Capítulo 3

1225 Words
— Talvez eu seja, mas você também deve ter um lado løuco, senão não estaria falando comigo, doutora — ele murmurou com uma frieza que a fez estremecer. Marcela sentiu a garganta apertada. Ela sabia que tinha que encerrar aquela conversa, mas algo a paralisava, talvez o medo ou o desconhecido, ou até a estranha curiosidade de querer entender o que ele queria com ela. — Eu não tenho nenhum interesse em me envolver nos seus "negócios" — ela respondeu, tentando parecer firme. — E vou pedir que não me ligue mais. – Claro. Não vou insistir, Marcela, sou um homem compreensivo. Mas me diga uma coisa — ele pausou, dando tempo para que ela absorvesse cada palavra. — O que você acha que seu marido vai fazer quando descobrir que você andou conversando com o dono do morro do alemão e deixou escapar das mãos dele a chance perfeita de me pegar? Ela ficou em silêncio, Gabriel sabia exatamente onde atingir. Ricardo jamais aceitaria qualquer explicação, nada teria justificativa para ele. Ela sabia que o julgamento do marido viria sem piedade. — Isso não é da sua conta, Gabriel. Meu marido e eu temos uma vida muito bem resolvida — ela disse, tentando manter uma voz segura. Mas ele notou a hesitação. — Nada que venha de um bandido terá mais valor que a palavra da esposa dele. — Muito bem resolvida... — Ele repetiu, quase zombando. — Veremos por quanto tempo essa fachada dura. Boa noite, Marcela. Não se preocupe, vou enviar o endereço amanhã. Decida o que quiser. A ligação se encerrou, deixando um silêncio opressor para trás. Marcela ficou parada, com o telefone ainda na mão, tentando organizar os pensamentos. Gabriel havia deixado claro que não desistiria facilmente, e, para seu horror, ela sabia que teria que lidar com ele. De um jeito ou de outro. A porta se abre e ela salta para trás assustada. — O que houve, querida? Você está pálida. — Ricardo se aproximou de sua mulher com uma expressão genuinamente preocupada. — Está se sentindo m*l? — Ele a segura guiando até o sofá. — Foi só uma tontura sem importância, não comi bem hoje. — Ela mentiu muito mål, mas o marido não a conhecia o suficiente para perceber. — Você sabe que minha mãe está vindo jantar conosco, não será bom que eu faça a comida. — Marcela já podia sentir a cabeça doer ao pensar em todas as críticas "sutis" que sua sogra faria. E Ricardo claramente não estava lhe dando a opção de cancelar. — Como eu disse, foi uma tontura passageira. Já estava indo para a cozinha. — Fala se levantando e caminhando a passos rápidos para longe dele. Começou a separar os ingredientes, tentando se concentrar na tarefa de cozinhar, mas as palavras de Gabriel se alojaram em sua mente. "Veremos por quanto tempo essa fachada dura." Ele parecia saber mais sobre ela e Ricardo do que ela gostaria. Sabia que precisava pensar em como lidar com ele. — Querida, você está cozinhando algo muito... simples, não? — A voz da sogra interrompeu seus pensamentos enquanto a velha entrava na cozinha, observando o prato que Marcela começava a preparar com desdém. — Meu filho merece mais capricho, você sabe disso. Marcela respirou fundo, tentando manter a calma. — É um prato leve e quente, que combina com o clima de hoje. E é algo que o Ricardo gosta — respondeu, com um leve sorriso, sem desviar o olhar do que fazia. — Claro, querida, como quiser. Espero que esteja à altura da nossa família — a sogra disse, apertando levemente o ombro de Marcela antes de sair. A mesa estava impecavelmente arrumada, e Marcela serviu o jantar com gestos contidos, buscando não demonstrar o quanto aquela noite a incomodava. Sentou-se ao lado de Ricardo, enquanto a mãe dele ocupava a ponta da mesa, os olhos avaliados pousando sobre tudo, desde o prato até o sorriso da nora. — Ficou ótimo, querida, — disse Ricardo, saboreando a comida, mas sua mãe não pareceu tão impressionada. Ela observou Marcela antes de dar a primeira garfada, e Marcela notou que o elogio de Ricardo não suavizou a expressão de julgamento dela. — Claro, está bom, mas... — começou a sogra, pousando o garfo. — Você sabe, Ricardo, há uma coisa que falta nesta mesa. — Ela lançou um olhar para Marcela. — Afinal, acho que está na hora de pensarem em me dar um neto. Marcela quase engasgou, tomou um pouco de ar, tentando responder com uma voz calma e firme. — Só que, no momento, meu trabalho exige bastante de mim, e há muita coisa em andamento. — Ela sorriu, buscando encerrar o assunto ali. — Trabalho… — A sogra suspirou profundamente e balançou a cabeça. — Está vendo, Ricardo, eu avisei desde o começo. Sempre disse que você deveria escolher uma mulher que colocasse a família em primeiro lugar. Uma esposa que entendesse as verdadeiras prioridades. É por isso que casamentos não duram para mulheres que têm... ambições. Marcela sentiu um aperto no peito, mas manteve o tom educado, embora sua voz soasse um pouco mais fria agora. — Eu valorizo muito minha família, dona Vera, mas também me orgulho do que faço. Acho que é possível equilibrar as duas coisas, quando o momento certo chegar. — O momento certo, claro, claro — replicou a sogra, com um sorriso irônico. — Mas o tempo passa, Marcela. Você já tem 32 anos — ela olhou para Ricardo — Isso não é algo para ser adiado meu filho. Você pode pensar que tem todo o tempo do mundo porque é homem. Mas a sua esposa tem um prazo de validade para cumprir com o dever dela de mulher. Ricardo suspirou, parecendo desconfortável, mas não interveio, apenas continuou comendo em silêncio. Marcela olhou para ele, buscando um resquício de apoio, mas ele desviou o olhar, como se preferisse não se envolver. O que já era típico para ela. — Entendo sua preocupação, dona Vera. Só que, por agora, Ricardo e eu estamos focados em nossas carreiras. É uma decisão que tomamos juntos, e está funcionando bem para nós. A velha soltou uma risadinha seca e recostou-se na cadeira, parecendo aborrecida. — O dever de uma mulher é procriar, Marcela. Se não puder cumprir o único papel para o qual você realmente serve, acredito que seria melhor deixar o caminho do meu filho livre. Ricardo, percebendo que a esposa iria explodir, pigarreou e tentou apaziguar. — Mãe, cada casal tem seu ritmo. E Marcela... bem, ela faz um ótimo trabalho equilibrando tudo. Eu sou muito grato por isso. — Meu filho entenda, um casamento é feito de sacrifícios. Especialmente de uma esposa. Mulheres deveriam entender que o trabalho é uma ocupação temporária, e a família... essa é a verdadeira conquista. Marcela apertou o pano com força, tentando conter a raiva e a frustração que se acumulava. — Está tudo bem, mãe. Marcela e eu sabemos o que estamos fazendo — ele tentou sorrir, embora houvesse um certo descontrole em sua voz. — Claro, querido, como quiser. Só não faça reclamação depois que você for velho demais para reconhecer seus próprios filhos. Marcela baixou os olhos para o prato, sentindo-se exausta e sozinha. Depois daquela noite, o casamento já desgastado ganhou uma rachadura ainda mais profunda.
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