Hoje pela manhã o hipopótamo do Saulo saiu com o carro de mamãe. Ele deve ter ido pra cidade ao mandado de Lúcia.
Na verdade Saulo sempre foi gentil comigo, mas ele é o capataz de Lúcia, e faz absolutamente tudo o que ela mandar.
Mamãe me ligou por um número diferente, disse que estavam morando com meus padrinhos ela e o papai. E me senti mais aliviada sabendo que eles não ficaram totalmente na rua.
A nossa casa foi mesmo embargada, e ela tem quase certeza que tem dedo da família Nero nisso. Os pais do Liam são políticos e são muito influenciadores no estado.
Eu penso muito no meu pai, apesar de ele não querer me ver nem pintada. Eu sei que ele está sofrendo... É muito difícil pra ele ver todas as suas contas bloqueadas e ter que viver de favor na casa de estranhos.
Aqui no orfanato não é muito diferente, eu tento não cruzar com a Lúcia por motivos de segurança, e paz de espírito. Eu não ligo para às suas provocações, mas ela chamar meu filho de bastardo teve um peso muito grande sobre mim.
Não sei se a polícia me levou a sério ontem, mas eu não me arrependo. Somente a justiça pode frear essa maluca! Ela é obcecada em acabar com a Esther e com certeza está disposta a tudo pra conseguir.
- Oi Pâmela! Liguei para ela debruçada sobre a janela do meu quarto. - É a Deborah.
- Eu sei! Disse áspera. - Salvei seu número.
- Nossa que mau humor é esse? Zombei.
- Você ligou para saber dos Monteiros?
- Do seu rolo com o Miguel que não é! Revirei os olhos.
- Miguel e eu estamos namorando sério Deborah! Ele até me apresentou pra família toda! Respondeu orgulhosa.
- Meus parabéns Pâmela! Sei o quanto isso é importante pra você!
Pâmela faria qualquer coisa pra esquecer o Pither, inclusive namorar o Miguel que era "quase" a mesma coisa. Falo da má reputação que ele também tem! E de como ele conseguia ser atraente, mesmo sendo um degenerado cheio de tatuagens.
- Você não tem vergonha Deborah? Me ligar depois do que você vem aprontando! Ela disse inconformada.
- Do que você está falando? Perguntei sem entender nada.
- Esther está no hospital por sua causa! Ela quase perdeu os bebês!
Então são dois?! Fiquei feliz com a notícia!
- O que eu tenho a ver com isso ? Perguntei irritada.
- Como não ? Não é você que vêm ameaçando Esther com presentes demoníacos e cartas anônimas?!
- Claro que não! Respondi nervosa. - Por que eu ia querer ficar tocando o terror em Esther? Falei sabendo que a resposta dela seria óbvia.
- Como porquê?! Você foi trocada Deborah, e é claro que todo mundo está achando que é você!
- Eu amo o Lorenzo Pâmela, nunca senti nada pelo Pither... Respondi sem pensar.
- Se fôssemos olhar por esse ângulo você tem motivos de sobra para aterrorizar a Esther, já que deseja o marido dela!
- Olha Deborah eu só não te respondo com umas verdades porque sou muito educada! Respondeu ofendida. - Mas se quer saber o Lorenzo vai embora na semana que vem... Ele está indo conhecer o lugar onde vai morar,e deixar tudo acertado pra sua transferência. Talvez ele só venha pro natal! Se você correr ainda dá tempo de se despedir!
Pâmela desligou em seguida! E eu preferia ouvir às verdades que ela queria dizer do que ouvir isso!
Eu não podia me despedir! Eu não posso aparecer desse jeito na frente dele! Lorenzo acha que eu perdi o bebê, e se souber que tudo foi uma mentira. Uma invenção de mamãe, ele larga tudo e volta correndo.
Vontade de gritar! Mas nem isso eu posso! Me sinto em um calabouço onde jamais conseguirei sair!
Fui até a diretora encarar aquela bruxa nos olhos.
- Preciso que me empreste o carro. Falei. - Hoje é dia de tirar essa tala, e preciso ir a cidade!
