Capítulo dois

2184 Words
Verão, outono, inverno e primavera. São quatro estações do ano, eu sei que a maioria das pessoas espera pela primavera, apesar de Moçambique ser um país tropical e não ter uma primavera propriamente dita, eu sei que a maioria dos moçambicanos espera pela primavera ou pelo verão, ou pelo menos a confusão que o mesmo é em Moçambique. Porém, eu não era essa maioria, eu não esperava pela primavera, eu lembro que costumava ficar o ano inteiro esperando pelo inverno ou a estação fria para ser mais clara. Pessoas gostam da primavera ou da confusão que a mesma é, pois, ela é a época mais romântica do ano, na primavera têm flores novas, pássaros voando alegres e felizes. Mas naquele momento, eu não achava a primavera tão romântica, não achava e não acredito que, a vida sejam flores e borboletas voando, na minha óptica de dezanove anos a vida era muito mais que isso, por isso costumava gostar do inverno, na minha opinião, o inverno era a estação mais romântica existente. Bom! Porquê? O inverno é a estação mais deprimente que existe, mas não é isso que o torna tão romântico, até porquê, onde está o romantismo em dezenas de pessoas deprimidas? O que eu quero dizer é que, o que torna o inverno romântico é o facto de nessa época nos reaproximarmos de nossas emoções, é no inverno em que olhamos o mundo como ele realmente é, e o mesmo não é flores e borboletas voando, gosto mais ainda desta estação, pois, toda vez que passo um inverno sem terminar num caixão me sinto incrível e poderosa. Depois de fugir do desconhecido que quase matei, não voltei para a minha casa, não que o meu pai fosse se importar, então, fui a casa da minha melhor amiga e fiquei por lá a noite inteira. O meu sono naquele dia, foi estranho, voltei a sonhar com o desconhecido. - Beije-me agora, antes que o sol nasça - sussurrei ofegante, tentando a todo o custo chegar até ele, trazê-lo ao meu mundo. - Porquê antes do amanhecer? - indagou em sussurros o desconhecido bonitão. Ele invadia a minha mente, os meus sonhos e a minha vida, roubava toda a sanidade de mim que já era pouca. - Porque ao amanhecer, você não estará mais aqui - Retruquei com pesar, confessando o meu maior medo. O medo de perder ele para a realidade, o medo de perder ele, para o meu abrir de olhos, eu queria continuar dormindo, só para ficar a eternidade inteira nos braços dele. Mas a minha felicidade não durou muito, o nascer do sol veio e ele se foi. O verão de Dois mil e Dezoito, não estava sendo fácil para mim, eu me encontrava mergulhada num mar de emoções e lembranças, estava igual a um marinheiro, divagando em meu próprio mar de emoções, agitado por tempestades que variavam de dias com choros, dias com um pico de alegria, dias de crises existenciais e dias de carência. Eu estava passando mais um inverno sem a minha mãe, eu pensei que não suportaria mais um inverno, mais uma primavera e mais um ano novo sem ela. Mas diferente de todos os meus invernos, naquele inverno, eu tinha ele comigo em todas as noites, uns dias com rosto, outros sem rosto e noutros como um animal, mas o importante é que, ele estava comigo. Talvez fosse a minha mente brincando comigo, mas o importante é que eu tinha algo, ao que me agarrar. O desconhecido, com nome de anime, Haru. Naquela manhã, depois do sonho com ele, acordei ofegante e com a cabeça latejando, pois, eu não parava de me questionar o porquê de sonhar com um estranho bonitão. - Quem é você Haru - sussurrei para ninguém em particular. Já se passavam dois meses que sonhava com ele, era sempre a mesma coisa, eu acordava molhada de suor e com a cabeça latejando, o que podia ser aquilo? Uma maldição? Uma doença? Ou só uma loucura da minha cabeça - Será que fiquei louca? Será que ele é o meu amor de outras vidas? - esse tipo de questão, era o meu pão de cada dia, eu me fazia essas questões diariamente após os sonhos, mas como ele seria o meu amor de outras vidas? Eu nem sequer acreditava em reencarnação, existe mesmo a reencarnação? - Haru! Onde você está? - gritei frustrada, por estar