Alexander
Acordo na terça com uma mensagem de Alice sobre a viagem. Toda vez que ela fala disso, eu me arrependo por um mimuto de ter dado a ideia.
Me levanto, sento na cama e olho em volta. Tudo esta normal. Meu quarto ainda esta bagunçado, robôs não dominaram o mundo e nem um sinal de invasão alienígena ou apocalipse zumbi. Normal. Olho no relógio, ainda é cedo para ir pro colégio.
Eu estudo em uma escola do outro lado da cidade, na verdade, o único colégio particular que me aceitou apos reprovar o 1° ano. Eu sou o garoto mais velho de minha sala.
Me arrumo, peguei as chaves do carro e saio. Eu quero dar uma volta, espairecer, afinal eu guardo dois grandes segredos. E os dois, escondo de uma pessoa que amo. Minha melhor amiga Alice.
Ainda me lembro de como a conheci, comecei a namorar com Lis e ela nos apresentou. De primeira, eu não vi nada demais nela. Parecia só mais uma garota, mas fomos nos tornando amigos e mesmo depois do termino do meu curto namoro com Lis, Alice agia como se nada tivesse mudado, e quando eu reprovei de ano, ela foi a única pessoa que não me julgou, mas também não me apoiou, ela me deu forças e me ajudou, me fez entender que se eu não estudasse, eu não realizaria meus sonhos, e naquele dia eu quase contei pra ela esse segredo.
Enquanto todos me criticavam e condenavam ou passavam a mão na minha cabeca, ela me ouviu, me deu conselhos e não me deu as costas. E foi nesse momento que me apaixonei por ela, e desde então eu tenho afundado minhas magoas em festas, bebida e namoros sem futuro. Eis o primeiro segredo.
O segundo, eu chamo de o segredo de Lis. Ela me contou noite passada quando fomos os três ao shopping.
Eu levarei esse segredo para o túmulo. Eu sei os sentimentos de Alice, ela é forte mas magoa-lá é a minha ultima opção.
E pra ficar mais divertido, toda vez que penso no segredo de Lis eu lembro dele. Filipi.
Ele é um i****a. Eu o vejo em todas as festas. Sempre agarrando uma garota e depois outra, depois mais outra, e assim por diante. E depois ainda falava m*l delas. Ele enchia a cara, tentava abusar de algumas meninas e depois negava tudo. Quando eu o vejo, tenho vontade de arrastar sua cara no asfalto. Ele é tão nojento e asqueroso quanto uma barata.
Alice esta apaixonada por essa barata.
Essa barata vai comigo na viagem.
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Por mais que eu odeie admitir, estou m*l. Quase não consigo fazer uma prova pensando na possibilidade de Filipi e Alice.... Argh! Mas Lis me assegurou que não vai acontecer e eu confio nela. Estou tão distraído que quase não percebo que meus amigos Lucas e Jhonatan estão falando comigo.
-Oi?
-Cara, vai rolar uma social naquele clube que fomos semana passada, ta afim? - Lucas pergunta.
Olho para ele, sua pele morena o faz ter quase tanto sucesso com as garotas como eu, ele é um pouco mais alto que eu o cabelo preto e curto, ao contrario de Jhonatan que é branquelo, baixo e careca. Nunca entendi a razão de ele raspar a cabeça todo mês.
-Beleza, nove horas? - pergunto.
-É.
Então já tenho planos pra noite. Bem que eu estou precisando esquecer um pouco meus problemas.
Nos despedimos e eu saio. Pra mim, sempre foi um alivio sair da escola.
Entro no meu carro, dou na chave e dirijo ate em casa.
No camimho, passo por um rio. Vejo algo azul flutuando, um peixe talvez. Não. É um chapéu. A direita tem uma cabeleira loira como ouro de uma garotinha, quase tão dourada quanto a de Alice.
Sacudi a cabeça.
Ela esta em tudo. De repente todo o liquido do meu corpo parece virar ácido. Queimando por dentro. Fecho os olhos e um barulho como uma buzina me desperta.
Eu estou dirigindo, lembro a mim mesmo. Quase bato no carro de trás.
Sorrio ao pensar em Alice gritando comigo se eu batesse o carro. Ela diria Seu i****a! Como alguem fecha os os olhos enquanto dirige? Mas tudo bem, eu dou um jeito, não se culpe.
É a cara dela. Poderia estar saindo fumaça por seus ouvidos, mas ela não faria você se sentir m*l. Ela poderia te xingar, mas te entenderia.
Como eu desejo aquela garota.
Chego em casa.
Sempre que tenho tempo, observo a arquitetura dela. A parte de fora é estilo vitoriana dos anos 80, só que de dois andares. Sempre que olho, lembro de minha mãe, é bem a cara dela esse estilo, porem quando entramos, a casa fica a cara de meu pai. Sofisticada. Rude, mas clean. Organizada e limpa. A sala tem o pé direito alto, a esquerda, a cozinha tem um tipo de conceito aberto.
Eu lembro quando a casa foi projetada. Tinha 10 anos, estava sentado entre minha mãe e o arquiteto.
Tudo o que ele falava, me arrancava um suspiro. Eu me encantei pelo trabalho, as formas, os desenhos, e desde então é o meu sonho. Meu objetivo de vida.
Meu pai, o juiz Marcos, como todos o conhecem, está no escritório. Ele tem a minha altura, barba m*l feita, cabelos estilo militar e meio grisalho, seu rosto carrega feições rígidas e os meus olhos verdes. Ele sempre está de terno, isso me incomoda pois vestido assim, ele não é meu pai, é o juiz Marcos. Eu não quero o interromper então vou para meu quarto. No caminho, vejo o retrato de minha mãe. Eu sinto muita falta dela.
