Marcela observa o próprio reflexo no espelho, a maquiagem perfeitamente aplicada e o vestido elegante caindo nos ombros com precisão, estava do jeito que Ricardo gostava. Ele sempre queria que ela estivesse impecável, o retrato ideal de uma esposa devotada e fiel, tão dedicada quanto ele era à carreira de delegado. Mas, naquele momento, ela só sentia o peso que era fazer aquele papel que interpretava todos os dias.
Seria uma noite de gala na cidade, organizada para homenagear a segurança pública, e Ricardo insistiu para que ela estivesse ao seu lado. Mesmo estando ciente do quanto ela odiava socializar.
Enquanto Ricardo conversava com outros oficiais, ela se retira discretamente e vai até a varanda do salão, desejando um momento de ar fresco. Como seria ter uma vida diferente? Aquele pensamento se dissipou rapidamente, substituído por alguns passos firmes que vinham em sua direção.
Ela se virou e encontrou um homem parado à entrada da varanda, ele estava vestido de maneira simples. O contraste entre ele e os demais homens naquela festa era gritante.
— Desculpe a intromissão — ele disse, com a voz rouca e baixa, os olhos escuros a observaram de uma forma que a fez sentir exposta. — Acho que preciso de um momento longe dessas pessoas também.
Ela hesitou, e o olhou desconfiada. Marcela não reconhecia aquele homem, e a postura dele não parecia a de um agente de segurança.
— É uma festa para as autoridades da cidade, sabe? — informou, mantendo o tom educado, mas distante.
Ele mantinha um sorriso que mostrava segurança e uma pitada de ironia.
— Não estou perdido aqui, se é o que está pensando.
A resposta pegou Marcela desprevenida, e ela não sabia o que dizer. Ele parecia ler cada centímetro dela, os olhos analisando cada detalhe. Era como se a estivesse vendo de verdade, como ninguém mais fazia há muito tempo.
— Qual o seu nome? — Perguntou com a voz quase sussurrando.
Ele se moveu, sem pressa, e manteve o olhar firme no dela.
— Gabriel. Mas conhecido por todos como Alemão.
O nome não era estranho em sua mente, ela já ouviu aquele nome em algum lugar, dito por Ricardo e outros policiais, mas nunca soube quem realmente era o Alemão, o homem que agora estava a menos de um metro dela, com um olhar magnético, que parecia atrai-la.
— Sabe, Gabriel... — ela começou, sentindo o nervosismo crescer. — Talvez você esteja no lugar errado.
Ele ergue uma sobrancelha, o sorriso permanecendo nos lábios, uma forma de desafio.
— Talvez você também esteja.
Ela sentiu o impacto das palavras dele como se tivesse recebido um soco. Aquelas palavras perfuraram o escudo que ela mantinha ao redor de si. Ele estava certo, e ela sabia disso, só não sabia que o desconforto dela era tão evidente perante os outros.
Por alguns segundos, os dois ficaram em silêncio, apenas se encarando, como se tentassem decifrar um ao outro.
Marcela não sabia o que estava acontecendo ali, mas o mundo ao seu redor parecia ter desaparecido. Era como se ela e Gabriel fossem as únicas duas pessoas naquele instante. E pela primeira vez em muito tempo, ela sentiu o coração errar uma batida.
— Não vai dizer seu nome, agora que já sabe do meu? — Marcela se vira e olha para a cidade a frente.
— Marcela. Marcela Torres. — Ela responde e ele fica ao seu lado, mantendo uma pequena distância, enquanto tira algo do bolso.
— Tu fuma Marcela Torres? — Ela costumava fumar mas não se encaixa nos hábitos que uma esposa troféu deve ter. Mas tudo bem, afinal não era um hábito saudável de qualquer forma.
— Não. O que você está fazendo aqui? — O homem acende o cigarro e dá uma tragada antes de responder a pergunta que ela fez.
— Sabe como é, linda... mantenha os amigos perto. — Ele pausa para soprar a fumaça — E os inimigos mais perto ainda.
— No seu caso esse ditado não é boa ideia. Se mantiver seus inimigos perto ele vão te matar na primeira oportunidade.
— Pra isso, esse povo que quer me ver morto vai ter que arriscar o próprio pescoço.
— Acredito que está em um salão rodeado de pessoas dispostas. — Comenta observando ele bater o indicador no cigarro para remover as cinzas.
— Esses frangos? Posso contar nos dedos quantos aqui tem coragem de subir no meu império. — Ele estufa o peito com todo ar de prepotência.
— Você não está no seu império agora. — Marcela olha em volta como se mostrasse para Gabriel onde ele estava pisando. — Na verdade está em uma posição bem vulnerável.
— Estaria se alguém soubesse quem eu sou. — Ele apaga o cigarro que ainda estava na metade e dá as costas para ela.
— Eu sei quem você é. — Marcela não se virá mas sabe que os passos dele pararam. — Meu marido é o delegado Torres. Você já deve conhecer, já que mantém seus inimigos por perto.
— Isso é uma ameaça? — Marcela não sabia, mas o homem de costas para ela estava encaixando o silenciador em sua arma. — Vai correndo contar pro seu maridinho? — Ela virou em sua direção mas tudo que podia ver eram as costas enormes e ombros largo sem fazer ideia que a próxima palavra que saísse de sua boca determinaria se ela continuaria viva ou não.
— Não me interesso pelos negócios do meu "maridinho". Se ele for tão bom no que faz, não vai precisar de mim para ajudá-lo a fazer o trabalho dele. — Gabriel sorri satisfeito e guarda a arma novamente se voltando para ela.
— Você é mó bonita sabia? O Torres não devia ter a posse de uma belezinha como você. — Sua mão segura o queixo dela e Marcela reage dando um tapa para afasta-la.
— Ricardo não tem posse de mim, ele não é meu dono.
Como se tivesse sido convocado Ricardo a chamou do salão, e ela sabia que precisava ir.
— Parece que seu dono tá chamando. — Dando uma última olhada em Gabriel, virou-se e voltou para o papel de esposa perfeita.