ocupando a minha mente com uma loucura daquelas, sendo que tinha problemas mais sérios que sonhos malucos, por dois meses eu dormia e acordava pensando nele, consegue pensar no quão isso é frustrante? Ele nem sequer era real e estava me atormentando. Eu nunca tinha visto seu rosto, mas podia afirmar categoricamente que já o amava, sim, talvez eu precisasse dum padre exorcista ou um pastor, talvez ele fosse um marido espiritual, eu costumava me questionar se não tinha rejeitado alguém no passado e talvez estivesse sendo castigada. Depois de pensar na desgraça que estava fazendo da minha vida, levantei-me da cama, preparei o meu café da manhã, afinal eu não podia ficar o dia inteiro pensando nele, eu precisava estudar para os exames de admissão o meu orgulho e futuro dependiam da minha entrada numa universidade pública, não que, o meu pai não pudesse pagar uma privada, mas eu queria ter o prazer de dizer que estava lá por mérito, o curso de Medicina era e é um dos mais concorridos no país, e naquele ano foram sessenta vagas para cinco mil candidatos, e eu precisava estar naqueles poucos admitidos. Depois de fazer os meus deveres domésticos, fui a explicação, eu era uma boa aluna, mas para entrar na universidade Eduardo Mondlane. Eu precisava adoptar uma conduta socrática. "só sei que nada sei". Então se naquele ano eu quisesse entrar na universidade Eduardo Mondlane, eu tinha que assumir que nada sabia e procurar ajuda. Estudar sempre é bom ajuda a esquecer coisas indesejadas, quem sabe estudando eu não me esquecia um pouco dele e das loucuras que ele fazia comigo durante o sono? Não que fossem coisas extravagantes, mas quais são as chances de você sonhar sendo beijada por um estranho bonitão, sem contar que ele assumia rostos diferentes todos os dias ou talvez fosse só coisa da minha cabeça. Após tanto estudar, voltei a casa cansada, estudar química não é uma coisa fácil, ainda mais quando não se gosta da dita disciplina, para ser sincera, eu nunca gostei de química, mas para ser médica, eu tinha que estudar química para os exames de admissão. Tomei um banho frio, jantei sozinha, pois, papá não voltou, não que fosse uma novidade, afinal de contas, depois da CANDAM, o trabalho tornou-se em sua nova família. Após o banho, fui ao meu quarto, meu cantinho de loucura, meu templo de salvação, peguei num dos meus livros sagrados. Eu os chamo de sagrados, pois, custaram um rim inteiro, então, tinha que trata-los com honra, o escolhido da minha biblioteca, foi um livro da série Bridgesthon de Julia Quinn, os segredos de Collin Bridgesthon. Quanto mais leio, mas fico impressionada com a inteligência da protagonista, ela é perigosa, sorrateira e traiçoeira. Durante a leitura, o espírito do sono e da preguiça, me ataca novamente e o desgraçado volta para me atormentar. Sonhei que estava com um vestido largo e cor de rosa, ( Atenção, eu odeio rosa), então claramente, o sonho seria um castigo para mim. O sol de junho estava mais brilhante que nunca, a luz do sol reluzente no rosto de Haru que, naquele sonho estava loiro e com olhos azuis, será que era ele mesmo ou mais uma loucura minha? Ele estava próximo dum Carvalho, grande e robusto, ( Carvalho são finos e rectos), sim, a minha mente estava pregando uma peça em mi. Ele estava prostrado no carvalho, ou sei lá o quê que fosse, assim que ele me viu, ele deu um sorriso ladino, como se estivesse esperando por mim. - Onde esteve? - sua voz grave e melodiosa, reverberou por entre os meus poros. Haru ou sei lá qual fosse o nome dele, pegou em meu cabelo e o levou as narinas, ele cheirou o mesmo. Sua respiração quente e embriagante, entrou em contato com a minha pele e senti como se, o meu coração fosse sair pela boca. Como é que possível sentir a respiração de alguém em um sonho? Realmente, eu estava muito drogada de fluoxetina e amitriptilina. - Do outro lado do jardim, vendo as flores - respondi sorrindo. Ele sorriu comigo, arrancou uma flor azul ( acho que era uma Hortência) colocou em meu cabelo. - Sabe de uma coisa? - dei-lhe um olhar