- Não... Não empresto! Ela respondeu sendo ridícula. - Chame uma enfermeira aqui pra isso!
- Eu preciso ir ao médico! Insisti. - Ele precisa me examinar caso eu precise de fisioterapia! Expliquei.
- Quem me garante que você não vai sair fugindo com o meu carro? Ela disse sendo incoveniente. Sabendo que aquele carro era meu.
- Minhas coisas ficarão todas aqui Lúcia. Dei de ombros. - Se você vender meus sapatos e minhas roupas compra um carro melhor do que esse que eu te dei!
- Não estou preocupada com o carro, preciso que você fique onde meus olhos possa te ver! Respondeu sem tirar os olhos do laptop. - Vá mas o Saulo irá te acompanhar!
Bufei saindo da sala dela indignada. Fui até o quarto horrível do porão, e coloquei todas às minhas jóias dentro da bolsinha de mão.
Não confio nessa megera!
Depois saí indo até saída do orfanato. Vi aquele brutamontes manobrando o carro de mamãe e senti raiva.
- Precisa mesmo disso? Falei vendo ele parar junto a escadaria onde eu estava.
- Você está sobre custódia Deborah! Respondeu exibindo seus dentões horríveis.
Entrei no carro e fui obrigada a deixá-lo me levar até a cidade. Suspirei fundo quando tive que assumir que pela primeira vez na minha vida, eu ia precisar de um hospital público.
Papai tinha deixado cortar nosso plano de saúde por falta de p*******o. E eu não queria gastar meu único dinheirinho no valor de uma consulta cara.
Quando cheguei na recepção compreendi o que era ser pobre. A fila de espera é enorme, o calor absurdo e apena um ventilador porque o outro estava quebrado.
A recepcionista dando um copinho por vez para que às pessoas pudessem beber água sem desperdício. Perto do balcão um cachorrinho amarelo dormia profundamente, enquanto alguns enfermeiros chamavam pacientes para a triagem.
- Você tem cadastro aqui? A recepcionista perguntou mascando um chiclete, e eu achei isso anti ético.
- Não, claro que não! Respondi lembrando-me dos hospitais maravilhosos em que papai me levava desde criança.
- Nome? Ela perguntou alto ecoando por toda sala de espera.
- Deborah Lilian D'Ávila. Respondi um pouco constrangida.
E ela começou a registrar no seu computador.
Se eu tivesse ficado com o Lorenzo desde o início talvez ele estaria aqui comigo agora, passando dificuldades ao meu lado.
Quando ela perguntou meu endereço, passei o único que eu sabia desde que nasci. Eu nunca tive outra casa a não ser essa.
Fui aí que me dei conta que eu também não tinha endereço mais. Morava no porão de um orfanato feito um rato, escondida e temendo o pior todos os dias.
Aquela semana definitivamente seria a pior da minha vida. Saber que daqui há alguns dias o meu Enzo deixaria o Brasil, me dava um nó na garganta.
Talvez eu devesse ser egoísta só mais uma vez e ligar pra ele. Contar a verdade, dizer que eu não perdi o bebê, e que eu ainda gosto dele.
Mas as palavras do Matheus martelavam na minha cabeça. Eu não sou uma boa pessoa! Provavelmente pegarei pena por ser cúmplice do Liam. Talvez eu tenha que passar um tempo presa. E o Lorenzo merece mais do que alguém como eu!
Ele tem razão eu preciso deixar o Enzo ir! Aaah como meus olhos ardem só de pensar que talvez eu nunca mais o veja. Ele provavelmente voltará casado com uma inglesa ricaça, e nem se lembrará mais de mim!
E eu sempre o amarei! O coração não mente. E ele nunca deixará de bater pelo meu Lorenzo; meu caipirinha simples e gentil. Sério, estudioso e inteligente! Olhos azuis, boca rosada e sorriso meigo. O único homem que me amou na vida, mesmo sabendo que eu era uma péssima pessoa. Enzo teve fé em mim! Uma fé que eu quebrei também. O decepcionei de todas as formas, por isso não mereço nem sua despedida.
Boa viagem meu doce Lorenzo!