- Eu não deveria ter feito isso.- Ian se auto-repreendeu, soltando Jade pouco tempo depois de ter começado a beijá-la.- Não, não, isso não está certo. Eu tenho uma noiva e pretendo me casar com a Cecília. Ao contrário de você, ela tem certeza de que me ama e não tem como hobbie fazer joguinhos.-
- Eu não estou fazendo joguinhos!- Rebateu Jade, de imediato.- Eu voltei, sim, pela revista boa forma, mas também voltei para tentar descobrir o que sinto. Lembra o que eu te disse? O amor resiste ao tempo, mas a paixão, não. Fui embora sem saber quem amava e eu nunca quis isso, Ian. Nunca quis magoar você, ou o Felipe.-
- Eu já segui a minha vida, Jade.- Ian se limitou a dizer aquilo, dando dois ou três passos para trás. Ficar próximo daquela mulher era tentador demais, e ele não queria fazer algo de que pudesse se arrepender.
- Eu entendo, eu mesma te disse para fazer isso, não foi?-
- Não se trata de você, Jade, o mundo não gira ao seu redor.- Ian trincou os dentes, encarando a mulher duramente.
Um breve minuto de silêncio tomou espaço na conversa, e Jade precisou respirar fundo antes de continuar a falar alguma coisa. Ian tinha razão, nem tudo se tratava dela, e não poderia ser egoísta ao ponto de exigir que Ian esperasse sentado enquanto ela escolhia quem realmente queria.
- Não pude seguir a minha vida, não com toda essa confusão que existe dentro de mim.- Ela pigarreou, cruzando os dedos das mãos uns nos outros.- Mas fico feliz que tenha conseguido colocar um ponto final nisso.-
Ian engoliu em seco, sua consciência começava a pesar. Ele não havia colocado um ponto final naquela história, e o beijo que trocou com Jade a poucos minutos, foi a prova viva disso.
- Será que podemos visitar as adegas? Gostaria de ver as variedades que vocês têm agora.- Falou Jade, apenas para preencher o silêncio. Sabia que estavam prestes a visitarem as adegas, e resolveu adiantar aquilo para se ver livre da presença de Ian o quanto antes. Precisava de um tempo a sós consigo mesma, precisava pensar. Será que ter voltado foi um erro? Será que, mais uma vez, vai acabar atrapalhando a vida dos homens que amava? Eram muitas perguntas sem respostas. Os dois caminharam juntos, durante alguns metros, até chegarem no lugar de interesse. Jade se admirou ao ver que as garrafas continuavam organizadas do mesmo jeito que há quatro anos. Em uma prateleira, tinham as garrafas de vinho tinto, em outra, vinho branco, vinho suave, e assim por diante. Também estavam organizadas de acordo com o ano e a safra.
- Nostalgia?- Perguntou Ian, ao observar a forma que Jade olhava para as garrafas.
- Bastante.- Respondeu com sinceridade. Afinal, era inegável a quantidade de memórias que tinha ali.
- E o que exatamente a boa forma pretende apresentar na revista?- Perguntou Ian.- Confesso que fiquei um pouco disperso no dia da sua visita.-
- Eu imagino. Foi um reencontro inesperado.-
- É, foi mesmo.- Concordou o homem.
- A boa forma não é uma revista que preza apenas a boa forma da estética, também cuidamos da saúde e estudamos para conciliar ambas as coisas. Os benefícios do vinho para a saúde têm embasamento científico, mas claro, em quantidade moderada. As calorias também alteram de um vinho para o outro, como por exemplo o tinto, que é mais calórico do que o branco. Estou te explicando isso das calorias para que entenda o meu ponto. Queremos passar para as nossas leitoras, em uma linguagem clara, que consumindo determinada quantidade de vinho, elas estarão cuidando da saúde, mas sem comprometer a aparência.-
Ian balançou a cabeça, absorvendo a informação. Por mais que não se interessasse pelo assunto, a forma empolgante com que Jade explicava, acabava fazendo com que as outras pessoas acreditassem que, de fato, aquilo era tão bom quanto ela fazia parecer.