interrogativo - Em todo esse jardim não existe flor mais bonita que você - disse se aproximando, pronto para dar-me um beijo. - Você quer me beijar? - questionei sorrindo e ofegante. Minhas mãos enroscadas em seu pescoço, fazendo todo o possível e dando tudo de mim para que ele não vá embora. - Claro que eu quero beijar você - retrucou com um sorriso sugestivo e debochado, como que um sonho podia ter sorrisos debochados - Porquê? Eu não posso? - questionou debochado, esboçando um sorriso ladino e a voz grave parcialmente roca, provocava um calor intenso em minhas partes íntimas, será que eu estava tendo sonhos íntimos. - Não pode - falei abanando a cabeça dum lado para o outro. - Por que? - questionou colocando os braços ao redor de mim e puxando-me para perto de si. - Porque eu sou uma moça recatada e não posso ficar aos beijos por aí - sussurrei num sorriso. - Oh! E se eu te levar a festa da colheita? Te encostar numa árvore e te roubar um beijo? - disse, logo em seguida, empurrou-me até uma árvore próxima, e eu senti como se o tempo parasse. - Bom! Eu não deixaria você me beijar - sussurrei ofegante, com um sorriso ladino e ele arqueou as sombracelhas como se estivesse me questionando o motivo da minha recusa - Bom! Talvez eu deixe você me beijar, depois de muito trabalho - falei e, logo em seguida o puxei pela gola, dei-lhe um beijo. Ele correspondeu ao beijo, os lábios dele eram macios e quentes, o beijo começou lento e tímido, sua língua era quente e atrevida, mas enquanto o beijo ia ficando quente, uma onda estranha surgiu do nada, engolindo não só Haru, como a mim mesma. Haru foi ficando invisível, sumindo a minha frente, como poeira ao vento. -Não Haru! Não vá ! Fique aqui comigo! Por favor! - gritei pelo nome dele, mas ele não respondeu. - Érica! Acorda! O que foi? Quem é Haru? - meu pai questionou preocupado. -Ele se foi pai! Ele não pode me deixar pai! - respondi chorando, em um estado pré consciente. - Como assim? Quem é ele? - questionou preocupado, o rosto dele estava extremamente preocupado e a qualquer momento a preocupação seria substituída por raiva. - Ah! Quem é quem? - respondi, desperta do transe, envergonhada por estar com a calcinha ensopada por causa de um sonho. - Você estava a gritar e a chamar por um tal de Haru, quem é esse - questionou e logo em seguida, mudou a postura de preocupado á irritado. - Haru? Não sei, o senhor não confundiu? - minha voz sai rouca, tentei fugir do assunto. Será que ele vai perceber pelo tom da minha voz que estava tendo sonhos estranhos com um estranho? -Não Érica, não confundi eu ouvi muito bem, quem é esse Erica? - questionou irritado. Só um pensamento me vinha a mente naquele momento. " Eu, estou frita" - Eu não sei pai, foi um sonho, eu não sei - tentei encerrar o assunto, pensando que, dessa forma, ele esqueceria. - Amanhã você vai à doutora Gleice - Informou, logo me deixando preocupada. - Mas pai! Foi só um sonho e nada de mais - tentei convencê-lo, apelando a voz de bebê. - Sem mais, você vai e pronto - disse firme, dando por encerada a conversa. Meu pai saiu do meu quarto sem me dar oportunidade de me explicar e apelar a minha causa perdida. Mas também o que eu podia falar? Quais são as chances de seu pai te pegar tendo sonhos sexuais? Não que os sonhos fossem sexuais, mas para a minha escassa lista de experiências sexuais, um beijo pode ser considerado algo s****l. Então quais são as hipóteses de ser pego tendo esse tipo de sonhos? Eu digo, as chances são nulas, mas a maré de azar que me perseguia naquela época, fez com que essas chances nulas, se igualassem á cem, então no dia seguinte iria à doutora Gleice. Eu não queria voltar na doutora Gleice, as secções de terapia nunca me faziam bem. Comecei as terapias quando a minha mãe morreu, eu entrei numa depressão profunda e o meu pai viu-se obrigado a procurar um psicólogo, e naquele dia depois de um ano, voltaria as terapias, não porque estava tendo uma crise e sim porque tinha um marido da noite. Irónico né?
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