Faça a sua escolha
Vigneto, Rio Grande do Sul.
Ano de 1955
- Agora que eu te tenho na mira do meu revólver, não vou errar. Há meses vinha tentando descobrir quem era o homem que estava indo para a cama com essa v.a.g.a.b.u.n.d.a… Só não podia imaginar que era o filho do meu melhor amigo.- Falou Fabrício, com o cano da p*****a apontado para a testa de Gregório.
Há meses o homem percebia comportamentos estranhos por parte de sua esposa. A jovem primeira dama, vinte anos mais nova do que ele, não costumava ser uma mulher muito sorridente, ou que saía de casa com tanta frequência. Chegou a contratar um detetive particular, já suspeitando de alguns rumores que ouvia dos empregados. O homem descobriu exatamente o local que a primeira dama costumava frequentar, registrou que o horário era sempre o mesmo, e o seu marido decidiu ir lá pessoalmente, para dar o flagrante.
Encontrou a sua Luísa deitada na cama de Gregório, os gemidos incoerentes o fez encontrar o quarto no qual estavam. Com um único chute, conseguiu abrir a porta, que não estava devidamente trancada. O rapaz ainda estava por cima dela, completamente despido, e desvencilhou ao ouvir o barulho do quarto invadido. Luísa ainda estava ofegante, com a n.u.d.e.z exposta. Os s.e.i.o.s fartos subiam e desciam em ondas inconstantes devido a respiração irregular, que piorou depois do susto que tomou. Ao vê-la ali, completamente n.u.a, com as bochechas ainda vermelhas do o*****o que estava tendo nos braços de outro homem, Fabrício enlouqueceu.
Se não fosse pelo tremor devido ao seu estado de nervosismo, ele teria acertado o rapaz, quando atirou pela primeira vez. Por sorte, a bala atingiu diretamente a parede.
Uma das empregadas que vinha caminhando pelo corredor, trazendo uma bandeja de lanche, soltou um grito ao ouvir o barulho do tiro. O objeto caiu da mão dela, toda o jogo de porcelanas se partindo no chão.
Por sorte, os empregados da casa conseguiram tomar o revólver da mão de Fabrício, antes que acontecesse uma tragédia.
Antônio, pai de Gregório, foi chamado às pressas para a mansão em que morava com a família. Como todos os dias, o homem visitava suas vinícolas, inspecionando de perto o trabalho dos vinicultores, e também, visitando as adegas junto a fiscalização.
Além da produção, os Salvatore também eram donos de uma rede de exportadoras que tinha pelo país. Várias lojas, com muitos compradores, desde 1870, quando o avô dele chegou na cidade de Vigneto, e fundou a primeira vinícola.
Antônio pretendia deixar tudo para Gregório, que dos cinco filhos que tinha, era o único homem. O problema era que Gregório não tinha o menor interesse nos negócios da família. Não levava nada a sério. Gostava da esbórnia. Das festas, das mulheres.
Colecionava amantes como alguém que colecionava carros antigos. Para ele, conquistar as mulheres era um esporte. Tinha um código de moral. Não mexia com as moças de família, independente de serem ricas ou pobres. Gostava mais das viúvas alegres e das casadas.
A prova disso, era que estava de caso com Luísa Duarte, a mulher do prefeito, que por ventura era um dos melhores amigos de seu pai.
Antônio ficou perplexo ao descobrir que o seu filho tinha chegado tão longe.
- Você é um irresponsável, inconsequente… Não sei nem mais quais insultos posso usar para essa sem vergonhice.- Rosnou Antônio, lançando o seu melhor olhar sombrio para o seu primogênito.- O Fabrício quase teve um infarto por sua causa!- Transtornado, o homem andava de um lado para o outro, por cima da tapeçaria da grandiosa sala de estar, enquanto seu filho apenas o assistia, sentado em seu sofá.
- Eu não fazia ideia de que ele fosse chegar aqui nesse horário. Era para ele está na prefeitura, ou não?- Perguntou o rapaz, com indiferença.
- Ele podia estar plantando batatas no inferno!- Exclamou o mais velho, possesso, parando de andar de um lado para o outro, para ficar de frente para Gregório.