- É, realmente você sabe atrair o público feminino. Não só o feminino, mas não quero entrar nessa discussão.- Falou Ian, sem conseguir conter as alfinetadas.
Jade olhou para o mesmo de cara f.e.i.a,
- Não consegue manter uma conversa normal? Não consegue se dirigir a mim sem falar uma ofensa?-
Ian permaneceu calado, olhando para o outro lado e refletindo sobre o próprio comportamento. Acabou dando o braço a torcer, de fato, não estava sendo muito cortês com a mulher.
- Tem razão, me desculpe.- Disse Ian.
- Olha, eu sei que eu não sou a sua pessoa favorita, mas devido a essa parceria da Espósito com a Boa Forma, vamos nos encontrar muito. Sejam em reuniões, eventos… Bom, precisamos ser profissionais.-
- Eu sei. Tentarei moderar a minha língua.- Ian respondeu Jade, evitando manter contato visual com a mesma.
- Então… Vou começar as minhas anotações. Com licença.- Jade deu de ombros, puxando a caderneta da bolsa e escrevendo o que considerava relevante.
Ian a espiava vez ou outra, enquanto fingia ler o rótulo de uma das garrafas. Olhava de soslaio, discretamente, se auto-flagrando com um sorriso ao observar Jade concentrada. Ela continuava a mesma. Mordia os próprios lábios ao pensar, e enrugava a testa, batendo com a ponta do lápis no queixo.
- Acho que você precisa de um incentivo para raciocinar melhor.- Ian decidiu abrir uma das garrafas de vinho tinto, safra de 2007, e despejou em duas das taças que tinham ali. Ele ergueu uma delas para Jade, e permaneceu com a outra.- Toma, como uma oferta de paz.-
A garota acabou cedendo á tal oferta de paz, até mesmo porque, degustar um daqueles deliciosos vinhos vinham sempre a calhar, principalmente quando ela precisava de inspiração para escrever. Pousou a taça na boca, dando uma golada generosa. Ian continuou olhando-a enquanto também bebia. Um dos fios de Jade, presos em um coque frouxo, caíram sutilmente por cima de sua clavícula protuberante. Ela levava no rosto o seu par de óculos, que colocou para enxergar as letras que escrevia com uma maior nitidez. Talvez ele estivesse delirando, mas havia algo de e.r.ó.t.i.c.o na forma com que Jade passava a língua no canto da boca para limpar o resquício de vinho que ameaçava escorrer.
- Preciso confessar que nenhum vinho do país, quiçá do mundo, é tão bom quanto os da Espósito.-
- Era a melhor parte do trabalho, não?- Perguntou Ian.
- Uma das.-
- Uma das?- Perguntou o homem mais uma vez, intrigado.- E quais seriam as outras?-
Jade poderia jurar que ouviu um tom leve de malícia naquela pergunta, mas resolveu responder mesmo assim.
- Eu amo o meu trabalho, Ian. Não me vejo fazendo outra coisa sem ser o que eu faço, só isso, já é motivo o suficiente.-
- Hum.- Falou Ian, sem saber o que dizer para aquele tipo de resposta. Talvez não devesse provocar a outra com os dois estando sob o efeito afrodisíaco do vinho. Deveria pensar em Cecília, sua noiva, a mulher que esteve ao seu lado quando Jade decidiu ir embora.
- Será que poderia me emprestar uma das cabanas?- Perguntou Jade.- Digo, eu gosto de aproveitar quando estou cheia de inspirações para escrever, e como lá é bastante sossegado…-
- Eu empresto.- Ian puxou o molho de chaves do bolso, jogando o objeto em uma das mãos dela.- É a chave dourada, a maior. Fica a quarenta metros daqui.-
- Você não vai?- Perguntou Jade.
