O silêncio entre nós dois era até reconfortante, visto que Holly estava entregue ao sono e não me ignorando. Ela ficou realmente brava quando contei sobre o ataque de Victoria e confesso que aquilo me pegou de surpresa. Geralmente ela ria e debochava, dizendo como essas mulheres eram estúpidas a ponto de acharem que conseguiriam fazer com que eu assumisse um relacionamento com elas. Claro que, Holly sabia muito bem que eu queria sim, um dia construir uma família, mas sabia também que esse não era meu foco no momento. E mais, sabia que todas as mulheres com as quais estive não provocaram tanto interesse a ponto de eu pensar em algo mais sério.
E por isso mesmo não entendi sua birra que veio em forma de algumas ofensas a mim em vez de deboche à i****a da Victoria. Mas eu queria curtir nosso final de semana longe das baladas em que íamos sempre, então preferi não discutir mais o assunto. Holly ligou o som deixando claro que não queria conversa, mas em pouco tempo já dormia.
Enquanto eu dirigia, vez ou outra minha atenção se dispersava do trânsito tranquilo e eu fixava meu olhar em Holly. Enquanto a voz de Michael Hutchence entoava Never tear us apart, eu voltava ao passado, me lembrando das várias aventuras pelas quais Holly e eu passamos. Tínhamos uma história na infância e nossa adolescência foi permeada por atitudes arteiras e por vezes irresponsáveis.
Nossos pais ficavam loucos com tudo o que aprontávamos e ainda mais loucos, mas de raiva, por constatarem que Holly e eu nunca trairíamos um ao outro. Um estava sempre acobertando as merdas que o outro fazia. Meu pai Fraser e minha mãe Louisa, entretanto, juravam que toda essa fidelidade era o que sustentaria nosso relacionamento depois que nos casássemos. Nunca fizeram questão de esconder esse desejo. Já meus irmãos Ray, Agnes e Destiny gostavam de apostar qual de nós sucumbiria primeiro. Eu debochava, dizendo que minha irmã Destiny sucumbiu primeiro, já que estava noiva de Brennan, irmão de Holly.
Os pais dela já não eram tão convictos de que um dia nos casaríamos. Embora não escondessem sua predileção por mim, Stanley e Hazel, pais de Holly, achavam que eu era um espírito livre demais e que nunca me amarraria a uma mulher.
Suspirei aliviado e ao mesmo tempo satisfeito quando finalmente entrei em Lanmond, onde meus pais moravam e que ficava a quase cem quilômetros de Nova York. Era uma típica cidade interiorana, onde Holly e eu crescemos. As casas ali quase podiam ser consideradas casas de campo, se fosse considerar a natureza ao seu redor e a distância de toda a confusão da grande cidade. Os pais de Holly, após a doença da mãe de Hazel se mudaram para Seattle, já que a velha e irritante senhora se recusava a sair de lá. Assim, a casa onde ela morou e onde nos conhecemos foi vendida a um casal de idosos, que pelo visto, não tinha a mínima intenção de sair dali.
—Ei, floquinho. —Falei passando levemente o dedo na bochecha de Holly. —Estamos chegando.
Ela abriu imediatamente os olhos e ao ver aquele verde profundo, eu senti algo se revirar dentro de mim. Era a mesma sensação de anos atrás e que vinha se repetindo com frequência agora.
—Eu dormi tanto assim? Por que não me acordou?
—Você me pareceu cansada.
—Droga, Jay. E você veio esse tempo todo sozinho!
Eu arqueei minha sobrancelha, realmente surpreso com sua reação.
—Pensei que estivesse brava comigo.
—Foi idiotice. Desculpe por isso.
Eu sorri.
—E eu não estava sozinho. Dormindo ou acordada você é a melhor companhia que eu poderia querer.
Ela girou de lado e jogou os braços em volta do meu pescoço deixando um beijo em meu rosto.
—E você é a minha. Eu te amo, Jay.
Eu nem tive tempo de responder, pois assim que parei o carro, ela se soltou do cinto e abriu a porta do carro. Eu ri ao ver que ela corria em direção à varanda onde minha mãe já esperava por nós. Sempre seria essa moleca espevitada que meus pais adoravam.
—Tia Louisa... que saudade.
As duas se abraçaram fortemente e eu permaneci sorrindo enquanto me aproximava. Deixaria para pegar nossas coisas mais tarde.
—Sua menina rebelde. Por que sumiu assim? Jayden esteve aqui três vezes e você não veio em nenhuma delas.
