse de mim. Continuei a pensar se aquela foi uma boa escolha, se realmente aceitar o que ele propôs era algo bom. Óbvio que não era. Contudo, ele disse que ajudaria no caso do meu irmão e tiraria Gustavo da minha cola. Embora eu saiba que é ainda mais humilhante do que eu pensava, eu não tinha opção. — OK, eu aceito, mas quero saber uma coisa. — Sim. — Por que aceitou me ajudar? — Porque preciso de ajuda também. MATTEO DEL FRARI Aurora, se você realmente soubesse das minhas verdadeiras intenções, você sairia correndo e diria que sou louco. Esses trinta dias perto de você serão suficientes para tirar a dúvida que você plantou em mim desde que a vi pela primeira vez.
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