Leana
Conforme eu me empanturrava de salgados e doces notei um olhar em mim. Emanuel não parava de me olhar descaradamente e isso estava me deixando desconfortável. Discretamente mostrei o dedo do meio pra ele e logo fingi demência. Ele deu um sorrisinho e voltou a conversar com os convidados, vi Diego sair da cozinha e alguns minutos depois minha irmã saiu também, vindo em minha direção.
_ O que foi ?
Perguntei notando o visível desconforto dela.
_ Tem alguma coisa estranha, sabe, com os meninos..
Disse ela enquanto coçava o pescoço.
_ Estranho? Estranho como ?
_ A maneira que eles estão agindo com a gente, não notou nada de estranho?
Eu queria profundamente olhar pra ela e dizer: Estranha é você. Mas não, preferi refletir sobre as palavras que ela estava me dizendo.
_ Você acha que..
_ Meninas, está na hora.
Disse minha mãe me interrompendo. Olhei para Lalá que estava branca feita um pano. Caminhamos até uma mesa enorme com um bolo maior ainda. Senti meu estômago revirar ao sentir o cheiro doce pois eu me sentia um balão mágico prestes a flutuar de tanta comida que eu já tinha enfiado goela abaixo.
Como crianças de dez anos que nunca cresceram, minha mãe fez todos cantarem parabéns e nos obrigou a soprar velinhas e fazer um pedido. Lalá se concentrou enquanto mentalizava alguma coisa, será que ela ainda acredita nisso?
_ Bom, como todos vocês sabem, no próximo aniversário nossas meninas completarão dezoito anos..
Quando papai começou a falar senti um arrepio e não pude evitar ficar triste. Então ele decidiu anunciar nossos casamentos hoje? Tinha que ser justamente hoje ? Passei muitos anos tentando descobrir quem eram nossos noivos mas agora que estou prestes a saber não me sinto preparada.
Lalá olhou para a mamãe que pareceu ficar meio chateada também.
Tive a sensação de estar debaixo da água, ouvindo apenas ecos da superfície. A voz do meu pai estava inundando a sala enorme, várias pessoas estavam nos olhando e comecei a me sentir extremamente desconfortável. Minha irmã me olhou e agarrou minha mão, nesse momento tão delicado e chato somente ela pode me entender, somente ela pode me acalentar.
_ Todos sabemos que as meninas são prometidas desde novas e sinceramente não era da minha vontade, mas sabemos também que as coisas na organização devem funcionar de forma regrada e muitas vezes temos que fazer escolhas que não desejamos..
Ele nos olhou e eram os olhos tristes do papai Fantasma, eu sabia que quem entregaria essa notícia era ele, ele é o único dos três quem conseguiria fazer isso sem fraquejar. Ele fez um momento de silêncio, suspirou.
_ Eu e a Capo Olivia acordamos que quando as meninas fizessem dezoito anos elas seriam entregues para os meninos Emanuel e Diego, que agora são homens. Dessa forma, vamos manter nossos negócios e nossos filhos protegidos. Na verdade, essa foi a única forma que encontramos de proteger nossas filhas e evitar uma guerra. Então, daqui a doze meses nos reuniremos aqui novamente, não somente para celebrar a vida das minhas filhas, mas também para celebrar duas uniões, de Laena e Diego, e Emanuel e Leana.
As pessoas começaram a aplaudir, porém eu e Lalá permanecemos estáticas. Emanuel e Diego se aproximaram de nós e pararam ao nosso lado. Emanuel tirou uma caixinha do bolso e pegou minha mão, colocando um anel de diamante no meu dedo. Ele levou minha mão aos lábios e deu um beijo. Sorriu pra mim, mas permaneci atordoada. Diego fez o mesmo com Lalá, colocou um anel no dedo dela mas não deu um beijo na mão e sim na testa dela. As pessoas pareciam não ligar para o nosso descontentamento, pra nossa tristeza estampada.
Poderia ser pior? Sim, poderia. É ótimo saber que será com alguém que conhecemos, mas tinha que ser justamente com eles? Agora muita coisa faz sentido.
Puxei minha mão bruscamente das mãos de Emanuel, ele me olhou meio tristonho. Caminhei para o meu quarto mesmo com meu pai e minha mãe me chamando, Lalá fez o mesmo. Nos trancamos e permanecemos em total silêncio. Me despi e entrei na água do chuveiro.
_ O que a gente faz?
Perguntou Lalá meio chorosa.
_ Nada mana. Não há o que fazer..
_ Mas..
_ Pensei que você tivesse gostado.
Ela ficou um pouco pensativa antes de me responder.
_ Depois dos últimos acontecimentos me sinto confusa.. sabe, estou com medo dele..
Ela não conseguiu segurar o choro e me abraçou. Acabei chorando junto, ver Lalá realmente chateada me deixa sensível. Ficamos longos minutos debaixo do chuveiro aos prantos. Quando finalmente saímos levamos um susto ao ver tia Olivia sentada próxima da janela. Ela nos olhou e sorriu meio triste.
_ Oi meninas, podemos conversar ?
Sabíamos que não era bem uma pergunta, então apenas assentimos. A porta estava trancada então permanecemos de toalha.
_ Eu sei que tudo isso é uma m***a. Bom, na verdade eu não sei porque não sou casada, nunca fui, mas.. bom, já fui oferecida como moeda de troca pelo meu pai..
Sabemos que ela teve um passado complicado, mas não sabemos de detalhes.
