... 1816 ...
------- lembranças -------
Willian narrando
Eu estava ajoelhado ao lado da cama de meu pai, ele dava os seus últimos suspiros em vida, sua morte já era prevista, o sangue que escorria nos seus lençóis brancos não cessava e não havia mais o que fazer... A única coisa a ser feita era me despedir dele, dos seus ensinamentos e levar adiante o seu legado.
- Willian...- Ele me chamou baixo, tão baixo que só quem estava muito perto seria capaz de ouvi-lo...
- Sim, pai?- Eu o respondi segurando em sua mão...
- Não acredite, se um dia, alguém chegar na sua vida e lhe disser que... - Ele tossiu, logo em seguida voltou a falar. - ... que a bondade leva à felicidade... Somos a prova de tudo que construímos... Não é possível ser bom em um mundo onde só há espaço para os maus... Não perca a sua essência, lembre-se de tudo que lhe ensinei e vá em frente... Conquistará muitas coroas ao longo da sua vida assim como eu fiz... Morrerei com a certeza de que todas as guerras que lutei fora... bem feitas...- Ele tentou recuperar o seu ar...
- Pode deixar pai... Eu usarei tudo que me ensinou e honrarei a sua coroa...- Eu o afirmei.
- Bom... garoto...- Ele disse entre pausas...
- Isso se tornou todo o seu, assim como eu disse que aconteceria um dia... Seja rápido e faça um herdeiro... Seja o pai que eu fui e não precisará se preocupar com o futuro do seu reino em seu leito de morte... - Ele disse me olhando no fundo dos meus olhos... Eu assenti positivamente.
- Eu serei... Farei de tudo para que o senhor continue vivo em cada centímetro desse reino...- Ele assentiu de leve, seus olhos foram se fechando vagarosamente até que sua mão soltou a minha e caiu sobre a cama... Abaixei a minha cabeça em respeito à morte do meu pai... Uma lágrima teimosa escorreu pelos meus olhos, a limpei no mesmo instante.
(......)
Catelyne narrando
Hoje fazia um dia frio e chuvoso, o céu acinzentado deixava aquele reino mais triste e sombrio do que já era, eu sentia uma angústia dentro do meu peito, parecia que algo r**m estava prestes a acontecer. Viver naquelas terras proporcionava isso, angústias, medos e alertas. Era preciso estar sempre em alerta, num dia qualquer, o exército podia invadir a sua casa, alegar que você é uma bruxa ou qualquer outra coisa que eles acreditam ser do demônio e lhe matar... Sem dó e nem piedade.
Quando chovia, não dava para montarmos a nossa pequena barraquinha na feira da vila, mas agradecíamos pela chuva, para termos água para beber e as plantações cresciam com mais saúde. Embora a gente vendesse muito bem, a maior porcentagem do que ganhávamos ficava para o Reino, eles nos cobram impostos altíssimos para manter a igreja funcionando, mas tem um lado bom... Quem coopera financeiramente garante uma casa aconchegante quando morrer, quando passar para o outro lado da vida.
Eu ajudava os meus pais na feira e na horta, eu queria muito poder trabalhar no palácio, lá diziam que o p*******o era um pouquinho mais do que éramos acostumados a ganhar na feira, então talvez eu pudesse ajudar mais em casa.
A feira vendia bem, mas era em determinadas épocas, na maioria dos tempos as pessoas estavam afundadas em crises financeiras, o reino e s igreja tiravam tudo que podiam do povo e nem o árduo trabalho fazia com que pudéssemos melhorar a nossa situação. Mas não havia o que protestar, ah não ser que quisesse ser condenado à forca em praça pública.
Abri a única janela da nossa pequena casinha e ainda chovia lá fora.
- Hoje as hortaliças vão ficar lindas.- Minha mãe disse atrás de mim, sorri de lado.
- Vão sim. - A gente sempre procurava ver o lado bom das coisas, mesmo que eles não fossem muitos.
- Seu pai tentar proteger a barraca dos ventos.
- Tomara que não caia novamente.
- Com a graça de Deus, não irá.
- Mãe. Hoje irei até o castelo a procura de um ofício.
- Tem certeza minha filha? Lá eles são muito rígidos, qualquer errinho você pode perder a sua vida. Eu não quero que se sinta na obrigação de fazer isso.
- Eu quero ajudar mais vocês, temos que nos alimentar mãe. Deve ter algo que eu saiba fazer muito bem e gostem do meu trabalho.
- Você é uma excelente arrumadeira, organiza tudo como ninguém, por que não candidata para algo do tipo?
- Boa ideia mãe, eu irei tentar. Como a senhora sempre diz, o não eu já tenho. Vou em busca do sim. - Ela sorriu.
- Minha menina.- Ela disse depositando um beijo na minha testa, sorri.
- O que temos para o almoço?
- Vamos cozinhar as alcachofras para a sopa. As doenças estão mais perto do que imaginamos...
- Tem razão... - Ajudei a minha mãe a fazer a nossa refeição, costumávamos comer muito pão, minha mãe os fazia muito bem e para ajudar a saciar a fome, as sopas de alcachofras eram muito bem vindas. De vez em quando, a gente conseguia comer carne branca, mas era muito raro, com as doenças espalhadas pelo reino e sem direito a atendimento médico por não sermos prioridade de saúde, nós muitas vezes passávamos bem longe de aves, grãos que não eram cozidos e também os legumes crus. Buscávamos agua da fonte, por dia, podíamos encher dois baldes para que não faltasse para as outras pessoas. Claro que algumas sempre davam um jeitinho de enganar o outro e encher bem mais que o indicado, entre nós da vila dos camponeses também existiam pessoas muito más, tão más quanto as que estavam dentro do castelo, e só pensavam neles mesmos.
Todos os dias era uma nova chance de sobreviver àquela vida, mesmo assim não deixávamos de agradecer todos os dias ao menos pelas alcachofras que podíamos cozinhar e comer sem pegar nenhuma doença. Não sabíamos o que era pior, morrer com algo infectado tomando conta do seu corpo, ou de injustiça pela igreja.
O meu sonho mesmo, era aprender a ler, eu queria muito saber o que estava escrito nas parábolas da Bíblia, lá deve ter algo escrito a favor da minha opinião, tinham muitas coisas em que eu notava que eram erradas, mas eu não falava para ninguém, nem para os meus próprios pais. Eu evitava ter aqueles tipos de pensamentos, é quase como que discordar ds igreja e do rei e pedir para morrer. Minha mãe sempre dizia "guarde os seus pensamentos para si, em um lugar bem seguro na sua mente que só você possa alcançar"...