Ela morreu quando eu tinha 16 anos. Ela era bonita, cabelos pretos e cacheados selvagementes lindos, sua pele era lisa e macia. As vezes ainda sinto seu abraço. Ela era uma mulher simples, apesar da nossa familia ter bastante dinheiro. Dinheiro que sempre foi dela.
Meu avô, seu pai, era dono de uma grande empresa de construções, ele morreu quando eu tinha 8 anos. Como ele tinha apenas dois filhos - minha mãe e seu irmão mais velho Paulo- sua herança foi repartida em dois, além da empresa, ele tinha muitos bens que davam uma furtuna.
A empresa e metade dos bens foi herdado pela minha mãe e o resto dos bens e todo o dinheiro que ele tinha no banco foi herdado pelo meu tio, mas minha mãe não quis ficar com a empresa e deu ao irmão, ela ficou apenas com uma parte dos bens que mesmo assim, era muito mais do que ganhariamos em 15 anos de trabalho.
Eu era pequeno mas entendia, minha mãe nunca teve um relacionamento bom com meu avô, ele era esnobe, ela contava que quando ela e seu irmão eram pequenos, ele os proibia de ver pessoas de classe social diferente, proibia-os de ir a lugares onde gente como ele não ia. Minha mãe sempre fugia de casa, ela fez vários amigos, conheceu a realidade do mundo e viu o quão hipócrita era seu pai, foi em uma dessas fugidas que ela conheceu o filho de um vendedor e se apaixonou por seus olhos verdes.
Ela teve que enfrentar o pai, sair de casa, arrumar um emprego e se tornar pobre para poder ficar com meu pai. Ela diz que não se arrepende, faria tudo de novo, ela amou meu pai, e eu quero encontrar alguém que eu ame assim, e eu sei que encontrei. Enfim, eu sabia que ela nunca aceitaria nada que viesse de seu pai, mas ela ficou com o dinheiro por nós. Por mim e pelo meu pai, que com o tempo, foi se tornando igualzinho ao meu avô.
Minha mãe era altruísta e audaciosa. Se formou em medicina e montou um consultório. Ela era uma boa pessoa e então veio a descoberta que ela estava com câncer nos rins tarde demais. Ela morreu apos 2 meses internada. Minha avó -mãe do meu pai- veio morar conosco, ela me ajudou a enfrentar o luto.
Subi as escadas e fui para meu quarto, me joguei na cama e peguei um de meus mangás. Ler mangás me fazia esquecer todo o resto. Eu leio sobre herois e heroínas que enfrentavam vilões, e mesmo sendo odiados no começo, eram prestigados e encontravam o amor da sua vida no final e tudo acabava bem.
Deito a cabeça no travesseiro com o Homem Aranha nas mãos.
Ouço barulhos vindo do lado de fora e seguido por uma voz tão doce quanto algodão doce.
-Alex? Esta ai?
-Estou vó.
Ouço murmúrios. Uma conversa silenciosa sem sucesso pois minha vó é um tanto escandalosa.
-Alex, você vai deixar Mirella limpar seu quarto hj?
-Nem hoje nem nunca vó.
Eu não deixo ninguém limpar meu quarto desde a morte da minha mãe. Era ela quem sempre limpava, organizava meus CDs e mangás em ordem alfabética, meu lençol sempre ficava amarrotado e com migalhas de seu salgadinho favorito. Ela não era a melhor em limpar, mas deixava meu quarto com cheiro do seu perfume, salgadinho de milho e pinho.
Eu não suportaria chegar em casa e encontrar meu quarto impecável e limpo. Diferente de como ela fazia.
Parece um exageiro meu quarto está a 2 anos desarrumado, e até meio nojento, mas de vez em quando eu varro ao redor.
A voz doce como mel ressurgiu outra vez emergindo entre passos.
-Ah esse menino, você vai ver Mirella, um dia eu derrubo essa porta e limpo esse ninho de rato que esse moleque chama de quarto.
De doce, minha avó só tem a voz. Dou risada e volto a ler.
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Mais tarde pego meu notebook e checo meus emails, não consigo evitar o nervosismo. Há duas semanas mais ou menos, eu fiz uma prova que mudaria meu destino. A prova para o curso de arquitetura, se eu passar realizareu meu sonho, mas se não, teria que fazer o que meu pai quer. Direito. E foi por isso que eu fiz essa prova debaixo dos panos. Ninguém sabia, nem mesmo Alice ou Lis. Mas me senti inseguro, minha relação com meu pai não é nada boa, porem desde que eu falei sobre faculdade com ele, me encantou ver seu sorriso quando ele me incentivava a seguir seus passos. Eu falei que queria dar um tempo, relaxar, esfriar a cabeça e só depois decidir o que quero fazer. Mas eu menti. Eu já sabia o que queria fazer e iria ter que enfrenta-lo para seguir meu sonho, e ia ser mais dificil dizer a ele que fiz uma prova para outro estado.
Abro o email.
Alexander Ludwing
Ficamos gratos em informar que os resultados finais das provas para o curso de arquitetura da Universidade de Brasilia serão divulgados a partir do dia 5 de dezembro. Boa sorte.
Diretoria da UNB.
Isso é r**m, dia 5 vamos estar em Paraíba. Vai ser dificil esconder a animação ou a derrota dependendo do resultado.
Pra falar a verdade, eu não estou confiante que vou passar. As pessoas acham que eu não sou capaz. Eu acho que não sou capaz, e isso é mais uma razão por ter feito isso escondido. Se eu não passasse e ninguem soubesse, a frustração iria ser menor.
Encosto a cabeça confortavelmente no travesseiro e deixo meus pensamentos me levarem ao único lugar que posso tudo. Meus sonhos.