- Aí a batata dele realmente estaria assando.- Brincou Gregório, imaginando que assim, pudesse atiçar um pouco o bom humor do seu pai.
- Você não me provoca, moleque desgraçado! Não me provoca… Porque eu te dou uma surra. Olha, já pensei o suficiente. Já vinha com essa ideia, mas depois do que aconteceu hoje, eu tenho certeza. Você precisa criar responsabilidade.-
- Vai me colocar para trabalhar nas viniculturas ou nas lojas de novo? Já tentou isso, não deu certo.-
- Não deu certo antes, mas agora, quando colocar o meu plano em prática, é uma questão de tempo para você criar consciência e assumir os negócios da família.-
- E o que você está pretendendo?- Gregório franziu o cenho, não gostando muito daquilo.
- Qual a melhor forma de um homem criar responsabilidade?- Antônio ergueu uma das sobrancelhas, como se aquilo fosse bastante óbvio.
- Não…- Gregório entendeu de primeira o que o seu pai deixou nas entrelinhas. Ele gelou, na hora, não gostando nada daquela ideia.
- Você precisa se casar!- Disse Antônio, por fim.
…
Andréia podia não entender muita coisa dos negócios de seu pai, mas tinha certeza que algo errado havia acontecido. Sequer era a hora do almoço, e ele havia deixado a fábrica de macarrão para se trancar no seu escritório, em casa. Nem na hora da refeição ele compareceu a mesa, mesmo com o seu prato favorito sendo servido. Como a mais velha de quatro irmãs, todas mulheres, Andréia sentia que tinha uma responsabilidade a mais, mesmo sendo apenas dois anos mais velha que Theresa, a segunda filha de seus pais. Enquanto as meninas conversavam frivolidades, Andréia não deixava de olhar para as escadas, imaginando o que poderia estar acontecendo com o seu pai.
Anna, sua mãe, percebeu a aflição da moça.
- Seu pai chegou de maus bofes do trabalho, querida. Deve ter acontecido alguma coisa na fábrica, porque a cara dele não estava nada boa.- Disse Anna, sentada ao lado de Andréia, ocupando a cadeira mais próxima da cabeceira.
Apenas o seu marido, chefe da família, é quem podia sentar na cabaceira.
- Eu gostaria que o papai compartilhasse os problemas dele comigo. Gostaria que confiasse mais em mim, que me deixasse ser ativa na fábrica. Se ele me desse uma oportunidade, eu poderia ajudá-lo como se fosse um filho homem.-
- Não diga tolices, Andréia. Você é mulher, seu pai jamais admitiria que se expusesse dessa forma. O que ele quer, é que você faça um bom casamento… E isso inclui deixar de ficar de namorico com aquele tal Enrico, que não tem eira e nem beira.-
- O Enrico é advogado. Pode não vim de família rica, mas é muito esforçado. E fique a senhora sabendo que não quero me casar agora, tem coisas mais importantes que preciso fazer primeiro.-
- E o que tem de mais importante para uma mulher, que não um bom casamento?- Anna arqueou uma de suas sobrancelhas, desafiando sua filha a falar.
- Que pensamento retrógrado… Já estamos em 1955, as mulheres já votam há vinte anos. Se eu posso votar, posso muito bem administrar os negócios com o meu pai. Sou ótima com números. Todos os dias estudo matemática financeira, sou formada em economia. Eu aposto que conseguiria fazer os lucros multiplicaram consideravelmente, se o meu pai me desse uma chance.-
- Deixe de tolice. O seu pai jamais vai permitir que uma filha dele trabalhe.- Contrapôs Anna.
- Isso é o que vamos ver. Vou realizar os meus sonhos, mamãe, ou não me chamo Andréia Collalto.-
- São sonhos muito ambiciosos, minha filha. Por mais que o mundo tenha mudado muito desde os meus tempos de juventude, ainda não é permitido as mulheres serem tão ousadas, principalmente aqui em Vigneto, uma cidade pequena.-
- Eu sei, mas ninguém consegue mudar o mundo fazendo tricô ou preocupada em arranjar um bom casamento. Ninguém consegue o que realmente quer, sem lutar.- Mesmo sem ter terminado a sobremesa, a garota fica de pé.