—Holly estava ocupada demais escolhendo babacas para o posto de namorado.
Eu falei me aproximando e recebendo o abraço da minha mãe. Holly me encarou irritada e cruzou os braços.
—Talvez você tenha se esquecido de me convidar, afinal estava entretido demais escolhendo as vagabundas para levar para sua cama.
Foi a minha vez de a encarar irritado e cruzar os braços.
—Ei crianças... vamos parar com isso, ok? Estou feliz demais por vê-los aqui. Os dois estavam fazendo merda por aí em vez de se juntarem logo e fazerem a alegria da família.
—Mãe, não comece.
—Tia Louisa, não comece.
Falamos ao mesmo tempo, fazendo minha mãe arquear a sobrancelha debochadamente.
—Viu como combinam? Venham... vamos entrar. Fiz um lanche reforçado para vocês. E já digo que seu pai está na cozinha.
—Ah não tia... ele vai comer todo os cookies. Diz que fez?
—Claro que fiz.
Holly entrou correndo em casa, já gritando pelo meu pai e pedindo para que não comesse tudo. Eu passei o braço em volta do ombro da minha mãe, deixando um beijo em sua cabeça.
—Você a mima demais, sabe disso.
—Sim, mas não é por isso que ela me ama e você sabe.
Minha mãe costumava brincar dizendo que Holly a amava demais por eu ser tão parecido com ela. Eu herdei a estatura do meu pai, que era tão alto quanto eu, mas as feições, o cabelo castanho escuro e os olhos azuis, que minha mãe teimava em dizer que eram violeta, eu herdei dela. Mas no fundo ela sabia que Holly a amava por ser quem ela era. Carinhosa, meiga, sensível, sempre disposta a dar colo todas as vezes em que Holly se metia em alguma encrenca e seus pais chamavam sua atenção.
Quando chegamos à cozinha, meu pai e Holly disputavam o pote onde estavam os cookies.
—Ei filhão... tire sua namorada louca de perto de mim.
—Ela não é...
—E nunca serei namorada dele. Agora me dê logo esse pote, Fraser. Aprenda a tratar as visitas como a tia Louisa faz.
—Visita! E desde quando você é visita, sua pivete? Vive aporrinhando aqui desde criança.
Infantilmente Holly mostrou língua para ele e pegou o pote, se sentando a uma distância segura. Eu gargalhei e me aproximei cumprimentando meu pai. Bem diferente de mim, meu pai era loiro como Destiny e Ray. Apenas Agnes e eu herdamos o lado moreno da minha mãe.
—Não sei como ainda não está obeso, pai. Não para de comer essas coisas.
—Sua mãe se encarrega de tirar minhas energias mais tarde. Sabe como é...
Holly engasgou e eu rolei meus olhos. Meus pais eram eternos namorados. Viviam em seu mundo cor de rosa e por isso ficavam enchendo a paciência da gente por causa de casamento. Quando Ray se casou há pouco mais de dois anos, eu pensei que eles iam ficar satisfeitos por um bom tempo, mas me enganei.
—Os outros virão também?
—Agnes, Brennan e Destiny estão vindo aí. Ray não virá. Aposto como isso é coisa da Ruth.
—Pensei que gostasse da sua nora, tia.
—E gosto. Mas ela é mimada demais e acaba fazendo com Ray só faça o que ela quer. Coisa irritante. Ainda bem que Holly não é assim. Eu odiaria ficar sem meu caçula.
Falou apertando minha bochecha e eu balancei a cabeça.
—O que Holly tem a ver com isso?
—Ora, se vocês vão se casar, é melhor que ela seja bacana e não mimada como Ruth.
Foi meu pai quem respondeu e eu o encarei.
—O senhor também? Parem com isso. Holly e eu somos apenas amigos. Quantas vezes teremos que dizer isso?
Olhei para minha amiga em busca de socorro, mas ela estava com o olhar fixo em mim, enquanto mordia seu cookie de chocolate. Eu não desviei meu olhar, tentando decifrar o seu, procurando o que havia de diferente nele. Não entendi... e ela também não deixou de me olhar.
****
O papo estava animado como sempre acontecia quando nos reuníamos. A predileção de Agnes e seu namorado Rod por histórias de suspense sempre rendiam bons momentos, embora assustadores. Na maioria das vezes Holly se encolhia ao meu lado enquanto ouvíamos as histórias fantasiosas. Mas hoje estava sendo um dia atípico. Confesso que até eu mesmo estava meio de olhos arregalados com a história que meu pai contava agora.