_ Eu criei meus filhos para respeitarem as mulheres, para amá-las e tratá-las como merecem. Infelizmente nem tudo é como a gente quer, mas eu quero deixar claro que em momento nenhum eles vão levantar a mão pra vocês, porque se eles fizerem isso eu vou saber, e por mais que sejam meus filhos e eu os ame jamais vou acobertar covardia. Eles serão punidos assim como qualquer soldado. E nem mesmo depois que eles tiverem total poder da máfia Colombiana e da Alemã eles poderão fazer o que quiserem com vocês. As duas têm a minha p******o. Sei que agora devem estar me odiando, mas pensem comigo, poderia ser bem pior..
Quando souberam que vocês eram meninas e que eram gêmeas, várias propostas surgiram, propostas inimagináveis. Eu fiquei sabendo e no fim acabei sendo mais rápida e persuadi seus pais. Por favor, não os culpem. Se quiserem podem culpar a mim, mas Alba e Dmitri não. Bom, não que eu goste daquele russo sem vergonha, mas sinceramente sinto muita inveja de vocês..
Olhamos para ela confusas.
_ Inveja tia? Vamos ter que casar obrigadas, papai nem sequer havia nos comunicado quem eram nossos noivos..
Falei enquanto segurava o choro.
_ Sim Lê, inveja. E sabe por que?
Eu e Lalá sacudimos a cabeça negando.
_ Inveja porque eu nunca tive um pai, nunca tive alguém pra me amar, pra me proteger. Eu tive um monstro que tentou me violar, que tentou me vender e *matou e torturou lentamente minha mãe na minha frente. Eu sei que agora vocês devem estar tristes com tudo isso, mas quero deixar claro que existe dor muito pior.
Me senti profundamente culpada. Sei que não devo diminuir minha dor porque a do outro é maior, mas jamais imaginei que ela tivesse passado por isso.
_ Bom, pra tentar compensar toda essa *m***a e dar-lhes um último suspiro livre eu trouxe um presente.
Ela pegou uma caixa preta e nos entregou. Eu e Lalá abrimos meio receosas.
_ O que é isso?
Perguntei franzindo a testa.
_ São passagens.
Disse ela sorridente.
_ Mas.. pra onde?
Perguntou Lalá.
_ Pro mundo inteiro. Quero que vocês viajem, quero que conheçam novos lugares e se divirtam. Vocês terão um ano livre dos meus filhos e dos pais de vocês.
_ Mas o papai jamais deixaria..
Falei meio chateada. A ideia de viajar pelo mundo inteiro seria tão bom..
_ Eu já cuidei dele, não se preocupem. Bom, a mãe de vocês também deu um bom chá de bu..
_ OBRIGADO!
Gritou minha irmã, interrompendo a fala sem filtro da minha tia. Acabamos rindo, Lalá já estava um pimentão.
_ É o mínimo que eu posso fazer. Não serei uma sogra presente e não vou me meter no casamento de vocês, a não ser que queiram, ok?
_ Ok tia, obrigado..
Eu e Lalá abraçamos ela. Ouvimos um barulho na porta.
_ Meninas..
Minha mãe entrou meio tímida. Corremos e abraçamos ela.
_ Obrigado mamãe, sabemos que você fez o seu melhor.
Falei enquanto apertava ela contra meu peito.
Lalá e ela começaram a chorar e eu revirei os olhos, tia Olivia fez o mesmo.
_ Ah, tem mais uma coisa..
Disse Olivia ao levantar da cama.
_ Vocês vão receber um treinamento, diretamente dos meus aliados. Todos os países e cidades que vocês vão visitar serão aliados. Eles não vão ficar na cola de vocês mas estarão constantemente em observação. Tem um cronograma, vocês devem estudá-lo antes de partirem. Ainda faltam algumas semanas, mas façam tudo certinho..
Olhei para trás e notei a presença de Emanuel e Diego nos olhando. Me senti um pouco tímida, afinal a toalha é curta.
_ Como eu dizia, aproveitem a viagem, conheçam novas pessoas, beijem na boca e *transem bastante. Ah, e usem c*******a.
Disse titia Olivia enquanto sorria pra nós. Mamãe começou a rir e apenas sacudiu a cabeça concordando.
_ NÃO!
Gritou Diego. Ele estava vermelho como um pimentão.
_ Onde elas vão?
Perguntou Emanuel com os olhos arregalados.
_ Elas vão viajar, viver um pouco da vida antes de casarem com dois *chatos do *c*****o que nem vocês, agora vazem daqui que elas estão de toalhas seus moleques!
Disse tia Olivia enquanto colocava as mãos na cintura.
_ Mamãe, você ouviu o que você disse? p***a, elas são menores, elas não podem simplesmente sair por aí *transando com caras que nem conhecem!
Disse Emanuel extremamente irritado. Ver ele enciumado até que me deixou um pouco feliz, é bom ver que consigo atingi-lo.
_ E daí? Vocês acham que eu não sei que o pai de vocês os levou em um *bordel quando vocês tinham quinze anos? Ah me poupem né!
_ Sim mas elas são mulheres!
Respondeu Diego, indignado. Olhamos para tia Olivia que franziu a testa. Ela cruzou os braços e deu um sorriso extremamente distorcido.
_ Pro avião, agora.
Eles abaixaram a cabeça instantaneamente.
_ Sim mamãe.
Os dois saíram do quarto de cabeças baixa.
_ Meninas, aproveitem, a vida é uma só.
Disse ela enquanto saía do quarto. Eu e Lalá nos olhamos, por algum motivo me senti preocupada com eles, tia Olivia não ficou nem um pouco contente com a reação deles..
_ Mamãe, você acha que ela vai machucá-los?
Perguntou Lalá enquanto mamãe também ficava séria.
_ Não sei meninas, mas eles vão aprender uma boa lição.
Disse ela. Ficamos as três durante um bom tempo em silêncio, mas a preocupação com os meninos estava latente.