- Aonde vai?-
- Conversar com o meu pai. Se ele tiver algum problema, terá que confiar em mim, na filha mais velha dele. Não sou o filho homem que ele queria, mas ainda sirvo para alguma coisa.- Disse Andréia, com um tom de voz amargo.
Ela se afastou da mesa sem esperar sua mãe fazer algum comentário. Anna suspirou, pesarosa. Sabia que boa coisa não estava por vir dessa rebeldia de sua filha.
- Algum problema, mãe?- Perguntou Theresa, uma das filhas do meio. Ela vinha logo depois de Andréia, e era apenas dois anos mais nova.
Estava observando a pequena discussão entre sua mãe e sua irmã, imaginando que Andréia provavelmente estaria insistindo no mesmo de sempre: trabalhar com o seu pai, como braço direito na Fábrica de Macarrão.
- Nada com que você deva se preocupar.-
- É a Andréia, não é? Ela sempre quer ser diferente demais.- Opinou Virgínia, a penúltima filha do casal Anna e Afonso, cinco anos mais nova do que Andréia,
- A sua irmã tem uma personalidade forte, e se preocupa muito com as pessoas dessa família. Não vou admitir que falem m.a.l dela.-
- Não se preocupe, mãe. Ninguém está falando de sua filha favorita.- Rebateu Virgínia, contrariada.
- Não comece com isso. Não tenho predileções quanto as minhas filhas.- Rebateu Anna, irritada.
- Claro, quanto a nós eu acredito, mas quanto a Andréia…- Disse Virgínia, novamente.
- Ora, Virgínia, fique quieta. Não vê que está aborrecendo a mamãe?- Disse Theresa, também irritada com a teimosia da outra em ser desagradável.
- Não estou falando nenhuma mentira, estou? A Andréia já tem vinte e dois anos, quase vinte e três. Já deveria ter arranjado um marido, e sequer tem um noivo. Ela fica engabelando a todos, fingindo que namora aquele pé-rapado do Enrico.- Disse Virgínia, fazendo um muxoxo.
- Virgínia, se abrir a boca para fazer mais um comentário, você não vai comer a sobremesa. Vai ficar trancada no quarto, de castigo.- Falou Anna, com dureza, lançando um olhar fulminante para a filha mencionada.- Agora vamos comer de uma vez. A Berenice ainda vai ter que lavar toda essa louça.-
- Posso repetir o pudim de chocolate?- Perguntou Beatriz, a caçula de doze anos.
- Não, n******e. A gula é um dos sete pecados capitais. Além do mais, precisa manter sua silhueta em forma.-
- Eu só tenho doze anos.- Disse Beatriz para a mãe.
- E algum dia terá dezesseis, vinte, trinta… Quer crescer e se tornar uma mulher descompensada? Nada disso, se contente com os limites.-
Beatriz cansou de argumentar com a mãe. Ela apenas respirou fundo e se conformou com o que tinha no prato.
…
Andréia precisou respirar fundo umas três vezes, antes de criar coragem para bater na porta. Estava apreensiva e ansiosa, com medo da reação de seu pai. Afonso odiava quando invadiam a sua privacidade, principalmente quando estava com problemas em seus negócios.
- Entre.- Disse o homem, com rispidez.
A moça girou a maçaneta devagar, sem fazer barulho, colocando apenas a cabeça para o lado de dentro.
- Interrompo?-
- Eu estava mesmo querendo falar com você, Andréia, apenas estava criando coragem.- Disse o homem, pesaroso.
Afonso estava com o semblante tão triste, que sequer parecia o homem rude de quase sempre. Andréia amava muito o pai, e sabia que ele amava toda a família. Sempre trabalhou muito para conseguir expandir ainda mais a fábrica criada por seu avô, e estava quase lá, quando tudo, aparentemente, deu errado.
- O que houve, pai?- Perguntou, fechando a porta logo atrás de si, e se aproximando da mesa do homem, em seguida.