No entanto, em determinado momento eu deixei de prestar atenção ao que ele contava e foquei minha atenção em Holly. Ela me olhava insistentemente e quando eu a encarava, desviava o olhar. Mas dessa vez ela não fez isso e assim que nossos olhos se cruzaram eu entendi o que ela planejava. Com a sala toda às escuras, e com todos prestando atenção na história do meu pai, eu me levantei lentamente e ao passar por Holly estiquei a mão segurando a dela.
Seguimos para a cozinha em silêncio e de lá saímos pela porta em direção aos fundos. Não precisávamos falar nada para sabermos o que queríamos e o que faríamos agora.
—Não está com medo, floquinho? —Perguntei assim que nos aproximamos da árvore e ela começou a subir a escada. —Depois de todas aquelas histórias?
—Não estou com medo. Você está comigo.
Eu parei um pouco para respirar e olhei para cima enquanto ela subia até a casa da árvore. A casa que meu pai construiu para nós ainda em nossa infância. Com o tempo ela foi reformada, é claro, adquirindo o ar de um pequeno chalé.
Quando cheguei lá dentro, Holly já estava na varanda, observando as luzes da casa dos meus pais, e a luz que incidia sobre o pequeno lago. Eu tranquei a porta ao passar, pois conhecia meus irmãos bem o bastante para saber que se viessem atrás de nós, não bateriam antes de entrar.
—Amo esse lugar. É tão especial para mim.
Eu parei atrás dela, colocando as mãos em sua cintura e puxando seu corpo, deixando suas costas coladas em meu peito. Afastei seus cabelos e beijei seu pescoço, sentindo seu corpo estremecer.
—É especial para nós, Holly.
E como não seria especial? Foi nesse lugar, que anos atrás, no dia do meu aniversário, Holly me deu o presente mais especial da minha vida. Foi aqui que descobrimos o sexo juntos. Ainda que eu pense que poderia ter sido melhor para ela, foi algo marcante. Foi algo que nunca me esqueci e sei que jamais esqueceria. Era assim para Holly também. Hoje eu sabia disso.
—Mais cedo quando você saiu com seu pai, eu estive aqui e trouxe algumas cervejas que deixei no frigobar. Trouxe também alguns petiscos... um cobertor caso esfrie muito.
—Está querendo passar a noite aqui, linda?
Perguntei passando a mão à frente do seu corpo, a enfiando sob a camiseta e alcançando seu seio. Mais uma vez ela estremeceu em meus braços e eu mordi e cheirei seu pescoço. Seu cheiro naturalmente gostoso me atingindo em cheio.
—Se você quiser...
—Sabe que sim.
Eu a fiz girar de frente para mim, e perdi o fôlego ao ver seus olhos brilhantes e no tom mais escuro. Ela mordeu os lábios, passando os braços em volta do meu pescoço e moldando seu corpo ao meu.
—Que bom que trouxe as bebidas. Podemos passar a noite na varanda só observando as estrelas. Mas nem precisava disso tudo. Só de estar aqui com você já é o bastante.
—Eu quero ver as estrelas... só um pouco. Na verdade...
Ela fez como eu, enfiando a mão sob minha camisa e raspando as unhas em meu peito, e, assim como ela, eu estremeci. Ela sorriu ciente do efeito que causava em mim.
—Eu queria me aproveitar de alguns benefícios que meu melhor amigo me propôs... e fazer amor a noite toda.
Senti meu coração disparar de um jeito estranho ao ouvir aquelas palavras. Eu a ergui pela cintura. Holly automaticamente me envolveu com suas pernas enquanto eu aproximava meu rosto do dela.
—Tentando relembrar nossa adolescência? Nossa primeira vez?
—Não preciso tentar relembrar, Jay... afinal eu nunca esqueci.
Eu girei, caminhando até o tapete felpudo. Ela falava baixo em meu ouvido, provocando sucessivos arrepios em meu corpo.
—Talvez devêssemos fazer isso em todas as etapas da nossa vida. Fizemos quando adolescentes, faremos agora jovens... depois mais maduros, idosos...
Eu me deitei sobre ela, buscando sua boca, mas falando antes de beijá-la.
—Eu acho que faremos isso até em outras vidas.
Eu não faço ideia se seria possível, mas provavelmente incomodamos algumas pessoas com nossos gritos madrugada afora.