- Não agora. Vou ficar por aqui mais um tempo. - Ian pigarreou para limpar a garganta seca, tentando disfarçar o nervosismo pelo simples fato de se imaginar a sós com Jade, em uma daquelas cabanas, por mais uma vez. Ele lembrava muito bem do que aconteceu na última vez, e temia que todo aquele ar nostálgico acabasse resultando em uma recaída.- Além do mais, preciso respeitar o seu espaço. É bom ter privacidade para escrever.-
- É, tem razão. Embora você seja silencioso demais para me atrapalhar. Bom, estou indo, quando quiser, pode ir também. A menos que pretenda passar algumas horas em pé e se embebedando. Bom, terá que confiar a direção do seu carro a mim.- Jade ergueu um sorriso de canto, antes de finalmente sair da adega.
Ian observou, por uma das janelas, a mulher se distância para o outro lado.
- Eu já te confiei direções mais arriscadas.- Murmurou para si mesmo.
…
Para o primeiro dia de estágio, Safira não estava tão nervosa quanto imaginou. Ela fez todas as provas, assim como as outras, e acabou sendo selecionada junto á mais duas garotas, todas sommeliers, como ela. Trabalhar por tantos anos no bar de seu avô, fez com que Safira desenvolvesse uma habilidade especial para algumas bebidas, mas especialmente para o vinho. A garota era tão boa, que só em degustar o líquido avermelhado sabia identificar o tipo do vinho, as misturas das uvas usadas, e o tipo da safra. Ela era a garota que a Espósito precisava no departamento de vinhos, Felipe não teve a menor dúvida quando, no dia da prova, a viu saborear pelo menos cinco garrafas diferentes. E hoje, na reunião com investidores tão importantes, Felipe, o diretor executivo daquele departamento, decidiu que seria de alguém como ela que precisava para testar a qualidade dos produtos da Espósito.
- Essa é a senhorita Safira Difiori, uma de nossas estagiárias que espelha um grande futuro promissor. Está se formando para ser uma sommelier, e possui um talento único. Se me permitem, vendarei os olhos da moça e vocês escolherão seis tipos de garrafas diferentes. Essa jovem de vinte anos, irá descrever cada uma delas com muita precisão.-
- É uma boa forma de nos convencer que vocês realmente testam a qualidade dos vinhos.- Disse um dos investidores, que também era sommelier.
- O senhor pode degustar antes dela e depois nos dizer se concorda ou não com as descrições.- Sugeriu Felipe.
Os seis homens se entreolharam, todos tentando chegar a um consenso. Um deles, provavelmente o líder, olhou na direção de Felipe e meneou a cabeça para frente, um claro gesto de quem concorda com a proposta. Felipe ficou de pé, caminhou para a frente de Safira - que o observava com atenção-, e desatou as voltas de sua gravata.
- Desculpem, mas não consumo guardar vendas de olhos aqui no meu escritório.- Brincou o homem, envolvendo os olhos escuros de Safira ( que já estavam fechados) com a peça.
A garota sentiu o coração prestes a saltar pela boca. Primeiro, porque era a primeira vez que participava de uma reunião importante, além do mais, sendo o centro das atenções. A qualidade dos vinhos precisava ser testada, e Felipe, o seu chefe, estava apostando nela. Segundo, porque quando o seu chefe tirou a própria gravata para cobrir o rosto da mesma, ele deixou aparecer uma parte do seu pescoço. O pescoço de Felipe tinha uma veia saltada que pulsava, deixando explícito para Safira que, embora fosse um homem confiante, ele também era humano e também ficava nervoso. Terceiro e último motivo do coração de Safira quase saltar pela boca, é que na gravata continha o cheiro do homem, e aquilo acabava mexendo proporcionalmente com os dois lados do cérebro dela. O cérebro humano é divido em duas partes. A parte direita é responsável pelo raciocínio, e era aquela parte que Safira precisava usar para descrever os vinhos que degustaria. O lado esquerdo, conhecido como artístico ou emocional, era o que gritava para que ela se permitisse perder naquele cheiro estonteante e afrodisíaco. Talvez antes não tivesse percebido, mas desde o primeiro dia que se deparou com Felipe Espósito nos corredores da empresa, ela sentiu que algo havia mudado totalmente. O seu coração bateu mais forte, a sua boca ficou seca - como se estivesse há dias no meio do Saara-, e o seu corpo inteiro reverberou em choques elétricos. O que significava tudo isso? Safira poderia entender tudo sobre experimentar vinhos, mas nunca experimentou algo como aquilo.