- Hoje foi por água abaixo o meu sonho de aumentar a rede de lojas da Collalto’s pelo Brasil.- Ele suspirou antes de prosseguir. Andréia não fez nenhum comentário, apenas o escutou.- Fiz investimentos errados, confiei nas pessoas erradas, e o meu diretor financeiro fugiu com parte do meu dinheiro. Nossos patrimônios estão correndo perigo, minha filha. Estou cheio de dívidas e com risco até de perder a fábrica de macarrão.- Concluiu, desesperado.
Á essa altura do campeonato, Andréia o encarava com os olhos arregalados, bastante pálida de susto.
- Estamos prestes a ruir, pai? Vamos ficar falidos?-
- Sim, minha filha, estamos.-
- Se o senhor confiasse em mim… Na minha competência… Se me desse uma oportunidade… Pai, eu estudo matemática financeira, estratégia de mercado… Sou atenta a muita coisa da fábrica… Se o senhor me permitisse ficar mais a par das coisas, eu poderia ser a sua diretora financeira. Eu sou formada em economia, tenho preparo.-
- Eu sabia que te deixar estudar em São Paulo seria um m.a.u passo. Mas o que posso fazer? Sempre acabo cedendo ao que sua mãe me pede. Minha filha, entenda, mulheres não foram feitas para o negócio. Por mais que estudem, vocês não têm raciocínio lógico…-
- Tenho um raciocínio lógico tão bom quanto o de qualquer homem, e atrevo-me a dizer que até melhor.- Rebateu a garota, ofendida.- Quer saber? Se confiasse no meu potencial, não teria sido roubado pelo seu diretor financeiro, e não estaríamos falidos.-
- Existe uma forma de sair da falência. Existe uma forma de pagar todas as minhas dívidas, e recuperar o nosso prestígio.-
- E qual é essa forma?-
Afonso respirou fundo, antes de responder. Abriu a garrafa de uísque que já estava pela metade, e encheu mais um copo.
- Fala, pai! Qual é essa forma?- Insistiu Andréia, vendo o homem entornar todo o copo de uma só vez.
- Você vai ter que se casar, minha filha.-
- Olha, já conversamos sobre isso. Não quero me casar agora. Além do mais, à família do Enrico não tem meios para…-
- Precisa se casar com Gregório Salvatore, filho de um antigo amigo. Em troca do casamento, o pai do Gregório vai pagar todas as nossas dívidas e evitar que percamos a fábrica.-
A moça enrugou a testa, achando aquilo muito estranho.
- Não faz sentido. O que ele ganha casando o filho com uma moça falida? Por que ele te propôs esse acordo? Não era melhor fazer um empréstimo?-
- A resposta está nas entrelinhas, minha filha. Casando vocês dois iremos unir as nossas famílias, e também os nossos negócios. A nossa fábrica de macarrão produz o melhor macarrão do país, e se não fosse por esse meu mau passo, já teríamos fama no exterior.-
- O senhor Salvatore quer ganhar uma participação na empresa?-
- Uma participação mínima, assim como eu também vou ganhar na produção de vinhos.- Respondeu Afonso.
- Isso é um absurdo, pai. Praticamente vocês estão vendendo os filhos de vocês. Principalmente o senhor.-
- Não vejo outra forma de salvar nossa família da ruína.-
- Mas e o Enrico? Namoramos há um ano, ele já pretendia me pedir em noivado…-
- O Enrico não tem como te dar o suporte que você precisa. Pense na sua mãe, nas suas irmãs. Quer ver todo mundo na miséria?-
- É uma situação muito complicada.- Andréia respirou fundo, se sentindo confusa, perdida.
Não queria terminar com Enrico, um rapaz do qual ela era muito apaixonada, para se casar com um tipo como Gregório Salvatore. A fama dele o antecedia, e Andréia tinha certeza que seria infeliz ao lado daquele homem. Mas em contrapartida, tinha a sua família… Não podia deixar os seus passando necessidade.
- A salvação da nossa família está nas suas mãos, Andréia. Cabe a você escolher.-