- Pode começar Safira.- Murmurou Ian, ainda com o rosto inclinado é bem próximo ao dela.- Eu confio em você.
Ele empertigou a coluna, se afastando logo em seguida ,e se acomodando de volta em seu lugar. Agora, só precisava esperar que os investidores escolhessem os vinhos.
…
O relógio de pulso de Jade apitou, indicando que uma hora e meia havia se passado. Ela conseguiu encaminhar bem o projeto da futura publicação, e só faltava corrigir alguns possíveis erros gramaticais para que a primeira parceria entre a Boa Forma e a Espósito se concretizasse. Esticou o corpo, ainda sentada, e levou o resquício do vinho que tinha em sua taça para á boca. Ela deglutiu o líquido de uma vez, molhando a garganta que começava a ficar seca. Ouviu um barulho vindo da porta, e girou o corpo para ver de quem se tratava, deparando-se com Ian parado logo na entrada. Ele estava quieto, e sério, deixando transparecer o desconforto ao estar ali, novamente, e a sós com a sua ex mulher.
- Eu já terminei. Podemos ir quando quiser.- Falou Jade, para quebrar o silêncio.
- Claro.- Ele pigarreou, permanecendo parado na entrada da cabana.- Eu vou buscar o carro.- Fez menção de se virar para trás, e a voz de Jade o deteve.
- Pensei que poderíamos comer um lanche antes de voltarmos para a Espósito. O que acha?-
Ian ponderou se aquela realmente era uma boa ideia. Já passou tempo demais ao lado de Jade, e ficar próximo áquela mulher era sempre perigoso demais. Ele permaneceu estático, e chegou a entreabrir os lábios, mas Jade não deixou que ele respondesse sem argumentar um pouco mais.
- Tem alguns queijos e presuntos frescos aqui, e uma massa. Eu acho que consigo fazer uma lasanha. Ainda tem uma garrafa cheia de vinho tinto, excelente para acompanhar massa.-
- A diretora da Boa Forma vai colocar literalmente as mãos na massa? Não consigo acreditar.- Falou Ian, com sarcasmo.
- Antes de ser a diretora da Boa Forma, eu era garçonete no bar do meu avô. Acha que eu não aprendi a cozinhar durante todo esse tempo? Diferentemente de certos diretores financeiros da Espósito, eu só vim ter uma funcionária a pouco tempo.- Jade rebateu a ironia.
- Ah, mas quem se acostuma a ser servido, acaba esquecendo de como se serve.- Ian caminhou dois passos para a frente, cruzando os braços e mantendo contato visual com Jade.
Gostava de discutir com ela desde o tempo em que eram casados, e aquela troca de provocações era estimulante demais para que Ian desviasse.
- Está inventando pretextos demais, diretor financeiro. Isso é medo de provar uma comida feita por mim, ou é medo de ficar a sós comigo?- Provocou Jade.
- Medo, com certeza. Não quero desperdiçar uma boa garrafa de vinho tinto com uma massa catastrófica.-
- Massa catastrófica?- Perguntou Jade, se sentindo ultrajada.- Vamos fazer o seguinte… Eu preparo a lasanha, e, se for catastrófica como você está sugerindo, você vai economizar a sua garrafa de vinho. Mas, se ela ficar boa, você estará me devendo um jantar. Ah, no restaurante que eu escolher e a conta é toda sua.-
- Eu nunca deixo uma mulher pagar a conta.- Ian esticou a mão na direção de Jade.- Eu aceito o desafio. Temos uma aposta?-
Jade segurou a mão do homem, apertando-a de leve.
- Temos uma aposta.- Afirmou a garota.